5.12.2007

O MINISTRO QUE GOSTA DE BRIGA


Quem é José Gomes Temporão, o auxiliar do presidente Lula que está à frente de algumas das iniciativas mais polêmicas do segundo mandato
UM MINISTRO AGITADO Temporão em seu gabinete, em Brasília. Polêmicas, conselhos da mulher e a promessa de tirar a saúde das páginas policiais dos jornais
O ministro da saúde, José Gomes Temporão, diz ouvir a mulher antes de tomar grandes decisões. A psicanalista Liliane Penello, casada com o ministro há 33 anos, é a pessoa a quem ele diz recorrer quando tem qualquer tipo de dúvida, mesmo as profissionais. “A qualquer momento, peço a ela que me ajude a pensar em soluções.” Foi de uma conversa com Liliane que Temporão tirou a idéia de uma frase dita na semana passada, às vésperas da chegada do papa Bento XVI ao país, que voltou a inflamar o debate sobre um plebiscito a respeito da legalização do aborto no Brasil. “Há um viés muito machista na discussão do aborto”, disse Temporão. “As mulheres têm de falar nesse processo, porque são elas que sofrem. Se os homens engravidassem, essa questão já estaria resolvida há muito tempo.”
Essa inspiração feminina é uma surpresa para quem conhece apenas o lado público do ministro. Seu jeito direto de quem está sempre disposto a comprar brigas é mais associado ao estereótipo masculino. Em apenas dois meses no cargo, Temporão já arrumou confusão para um mandato inteiro. Por defender o debate sobre a legalização do aborto, atraiu a ira da Igreja Católica. Tem defendido a ampliação das restrições a publicidade de bebidas alcoólicas. Temporão atacou até o cantor Zeca Pagodinho. Chamou-o de “patético”, por estrelar comerciais de cerveja, numa declaração que pode ser confundida com um gesto de censura. Também mostrou seu viés intervencionista: irritado com a facilidade com que se compram medicamentos no país, Temporão disse que o Brasil tem farmácias demais.
De todas as frentes de batalha abertas por Temporão, ele foi mais longe no contencioso com a indústria farmacêutica internacional. O ministro levou o governo brasileiro a quebrar a patente do efavirenz, medicamento anti-aids produzido pelo laboratório americano Merck Sharp & Dohme. O Brasil já havia ensaiado essa medida várias vezes antes, durante a gestão do ex-ministro José Serra, no governo Fernando Henrique Cardoso. Mas foi a primeira vez que a levou a cabo para conseguir uma redução nos preços de remédios usados no tratamento da aids. Com o licenciamento compulsório – nome técnico da quebra da patente –, o Brasil importará um genérico mais barato da Índia e poderá conseguir uma economia de US$ 250 milhões até 2012, segundo as projeções do Ministério da Saúde. Cada comprimido de efavirenz custava aos cofres públicos US$ 1,59, enquanto seu genérico indiano será importado por US$ 0,45 (leia o quadro na seqüência da matéria).
O licenciamento compulsório foi decidido de acordo com as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC), que permite a quebra de patente por países em casos especiais para proteger sua população. A medida foi aplaudida pelo Unaids, o órgão das Nações Unidas para o tratamento da aids. Essa é também uma causa popular porque a cruzada contra uma suposta falta de transparência nos custos da indústria farmacêutica é uma das principais bandeiras de várias organizações não-governamentais e celebridades mundiais. Na semana passada, a decisão do governo brasileiro ganhou um aval de peso. O ex-presidente americano Bill Clinton anunciou um acordo de sua fundação com laboratórios indianos para a venda a 66 países, a preços mais baixos, de 16 medicamentos de segunda geração, usados no tratamento da aids.
Mesmo assim, a quebra da patente expõe o Brasil à possibilidade de sérias retaliações comerciais. Após a decisão do governo Lula, Mark Smith, diretor-gerente para assuntos do hemisfério ocidental da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, ameaçou liderar um movimento para colocar o Brasil na lista dos violadores das regras do comércio internacional. “O Brasil decidiu se igualar à junta militar da Tailândia (país que também quebrou a patente)”, disse Smith. “Essa decisão vai tornar muito mais difícil apoiar a permanência do Brasil no Sistema Geral de Preferências (SGP).” O SGP é um programa de benefícios fiscais pelo qual o país exporta US$ 3,5 bilhões por ano para os EUA. Uma medida das pressões que o Brasil vai sofrer, por causa da quebra da patente, foi dada pelo Wall Street Journal, o influente diário econômico americano. Em editorial, o jornal classificou a medida de “roubo de propriedade intelectual” e “um tapa na cara da OMC”. “O sinal emitido nos preocupa”, diz Fernando Mattos, diretor-presidente do movimento empresarial Brasil Competitivo. “Abre a possibilidade de o mercado internacional entender que o Brasil não respeita propriedade intelectual.”
Temporão reagiu às críticas com o ânimo de quem gosta de uma rinha. Classificou as declarações de Smith de “descabidas, grosseiras e ignorantes” e desdenhou da possibilidade de o laboratório Merck Sharp & Dohme vir a suspender investimentos no Brasil. “Que investimentos? Esse laboratório fatura US$ 23 bilhões, investe 20% em pesquisa, mas só 0,7% no Brasil”, disse o ministro. “Minha obrigação é defender a saúde pública, então essa é uma briga boa de comprar.” Segundo Temporão, seu principal desafio no governo Lula será tirar “a saúde das páginas policiais e devolvê-la às páginas sociais”. É uma referência à série de escândalos brotados dentro do Ministério da Saúde durante o primeiro mandato do presidente Lula, que popularizaram as figuras dos vampiros e das sanguessugas da saúde.

Nenhum comentário: