3.10.2009

Propaganda: a liberdade de expressão comercial.




Liberdade de expressão comercial.

Após a proibição da propaganda de cigarros no ano 2000 e uma série de ofensivas no Congresso Nacional para estender a proibição também à indústria de bebidas alcoólicas, o tema da liberdade de expressão comercial deverá concentrar algumas das mais acaloradas discussões do IV Congresso Brasileiro de Publicidade. O mercado argumenta que, há 30 anos, o CONAR vem realizando uma auto-regulamentação do setor que é considerada modelo em todo o mundo, enquanto os parlamentares discursam que algumas questões precisam ser controladas através de novas leis. Mas até que ponto os projetos de lei que visam regulamentar a atividade publicitária podem ser eficientes, se a maior parte dos deputados que as elaboram desconhecem os mecanismos de funcionamento do mercado publicitário? Ainda, por muitas vezes, eles usam os temas como bandeiras de campanha política. Por conta disso, entre os objetivos do IV congresso estão ratificar e fortalecer o CONAR como instrumento de alto-regulamentação e mostrar que a restrição excessiva e pautada por critérios sem embasamento técnico prejudica a livre concorrência, afetando agências, veículos, fornecedores e anunciantes. Os debates entorno desses temas serão presididos por Gilberto Leifert (TV Globo), presidente do CONAR.

Ivan Marques, sócio-diretor F/Nazca S&S e presidente da ABAP-SP, diz que as constantes tentativas de parlamentares de legislar sobre o mercado publicitário acabam causando uma duplicidade de papeis em relação ao CONAR. “O que é desnecessário, pois o CONAR tem sido muito eficiente nessas questões. E há pautas prioritárias para os interesses do país, em vez do controle da publicidade”, acrescenta. Fernando Portella, CEO do Grupo Jaime Câmara de Comunicação (GO), concorda: “A liberdade, seja de escolha, comunicação ou imprensa, é o princípio de qualquer processo democrático. Acho que o Congresso tem tantas prioridades do ponto de vista social, da educação e das reformas fiscal e tributária que poderiam alavancar este país, que não faz sentido sequer colocar em pauta restrições à publicidade, já que o CONAR faz um belo trabalho na auto-regulamentação. No livre mercado em que vivemos, as empresas responsáveis sabem definir as limitações com a auto-regulamentação”, afirma.

Marques diz que a empreitada contra a propaganda de bebidas alcoólicas pode ser apenas uma primeira etapa de um processo que pode ter desdobramentos imprevisíveis. “O perigo é a proibição a alguns setores de anunciarem: é algo que sabemos onde começa, mas não onde vai parar. Sucessivas proibições a empresas com atividades econômicas lícitas e que pagam impostos seriam um exercício da democracia por caminho torto”, critica. O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Rádiofusão e Televisão (ABERT), Daniel Slaviero Pimentel, concorda e diz que uma eventual aprovação das restrições a bebidas abriria caminho para uma ofensiva contra outros setores, como os de medicamentos e produtos infantis, que também já são regulamentados pelo CONAR. “Esse é um assunto que preocupa muito nosso setor, pois sabemos que a liberdade de expressão comercial é o pilar da democracia e da própria liberdade de informação dos veículos de comunicação”, afirma.

Para Ruy Lindenberg, vice-presidente de criação Leo Burnet, a liberdade da propaganda vai muito além da liberdade econômica de anunciar bens e serviços. Mais do que o desejo dos parlamentares de aprovar leis que enriqueçam seus feitos e os tornem candidatos mais atraentes para as próximas eleições, Ruy chama a atenção para as amarras do politicamente correto. Uma comunicação eficiente, segundo ele, passa pela liberdade cultural para discutir hábitos, tradições, pecados e virtudes de uma sociedade. “Isso porque a nossa atividade tem sido, cada vez mais, a de criar entretenimento e marcas, mais do que vender produtos, procurando estabelecer um vínculo emocional com o consumidor. E o veículo para isso, muitas vezes, é a ficção, na qual o produto entra como merchandising. Nesse cenário, o humor tem um papel importante para criar empatia e quebrar barreiras. Como todos nós sabemos, não existe humor bonzinho, bem-intencionado; sempre um ganha e outro perde. O humor não retrata a realidade, mas revela alguns dos seus traços, fazendo uma caricatura da vida”, defende. Lindenberg diz esperar que a discussão sobre liberdade de expressão comercial, por mais séria, pertinente e equilibrada que seja, possa andar lado a lado com bom humor e tolerância criativa. “É o mínimo que se espera de uma profissão como a nossa, que não é apenas uma atividade econômica, mas também cultural. Talvez, rindo um pouco de nós mesmo, aprendamos a respeitar mais os outros”, conclui.

Cyd Alvarez, presidente da Associação Brasileira de Propaganda (ABP) e da agência NBS, diz que essa liberdade é absolutamente fundamental para o respeito às empresas anunciantes e ao consumidor. No caso dos brasileiros, ele acredita que já exista maturidade bastante para se identificar a propaganda enganosa. Ele lembra que o CONAR é referência no mundo, e extremamente atual. “Sempre teve um dedo no pulso da sociedade brasileira e, com isso, tem conseguido detectar tendências, anseios, movimentos culturais e se antecipar, buscando sempre um equilíbrio entre a defesa do consumidor e a garantia do acesso à boa informação publicitária. Tem, com isso, evitado a perigosa e míope restrição excessiva à comunicação publicitária. A proibição excessiva, além de prejudicar a concorrência livre, impede que o consumidor brasileiro evolua e julgue por si a atitude da empresa anunciante e decida por comprar ou não o produto ou serviço”, argumenta. Rodolfo Medina, presidente da ArtPlan, diz que pensa na mesma linha da ABA, segundo a qual não se pode punir uma maioria que age corretamente por conta de uma minoria irresponsável. “Ou seja, é mais fácil proibir todo mundo do que controlar aqueles que fazem errado. As regras devem existir sim, mas temos de ter o pleno direito de expressar o posicionamento das marcas que atendemos”.

Retirado do jornal Meio e Mensagem

De um lado, anunciantes dos setores de bebidas, medicamentos e alimentos, agências de propaganda e veículos de comunicação. Do outro, agências governamentais capitaneadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ministérios, órgãos de defesa do consumidor, representantes da sociedade civil e parlamentares. No centro do ringue, uma velha discussão: restrições à propaganda de determinadas categorias de produtos.

A lista é encabeçada pelos cigarros, cuja propaganda foi banida dos meios de comunicação pela Lei 10.167, em dezembro de 2000, e desde então restrita basicamente ao ponto-de-venda. Bebidas alcoólicas, alimentos potencialmente causadores de obesidade, refrigerantes e medicamentos, entre outros, como produtos infantis, são a bola da vez.

Ninguém do mercado de comunicação, seja de veículos ou agências, ou dos anunciantes arrisca um valor ou escala da perda potencial com as eventuais restrições, seja no volume anunciado, seja em vendas de seus produtos. "O bolo publicitário brasileiro é da ordem de R$ 33 bilhões, sendo mais ou menos 50% disso investido em mídia, que é onde recaem os olhos severos do regulador", aponta Dalton Pastore, da Carillo Pastore Euro RSCG e presidente nacional da Abap (Associação Brasileira de Agências de Propaganda). "Nenhuma categoria é tão expressiva a ponto de alterar com relevância esse bolo. O perigo não é econômico", afirma Pastore.

IMPACTO NEGATIVO
Apesar de o raciocínio ser correto sob o ponto de vista das agências, que podem usar sua criatividade para gerar novos negócios e manter as vendas de seus clientes, há de se reconhecer que os veículos, principalmente TV e revistas, sofreriam mais com as eventuais restrições. "Quando houve a proibição dos anúncios de cigarros, por exemplo, a Souza Cruz era um dos cinco maiores anunciantes da Abril", recorda Thaís Chede Soares, diretora corporativa de publicidade da Editora Abril. "Isso foi significativo para nós naquele momento, e acredito que para a maioria dos veículos em outras mídias também. Com o tempo, claro, você dilui isso e o impacto inicial desaparece."

Luiz Roberto Kallas, diretor do Grupo Kallas, especializado em mídia exterior, também teve redução no seu faturamento na época da proibição das propagandas de cigarro. "Nós já esperávamos que isso fosse acontecer", lembra. Segundo Kallas, a perda de faturamento foi de cerca de 8%. "A minha pergunta, na verdade, é outra: a restrição diminui o consumo de cigarros pelos jovens?", questiona.

Independentemente dos diferentes pontos de vista, Dalton amplia o alcance de sua observação: "O problema maior que vemos nas proibições não é econômico, é de princípio e de respeito com a publicidade, e de honestidade com a população. Nós somos um país que não garante acesso ao médico, mas que não aceita automedicação, por exemplo. O que nós queremos como país?". "É tudo muito contraditório, não?", aponta Thaís Chede. "Além disso, proibição não é nada educativo e priva as pessoas de informação sobre o que consomem e limita o poder de decisão. Talvez não seja esse o melhor caminho para resolver a questão."

Seguindo esse raciocínio, o presidente do Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), Gilberto C. Leifert, vai ainda mais fundo nessa questão, lembrando também o papel do Estado. "O fato de coibir a publicidade de produtos legalmente comercializados no Brasil, que pagam impostos e geram empregos, além de contraditório, não trará resultados", sentencia. "Sabe-se que não há fiscalização, por exemplo, contra a venda pelas farmácias e drogarias de medicamentos que dependem de prescrição médica, os de tarja vermelha, e até mesmo dos de tarja preta, como também não se coíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores de idade. Em um cenário como esse, limitar a publicidade é atacar o mais fácil, deixando intocados os verdadeiros problemas."

Não é esse o ponto de vista de Maria José Delgado Fagundes, que responde pela Gerência de Fiscalização e Monitoração de Propaganda, Publicidade, Promoção e Informação de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GPROP) da Anvisa. Ela lembra que "a própria definição de publicidade caracteriza o seu objetivo, que é o de persuadir o consumidor, criar a necessidade de consumir determinado produto, seja ele potencialmente prejudicial ou não. O papel regulador, portanto, fica com o Estado, que é quem arca com os eventuais danos à saúde da população provocados pelos abusos ou pelo consumo dos produtos que a propaganda estimula".

"É claro que a publicidade incrementa vendas, mas não é só isso o que ela faz", contra-argumenta Pastore. "Sem publicidade, não se lançam novos produtos nem se alimenta a concorrência, coisas que sempre trazem benefícios ao consumidor. Mas, acima de tudo, proibir publicidade de um produto tem um efeito mais demagógico do que prático. O governo não é claro nas suas intenções. Ele quer que ninguém mais consuma bebidas e remédios ou quer que o consumo se dê apenas entre adultos e de forma consciente? Se for isso, a publicidade pode ajudar nesse sentido. Nós podemos, queremos e sabemos ajudar."

CONTESTAR É PRECISO
A discussão sobre o papel regulador do Estado na propaganda também é contestado pelos profissionais do setor. O Conar, criado há 25 anos, chama para si essa responsabilidade. "Nós sempre defendemos, por delegação do mercado publicitário, a liberdade de expressão comercial, dentro de princípios éticos constantemente aprimorados, via auto-regulamentação", diz Leifert. "Entendemos que, em um cenário de ampla liberdade e responsabilidade, ganha a sociedade, o consumidor, o erário e as autoridades. Além disso, não podemos esquecer que a Constituição Federal garante a liberdade de expressão e afastou a hipótese de proibição à publicidade." Mas nada disso encerra a discussão em torno do tema.

"O Brasil já impôs e, lamentavelmente, quer impor novas limitações mais radicais que as de outros países, inclusive aqueles nos quais sempre procuramos nos espelhar, como Estados Unidos, Inglaterra e França", avalia Pastore. "Isso é desnecessário, pois o Conar cumpre bem o papel de regulamentar o setor. Um exemplo que, aliás, os governos deveriam seguir e que traria grandes benefícios reais para a população. Afinal, as agências brasileiras vêm lidando com as limitações impostas da forma que lhes compete: respeitando-as."

Leifert tem algumas ressalvas a essa opinião. Por mais que defenda a auto-regulamentação, ele não exime a propaganda de exageros. "Há saídas criativas para determinados vetos e outras até francamente antiéticas. Apesar do ambiente concorrencial como o que se vê hoje, posso dizer que isso acontece pontualmente e não apenas na publicidade, que, é bom lembrar, é apenas uma das ferramentas de mar-keting. Cabe ao Conselho de Ética do Conar deliberar sobre cada caso."

Apesar da auto-regulamentação já ser uma realidade consolidada no País, é grande o número de projetos de lei tramitando no Congresso sobre o tema: mais de 350. "Antes de ficarmos espantados com esse número, é preciso lembrar que o Legislativo existe exatamente para isso: propor, analisar, discutir novas leis", avalia Pastore. "A simples existência de um Projeto de Lei (PL) não significa que ele irá virar lei, pois o Congresso oferece muitas oportunidades de discussão. Não existe a possibilidade de que todos os PLs propondo restrições à comunicação sejam aprovados. E, justiça seja feita: os parlamentares são sempre muito receptivos e abertos à discussão. Os nossos problemas relativos à liberdade de expressão comercial, definitivamente, não residem no Congresso Nacional", afirma.

VEÍCULOS ALIADOS
O diretor do Comitê de Relações Governamentais da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Paulo Tonet Camargo, concorda com a visão de Pastore sobre o Congresso. "O Parlamento tem sido bastante receptivo às nossas teses e entende que o Conar é um órgão independente, porém rígido em seus julgamentos, baseados em regulação mais rigorosa do que qualquer norma já produzida para a propaganda. Por isso não se entende as tentativas recentes da Anvisa, com suas resoluções no âmbito do poder executivo, de regular a propaganda. Antes de mais nada, as resoluções da Anvisa interferem no papel do Congresso. Segundo a Constituição Federal, apenas os deputados e senadores podem regular a propaganda por meio de lei - o que tem acontecido em um ambiente aberto a diálogo com todos os envolvidos."

Leifert também valoriza o diálogo que existe nas duas casas parlamentares, mas expõe suas críticas. "Já existe um número exagerado de leis em vigor sobre o tema", sentencia. "A melhor alternativa às proibições está no Conar, que oferece a eficiência comprovada de 25 anos do seu Conselho de Ética, como intérprete do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. A instituição tem a agilidade necessária para intervir pontualmente, sempre que necessário, assegurando amplo direito de defesa às partes." O que todos questionam, na verdade, é a razão de se criar um terceiro vértice nessa relação, que já tem o Congresso e a Constituição Federal de um lado, legislando, e a auto-regulação de outro. A Anvisa, ao criar esse terceiro vértice, atropelaria a lógica legal.

"No GPROP da Anvisa, fazemos um acompanhamento diário de toda a propaganda relacionada a produtos sujeitos à vigilância sanitária", explica Maria José. "Com esse trabalho, foi possível detectar diversos tipos de irregularidades, coibindo alguns tipos de excessos e abusos na divulgação, e ainda averiguar a qualidade dos produtos. Há muitos sendo divulgados que não têm o registro na Anvisa, outros que alardeiam supostas propriedades terapêuticas de determinados alimentos ou ainda anunciando medicamentos com venda sob prescrição médica."

LEI E ORDEM
Sobre uma eventual sobreposição de responsabilidades, Maria José explica que "no capítulo reservado à Comunicação Social, o Artigo 220 da Constituição Federal prevê que cabe à lei federal regulamentar a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias. Porém, as primeiras orientações sobre como o produtor e o mercado deveriam lidar com alimentos que foram discriminadas no decreto-lei nº 986, de 21 de outubro de 1969 - enquanto que a regulamentação sobre propaganda de medicamentos no Brasil, por exemplo, é de 1976, a lei nº 6.360/76. Se a agência é responsável por regulamentar a propaganda de produtos que oferecem risco potencial à saúde, estamos cumprindo nosso papel".

No que diz respeito ao diálogo, Maria José explica que a Anvisa não se furta a ouvir todos os setores envolvidos, inclusive a sociedade. Ao contrário. "A forma de diálogo da agência com a sociedade é através das Consultas Públicas", explica Maria José. "Elas permitem a participação da sociedade e do setor regulador na construção de uma norma." Essa forma de ouvir as propostas está sendo utilizada neste momento, com as Consultas Públicas nº 83, sobre bebidas alcoólicas, e nº 84, sobre medicamentos. Em 17 de janeiro, ambas tiveram seus prazos prorrogados até a metade de março para receber propostas para o monitoramento da propaganda desses produtos. "Assim, a sociedade poderá ter mais tempo para se posicionar a respeito dos temas", avalia Maria José.

Se a Anvisa ou segmentos do Congresso receiam que o Brasil esteja sendo mais complacente com sua propaganda do que outros países, por deixar suas questões serem resolvidas por auto-regulamentação, Leifert faz um lembrete: "É patente que a Europa aplica avançados sistemas de auto-regulamentação como mecanismo eficiente para coibir abusos e preservar benefícios gerados pela publicidade. Mas eu acredito nas soluções produzidas aqui mesmo." Mas sua fé no que se pratica por aqui segue parâmetros claros de comparação. "A European Advertising Standards Alliance - Easa (Aliança Européia de Padrões para Publicidade), que congrega as instituições de auto-regulamentação naquele continente, divulgou, em meados de 2005, o ranking de desenvolvimento de suas 26 afiliadas, a partir de 12 indicadores. Constatou-se que se o Conar atuasse na Europa ocuparia posição de ponta, ao lado das mais prestigiosas instituições do mundo ocidental, como a Advertising Standards Authority (A.S.A), do Reino Unido, e a Autocontrol, da Espanha. E isso acima de economias desenvolvidas, como França, Alemanha e Itália."

Longe das eventuais comparações com o que acontece em outros países, o fator que mais preocupa, de saída, os anunciantes, as agências e os veículos é sem dúvida o avanço sobre a liberdade de expressão comercial. "Algumas propostas são realmente difíceis de entender", argumenta Paulo Tonet, diretor da ANJ. "São quase comparáveis ao absurdo de, considerando serem as mortes no trânsito muito elevadas no País, restringir até o limite possível a propaganda de carros. Se produtos de lícita e livre fabricação no Brasil, comercialização e exposição ao público são danosos à saúde, devem ter sua fabricação, exposição e comercialização controladas ou restringidas, e não seu direito de anunciar."

COMO MEDIR?
Quando se trata de expressão e comunicação, é difícil (quando não impossível) criar regras para, objetivamente, dizer o que é excesso ou não, o que pode ou não - seja em nome do que for. Exatamente por isso, é preciso ficar atento também às ameaças à liberdade de expressão editorial dos veículos, que não acontece apenas no campo hipotético. No caso dos medicamentos, a Anvisa, preocupada com o problema da auto-medicação, resolveu não se restringir às mensagens publicitárias em seu rígido controle: por meio de resolução, passou a autuar, desde o final de 2003, qualquer veículo de comunicação que, em seus conteúdos editoriais e reportagens, citassem remédios específicos.

Pela letra da lei, defendem-se os veículos, isso não passa da banida censura - tese refutada pela Agência. Porém, desde o final de 2003, ela pode impor multa de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão a qualquer veículo que cite o nome comercial de medicamentos. Em vez de facilitar a vida do público, que pode desconhecer até mesmo o que seja "ácido acetilsalicílico" (analgésico), a saída acaba gerando mais dificuldades. Jornais, revistas, rádios, televisões e sites noticiosos só podem citar o princípio ativo de cada medicamento, e não mais o nome comercial, sob qualquer hipótese ou pretexto. "Isso é um exagero!", aponta Lourival J. Santos, advogado e consultor jurídico da Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas). "Não se pode confundir jornalismo com propaganda. Desse jeito, vamos acabar tolhendo qualquer possibilidade de comunicação e informação."

Para refutar qualquer entendimento nesse sentido, a tese do autoritarismo, a agência foi mais longe na defesa de seu posicionamento. Em um texto assinado pela Anvisa, sob o título "O controle necessário para as propagandas na construção da cidadania", a agência subiu o tom, que se contrapõe à tese de deixar exclusivamente com o Conar a questão da propaganda de diversos produtos. "O Conar não é obrigado, por exemplo, a entender e acompanhar os avanços da Farmacologia, da Nutrição e até mesmo dos trabalhos científicos para redução de dano no consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Entretanto, quando defende a propaganda de produtos que oferecem risco à saúde, sem a devida regulamentação, sob uma alegada bandeira de liberdade de expressão, o Conselho desconsidera aquilo que é definido como risco sanitário mundialmente.

O trabalho realizado pela Anvisa, não só no que se refere à construção coletiva de seus regulamentos, é pautado em discussão aberta e paritária com todos os setores da sociedade envolvidos. A Câmara Setorial de Propaganda, instalada em 30 de novembro, por exemplo, já iniciou as discussões com os setores que representam as agências de publicidade e os veículos de comunicação para avaliar os impactos no mercado publicitário desses regulamentos, inclusive propondo as alterações que forem necessárias."

NOS TRIBUNAIS
Antes mesmo de contabilizar as baixas nos negócios que orbitam em torno de bebidas e medicamentos, entre outros, e da veiculação de sua propaganda, a batalha na seara jurídica sobre o tema já dá muito o que pensar aos estrategistas de ambos os lados. "Pela Constituição Brasileira, eu não posso criar restrições tão drásticas ou até o banimento de determinada publicidade", ressalta Lourival J. Santos.

E o advogado analisa essa contradição. "Ao mesmo tempo que a Constituição prevê a liberdade de expressão sem censura, a liberdade de comunicação, de manifestação intelectual, científica, sem qualquer tipo de barreira ou restrição, inclusive à expressão comercial, por outro lado ela abriga artigos específicos sobre restrições no campo da publicidade. No meu entendimento jurídico, essas restrições são inconstituicionais. Por isso que, em nome da Aner, já corre no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade, à qual a ANJ (Associação Nacional de Jornais) aderiu também, não para discutir o mérito da questão do tabaco, mas falando sobre liberdade sem censura, liberdade de expressão e de comunicação sem censura, que já vem de antes de o projeto ter virado lei e que está sub judice."

"O que existe não é proibição, mas regulamentação", contra-argumenta Maria José, do GPROP da Anvisa. "É a obrigatoriedade de se observar o interesse da Saúde Pública nas peças publicitárias, conforme prevê o artigo 220 da Constituição." Lourival J. Santos questiona algumas contradições na forma como essa regulamentação vem sendo efetivada. No caso das bebidas alcoólicas, por exemplo, ele cita a tabela de teores alcoólicos, que atinge em cheio os destilados, mas deixa de fora cervejas e vinhos. Mas o maior caso de contradição apontado por ele é o da resolução da Anvisa que, para não atrapalhar a realização da Fórmula 1 no Brasil, permitiu a exposição das marcas durante a corrida, desde que se fizesse menção aos malefícios do cigarro por meio daqueles avisos que também aparecem nos maços. "O que falou mais alto: a tutela do cidadão ou o interesse do evento lucrativo?"

Ao que parece, a batalha em torno desse tema está bem longe de ter um final. Ainda bem. A discussão democrática demonstra que o País está no caminho certo do amadurecimento - desde que não escorregue para o lado errado no fio da navalha que divide o interesse público do autoritarismo. Não parece que seja esse o caso, pelo que acredita a maioria dos profissionais, tanto do lado dos anunciantes quanto das agências de publicidade e veículos (todos unânimes em festejar, pois o diálogo entre todas as partes envolvidas na discussão, até o momento, permanece constante).

BEBIDAS ALCOÓLICAS
Próxima vítima do Governo e Anvisa
Alvo constante de projetos de lei (PL) e de resoluções da Anvisa, as bebidas alcoólicas geram discussões acaloradas entre os setores envolvidos. "A restrição à sua propaganda não é pautada na questão legal, mas num reflexo das estatísticas de Saúde Pública", afirma Maria José, da Anvisa. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo de álcool aumentou 154% entre 1961 e 2000, atingindo 19 milhões de brasileiros dependentes e sendo responsável por 70% dos acidentes de trânsito fatais, segundo dados do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito).

Entre as alterações propostas pela Anvisa, ainda em Consulta Pública, estão a inclusão de advertências diversas, como "o Ministério da Saúde adverte: o álcool é causa de inúmeras doenças, como o câncer de fígado e lesões cerebrais", veiculação de anúncios nas emissoras de rádio e TV apenas entre as 21 e 6 horas e a proibição de expressões que induzam diretamente ao consumo, como "beba", "experimente" e "compre". A Anvisa quer evitar, ainda, que a propaganda de bebidas, em qualquer meio, seja associada a figuras do mundo infantil ou ao sucesso em atividades esportivas. E isso para todas as bebidas que contenham álcool, independentemente do teor alcoólico, medida em Grau Gay Lussac. Isso abrange cervejas, vinhos, destilados e também as bebidas classificadas na categoria de "coolers".

Entre os mais de 130 projetos de lei que tramitam atualmente no Congresso com bebidas alcoólicas e sua propagada como tema, há alguns apresentados há mais de onze anos, como o PL 4.846/1994, apresentado pelo então deputado Francisco Silva (PP/RJ), que estabelecia restrições para consumo de bebidas, nos mesmos moldes da proibição e comercialização de cigarros. E outros mais recentes. É o caso do PL 3.411/2004, que propõe estabelecer por bebida alcoólica aquelas com graduação alcoólica acima de meio por cento em volume, a vinte graus Celsius, permitir sua propaganda entre 23 e 6 horas e proibir a participação de modelos nus ou seminus nos anúncios, de autoria do deputado Enio Tatico (PTB/GO). Atualmente, o parlamentar é vice-presidente da Comissão Especial constituída e instalada em junho do ano passado para proferir pareceres sobre as proposições em questão (uma vez que todas as matérias sobre o assunto, desde as mais remotas até as mais atuais, tramitam em conjunto na Câmara, muitas vezes contradizendo umas às outras e até caminhando em direções opostas).

A mudança principal está no fato de, hoje, as restrições em vigor atingirem apenas as bebidas com teor alcoólico maior do que 13º Gay Lussac (graus). Isso exclui das restrições legais a maioria dos vinhos de mesa, cervejas de diversos tipos e as bebidas "cooler" ou "ice", que podem fazer sua propaganda em qualquer veículo e em qualquer horário.

É o deputado quem tenta explicar esse apetite parlamentar sobre as questões que envolvem as bebidas e, claro, sua propaganda. E a raíz de suas posições não diferem muito das citadas pela Anvisa. "Pelos dados estatísticos do SUS (Sistema Único de Saúde), o álcool é responsável pelos elevados índices de morbi-mortalidade pelos chamados fatores externos, que incluem os acidentes de trânsito e ainda os homicídios e as agressões", explicita o deputado. "Mas há a questão de as bebidas ocuparem o primeiro lugar entre os causadores de dependência química, ultrapassando até mesmo as drogas ilícitas. O alarmante é que jovens e adolescentes estão consumindo bebidas alcoólicas cada vez mais cedo. Tudo isso somado leva nosso País a gastar, anualmente, vultosos recursos para tratar das dependências e das pessoas envolvidas em acidentes ou em casos de violência."

O deputado procura deixar claro, contudo, o foco da questão. "A qualidade da propaganda brasileira em nível mundial é inconteste", avalia. "Exatamente por isso, não resta dúvida de que ela interfere diretamente no consumo. Mas seria claro exagero afirmar que todos que consomem bebidas alcoólicas o fazem porque foram convencidos pela propaganda. O seu papel, claro, é de incentivo à continuidade desse consumo, sem alertar para suas conseqüências nocivas." Em sua defesa, os anunciantes de cerveja, por exemplo, alegam que o seu objetivo é apenas o de conquista do mercado consumidor já existente, uma vez que a propaganda visa a marca e não o produto, e não tem como foco principal a expansão do mercado.

Quem explicita melhor as preocupações do setor cervejeiro, grande anunciante e principal impactado pelas novas propostas, é o superintendente do Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja), Marcos Augusto Mesquita Coelho. "As medidas propostas não trarão o efeito esperado", observa. "No caso do consumo excessivo de bebidas alcoólicas, ou do uso ilegal por adolescentes, que são os problemas mais preocupantes, é necessário buscar programas específicos que resolvam os problemas desses grupos de risco, com objetivo de mudança comportamental. Mudanças nesse nível se fazem com programas educacionais. Restrições à publicidade refletem uma visão simplista desses problemas, que, na verdade, são muito complexos e exigem medidas que envolvam a sociedade brasileira como um todo: governos, indústria, família, escolas, entre outras instituições."

Dalton Pastore, presidente da Abap, concorda com essa visão. "Os governantes, reguladores e outros críticos têm no caso da cerveja uma nova chance de fazer mais bem feito, definindo claramente o problema e o que nós queremos que a população faça com relação a essa categoria de produto. Depois, deveriam ser ouvidos os fabricantes, suas agências e as entidades de classe."

Marcos Mesquita esclarece que o setor não tem uma contra-proposta a apresentar, por acreditar que o modelo vigente de auto-regulamentação, capitaneado pelo Conar, é a melhor e mais democrática solução - e já funciona desde longa data. "O melhor desse modelo é sua flexibilidade e adaptabilidade às demandas da sociedade. Os eventuais abusos ou distorções da propaganda são discutidos com grande rapidez pelo Conselho de Ética."

Sobre o papel das cervejas no bolo publicitário, Marcos Mesquita reconhece sua importância, mas faz questão de colocar tudo dentro de parâmetros reais. "Não temos os dados precisos, pois são estratégicos de cada empresa. Porém estimamos que, entre publicidade e promoções, as despesas do setor fiquem na casa dos R$ 800 milhões/ano. Isso representa cerca de 5% do faturamento da indústria, compatíveis com as despesas de outros setores dedicados a bens de consumo em massa. Nossa indústria é um importante anunciante, mas não se compara aos líderes do ranking, como as lojas de varejo e as operadoras de telefonia."

O Sindicerv não trabalha com a hipótese de aprovação do banimento ou da imposição de restrições severas à propaganda de cerveja, "pois confiamos na sensibilidade dos membros do Congresso Nacional e nas evidências que temos de que tais medidas não resolverão os graves problemas que o Brasil deve enfrentar". Marcos ressalta que em todos os lugares onde tais soluções foram adotadas os efeitos colaterais têm se mostrado enormes. "Há perda de valor e relevância das marcas tradicionais, maior disponibilidade de produtos de baixa qualidade, indução à informalidade, direcionamento do consumo para produtos substitutos de menor preço, como as aguardentes, e, pior de tudo, redução das riquezas geradas pela indústria, seja em empregos formais, seja em tributos."

Luiz Roberto Kallas, diretor do Grupo Kallas, também acredita que a pouca exposição de grandes marcas pode gerar mais problemas do que benefícios. "Temos hoje o contrabando e fábricas clandestinas de cigarros que, por causa do preço mais baixo, acabam sendo comprados pelos jovens mais pobres, e os malefícios causados são ainda maiores", afirma Kallas.

MEDICAMENTOS
Proibir é o melhor remédio?

A restrição à propaganda de medicamentos está prevista pela lei nº 6.360/1976, pela Constituição Federal e pela Resolução da Diretoria Colegiada 102 (RDC 102/2000, da Anvisa). Porém, a Anvisa quer rever e ampliar, por meio de novas resoluções, essas restrições. Entre as propostas, ainda em Consulta Pública (a de número 84), algumas novidades: a inclusão de frases de advertência mais claras e diretas, com o seguinte texto: "isto é um medicamento. Seu uso pode trazer riscos e efeitos colaterais. Leia atentamente a bula e, em caso de dúvida, consulte o médico ou procure a orientação de um farmacêutico". A revisão da Resolução, deverá abranger, ainda, as propagandas indiretas ao público em geral de medicamentos de venda sob prescrição médica (campanhas chamadas See Your Doctor, ou Consulte Seu Médico, em inglês, usadas principalmente pelos laboratórios que vendem medicamentos para disfunção erétil), programas de adesão ao tratamento, amostras grátis e eventos científicos. Busca-se, ainda, segundo a Anvisa, estabelecer regras mais específicas para que o anúncio do medicamento traga informações equilibradas sobre seus riscos e benefícios.

Para justificar as propostas, a agência recorre a números, entre eles o de que, há sete anos, os medicamentos ocupam o primeiro lugar no ranking das intoxicações humanas, conforme levantamento do Sinitox (Sistema Nacional de Informações Tóxicofarmacológicas). Além disso, dados da monitoração da propaganda realizada pela Anvisa mostram que mais de 90% das peças publicitárias de medicamentos apresentam informações irregulares, contribuindo para a desinformação de profissionais de saúde e de consumidores.

"Na maioria das propagandas de remédios, há desequilíbrio na informação", afirma Maria José, do GPROP da Anvisa. "As peças dão destaque para os benefícios, quando na verdade trata-se de produto que possui muitos riscos associados. Muitas das informações utilizadas nas propagandas estão distantes daquilo que se constatou durante os estudos científicos. Por isso a importância de se advertir, também, sobre reações adversas, as interações com outros medicamentos, alimentos e até álcool."

Ciro Mortela, presidente da Febrafarma (Fedaração Brasileira da Indústria Farmacêutica), evita generalizações e faz questão de diferenciar os tipos de medicamentos. "No caso de medicamentos de prescrição, todas as informações seguem para o médico e todos os profissionais que estão habilitados e respondem pela prescrição - e são quem deve orientar os pacientes", esclarece Ciro. "No caso dos medicamentos livres de prescrição, que qualquer um pode ir a um ponto-de-venda, na drogaria, e adquirir o medicamento, pressupõe-se que podemos fazer a opção livremente. Se a comercialização funciona dessa maneira, é preciso dar a possibilidade ao consumidor de fazer uma escolha mais bem informada, inclusive de preço. Para isso serve a propaganda."

O presidente da Febrafarma vai além nas suas argumentações, refutando a tese de compra por impulso, estimulada ou induzida pela propaganda. "Ninguém entra na farmácia para adquirir um medicamento de que não precisa", argumenta. "Eventualmente, a pessoa pode até levar para casa determinado medicamento, porque acha que algum dia pode precisar dele. Mas vai tomá-lo apenas quando sente alguma coisa que o remédio pode combater. E é essa informação que a propaganda vai levar ao consumidor, cujo livre-arbítrio no ponto-de-venda é total: os produtos estão ao alcance das mãos. Além disso tudo, não acredito que alguém tome remédios por prazer."

No entendimento de Ciro Mortela, o que o excesso de regulação faz é combater o sintoma, mas não a causa. No caso dos remédios, ele aponta firmemente onde moram, na sua visão, os dois maiores e mais reais problemas: "no acesso à saúde e na fiscalização da venda". "É inegável a dificuldade de acesso ao médico, - quase ninguém tem dinheiro para pagar uma consulta e chegar a ela pelo sistema público - isso dispensa meus comentários. Se o paciente já tomou algum remédio para aquele mal, ou já sabe qual é o remédio que o médico receita geralmente para ele, vai e compra o produto com tarja vermelha sem dificuldades - mesmo sem se ater ao fato de que aquele remédio pode ser de uso contínuo ou não ser o mais adequado para ele naquele momento. Até se chega ao segundo problema: é muito fácil adquirir o medicamento tarjado sem a receita: basta ir à farmácia e pedir. Não é por culpa da propaganda que isso se repete."

Quando o assunto é a automedicação, Ciro se mostra cético quanto aos exageros. "Existe uma sensação generalizada de que o brasileiro consome remédios por automedicação, porque dá na cabeça dele e sem necessidade. Até hoje, ninguém conseguiu me demonstrar que o brasileiro se auto-medica mais, de que tenha predileção especial por tomar medicamentos de que não precisa. Repito mais uma vez, o que faz a diferença, e leva a casos extremos de intoxicação, que realmente existem, é que aqui há falta de fiscalização na venda, que é feita sem prescrição. Em outros países sem a receita não se consegue comprar o remédio."

A automedicação, no caso dos remédios livres de prescrição, pode ajudar ainda o sistema público de saúde, aponta Ciro. "Pequenos males, que as pessoas podem resolver sozinhas, eliminam atendimentos desnecessários na rede pública - e com baixo risco na ingestão do medicamento. Um analgésico que você toma para dor de cabeça, por exemplo, ou outros males igualmente corriqueiros, oferecem riscos muito baixos ou inexistentes. E sempre há a lembrança do aviso 'ao persistirem os sintomas, um médico deverá ser consultado', o que qualquer pessoa faz quando não tem sua dor ou problema resolvido. Agora, a proposta de colocar uma infinidade de mensagens e informações técnicas em alguns tipos de medicamentos, como numa cartela de analgésicos, esbarra em um impedimento técnico: não há espaço na embalagem. Não faz sentido. Se não houver esse impedimento técnico, não vejo problemas."

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Propagandas monitoradas

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) criou em 2002 um programa de monitoração de propaganda com a ajuda de várias universidades brasileiras. "O intuito era ampliar o alcance da monitoração, que antes estava centralizada em Brasília e, assim, traçar um panorama da propaganda produzida aqui", conta Maria José Delgado Fagundes, da Gerência de Fiscalização e Monitoração de Propaganda, Publicidade, Promoção e Informação de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GPROP) da Anvisa. A partir desse acompanhamento, foi possível à entidade tomar medidas corretivas contra os abusos "para garantir a saúde da população e o cumprimento da legislação vigente".

"Esse monitoramento é feito em parceria com as universidades, pois queremos trabalhar questões da educação dos futuros profissionais envolvidos com os temas propaganda e vigilância sanitária", afirma Maria José. A idéia, segundo ela, é que os alunos envolvidos no projeto desenvolvam um senso crítico em relação à propaganda de produtos sujeitos a vigilância sanitária e seu impacto na saúde publica, como, por exemplo, no aumento do uso indiscriminado de medicamentos. Participam do projeto os alunos de farmácia, medicina, comunicação, direito, nutrição, biologia, odontologia e enfermagem. "As universidades conveniadas atuam como colaboradoras da monitoração, captando e enviando as peças publicitárias à Anvisa. A atribuição de fiscalizar é da agência, não das universidades", esclarece Maria José. Todo material rescolhido pelas instituições de ensino é enviado e analisado por técnicos da Gerência de Propaganda da Anvisa, que são os responsáveis por apontar as irregularidades das peças publicitárias. "Na fase I do Projeto, foram captadas 5.930 peças de medicamentos pelas universidades. Destas, 24% foram arquivadas pela agência por não apresentarem qualquer problema", informa.

As principais irregularidades identificadas pelo projeto de monitoração das universidades e a Anvisa são: veiculação de peças de produtos sem registro na Anvisa; propaganda de medicamentos que não apresentam informações obrigatórias como as contra-indicações; propaganda de alimentos com alegações de propriedades terapêuticas e/ou medicinais; indicações não registradas, ou seja, produtos que foram registrados na Anvisa para um determinado fim mas que na propaganda alegam outra indicação.

A primeira fase do projeto durou até 2003 e monitorava apenas anúncios de medicamentos. "Na fase II do Projeto, que teve inicio em 2004, foram agregadas algumas categorias de alimentos, como aqueles usados para controle de peso, os que são ingeridos pelos praticantes de atividades físicas e alimentos infantis, além de algumas categorias de produtos para saúde, como produtos odontológicos, próteses ortopédicas e aparelhos de ginástica passiva", informa Maria José. "Essas são apenas as categorias que são analisadas pelos alunos. A Anvisa continua a monitorar e fiscalizar a propaganda de todos os outros produtos sujeitos à vigilância sanitária", conclui.

Guerra contra a balança
Segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN), estima-se que 20% das crianças brasileiras sejam obesas e que cerca de 32% da população adulta apresente algum grau de excesso de peso. Em paralelo a essas descobertas, um estudo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo sobre a propaganda de alimentos no Brasil aponta que 57,8% dos produtos alimentícios anunciados, entre 1998 e 2000, são considerados ricos em gordura e açúcar.

Quando a publicidade é destinada às crianças, esses valores pioram e aumentam para 89,7%, segundo o Observatório de Política de Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade de Brasília (OPSAN-UnB, 2000). Não precisou mais do que isso para que a Anvisa arregaçasse as mangas para regulamentar também a propaganda de alimentos como refrigerantes, salgadinhos, sorvetes e lanches, de baixo valor nutricional, porém de alto valor calórico.

"A proposta de regulamento, que deve seguir para Consulta Pública em 2006, está sendo escrita por um Grupo de Trabalho (GT), que envolve representantes do mercado publicitário, como o Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), fabricantes como a ABIA (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação), e setores do governo, como Ministério da Saúde e o Congresso Nacional", explica Maria José Delgado Fagundes, que responde pela Gerência de Fiscalização e Monitoração de Propaganda, Publicidade, Promoção e Informação de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (GPROP) da Anvisa. "No caso dos alimentos, não existem alvos específicos, mas um universo de produtos de consumo da população que, por seu potencial impacto negativo à saúde, merecem uma regulamentação especial."

No Congresso Nacional, o assunto também chamou a atenção de diversos parlamentares. É o caso do deputado Júnior Betão (PL/AC), que em outubro propôs o PL 6.080/2005, que dispõe sobre as restrições à propaganda de bebidas e alimentos potencialmente causadores de obesidade. "Os dados são alarmantes e as fontes, inúmeras e incontestes", afirma o deputado. "A Organização Pan-Americana de Saúde, por exemplo, registra um alarmante crescimento na incidência de obesidade no Brasil, tendo saltado de 8% para 13% entre as mulheres, de 3% para 7% entre os homens e, entre as crianças, de 3% para 15%."

O deputado não culpa somente a propaganda, mas faz questão de não eximi-la da responsabilidade. "As propagandas, sob todas as hipóteses, criam estímulos, hábitos e padrões de consumo", sentencia. "É para isso que elas existem, não? Portanto, é fácil perceber que, quando difundida em horários, locais e meios inadequados, ou mesmo quando associada a outros produtos, a propaganda de um alimento potencialmente gerador de obesidade torna-se um risco considerável. De um lado temos o fabricante, que quer vender. De outro, uma criança exposta ao apelo. Quanto menor o apelo, ou a exposição a ele, menos pressão a criança fará sobre os pais para que comprem os produtos."

Maria José cita um experimento clássico da Associação Dietética Norte-Americana (Borzekowski & Robinson, 2001). "O que eles queriam provar é que alguns grupos populacionais são especialmente vulneráveis aos apelos publicitários", explica. "No caso dos alimentos, os resultados indicam que a exposição de apenas 30 segundos aos comerciais de alimentos é capaz de influenciar as escolhas alimentares das crianças."

Para o setor de alimentos, os eventuais malefícios decorrentes de maus hábitos alimentares são resultantes de uma multiplicidade de fatores, e não só da propaganda de seus produtos. "Estamos falando de fatores genéticos, ausência de atividade física, própria do mundo moderno, e a inexistência de programas educativos em grande escala", analisa Edmundo Klotz, presidente da ABIA. Luiz Roberto Kallas, diretor do Grupo Kallas, concorda. "O que falta no Brasil não é proibição, mas educação e conscientização da população", explica.

Apesar de um certo consenso sobre o assunto, a ABIA está disposta a dialogar. "Nossa entidade já sugeriu ao Conar uma nova versão para o artigo 37 e para o anexo H do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, que será muito mais restritiva do que a atual. Ao que tudo indica, o Conar deve acatá-la após estudos que já estão em andamento."

A situação dos PLs que tramitam no Congresso e os movimentos da Anvisa não são fonte de dores de cabeça para Klotz. "O diálogo com o Congresso e com a Agência de Vigilância Sanitária é muito bom. Tanto que a ABIA participa do Grupo de Trabalho formado pela resolução Anvisa 73/05 e também da Câmara Setorial de Propaganda e Publicidade de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária, formada pela Portaria nº 478, de 28 de novembro de 2005. Exatamente por isso não acreditamos em um total banimento ou proibição da propaganda de nossos produtos: acreditamos na auto-regulamentação, no diálogo e no bom senso", conclui o presidente da ABIA.

Propaganda: Proibição ou Auto-regulamentação?

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