6.19.2015

Como esquecer um grande amor?

por Ruleandson 

Quando um grande amor chega ao fim

Recorte do cartaz de "Um amor para recordar" (2002)

 Segundo resultados de pesquisa de cientistas da Universidade de Pisa, na Itália, a paixão dura, em média, cerca de dois anos. Outra pesquisa da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, diz, em suas descobertas, que uma a cada cinco pessoas nunca deixou de amar o primeiro amor. Entre o eterno e o efêmero, muitas pessoas se queixam de não conseguirem esquecer um amor. "Não podemos apagar uma história da nossa vida", diz a psicóloga Adriana Müller, ao explicar por que é tão difícil esquecer alguém. Em entrevista ao blog, a especialista em Psicologia Analítica e Terapia Familiar, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e comentarista do programa "CBN e Família" da Rádio CNN fala sobre como seguir em frente após o fim de uma relação e avisa: "vivermos a ilusão de que a lembrança que temos é o amor em si".

Muitas pessoas dizem que "se o amor acaba é porque não era verdadeiro". A idéia de que o amor para ser verdadeiro tem que ser eterno traz problemas?
A: Sim, por vários motivos dos quais destaco dois. Primeiro que ‘amor’, ‘eternidade’ e ‘verdade’ são conceitos abstratos que possuem conotações distintas para cada pessoa. Isso fica evidente quando nos surpreendemos com a separação de um casal conhecido: a nossa surpresa mostra que os conceitos de ‘amor’, ‘verdadeiro’ e ‘eterno’ que temos diferem daqueles do casal.

Em segundo lugar, a ideia de que um dia encontraremos nossa ‘cara metade’, o ‘príncipe encantado’, a ‘linda princesa’, ou qualquer outra idealização do amor, atrapalha para o casal lidar com as inevitáveis dificuldades que fazem parte de uma vida a dois.

O amor é uma combinação de sentimento e ação voluntária: sentimos uma grande conexão com determinada pessoa e, em função disso, nos dispomos a, voluntariamente, agir de forma a promover o bem estar dela. E, ao agir dessa forma, reforçamos o sentimento que temos, criando um círculo virtuoso de sentimento e ação.

Não precisamos esquecer um amor. Precisamos aprender a não depender de alguém para sermos felizes"

Grande parte das pessoas não consegue esquecer alguém que amaram. Por que esquecer um amor é tão difícil?
A: Amor é parceria. E parceria significa construir uma história em comum durante um determinado período. Não podemos apagar uma história da nossa vida. Somos feitos de várias histórias entrelaçadas, interconectando pessoas e sentimentos.

Não precisamos esquecer um amor. Precisamos aprender a não depender de um grande amor para sermos felizes. Para isso, cada pessoa que fez parte da nossa história de vida precisa ter o seu lugar na nossa lembrança.

O problema está quando não entendemos que aquela história acabou. Ficamos dependentes dela, querendo que ela continue. Quando uma história termina, precisamos encontrar um lugar confortável para coloca-la e seguir com a nossa vida.

As histórias e os amores podem terminar. Mas nós somos os autores da nossa vida – e essa tem que continuar!
Recorte do cartaz de "Como esquecer" (2010)

Esquecer a pessoa e deixar de amá-la são processos distintos?
A: Sim. Como disse anteriormente, esquecer uma pessoa que participou da sua vida é algo complicado de ser fazer. Significa esquecer de parte da sua história. Já deixar de amar uma pessoa significa terminar uma parceria. A distância física faz com que o sentimento deixe de ser tão intenso e, aos poucos, percebemos que ao invés do amor temos apenas a ‘lembrança desse amor’.

Inclusive, aí reside um grande perigo: vivermos a ilusão de que a lembrança que temos é o amor em si. Como já foi dito, amor é parceria, é construção diária baseada na dinâmica da interação. A lembrança do amor é somente o que ficou registrado em nossas mentes. E existe uma grande diferença entre a realidade e a lembrança.

Temos todo o direito de preservar boas lembranças dos nossos amores e, inclusive, fazer com que elas nos incentivem a seguir em frente com nossas histórias de vida. Mas não podemos cair na armadilha de achar que as lembranças refletem a realidade. Se um relacionamento chegou ao fim é porque ele não estava indo bem e foi necessário interromper a parceria. Em outras palavras, nem tudo eram rosas...

Tentar esquecer um amor com outro cansa e nos desconecta de nós, não use pessoas como band-aid de feridas"

"Um amor se cura com outro amor". Começar um novo relacionamento ajuda a esquecer alguém que ainda amamos?
A: Como foi dito, esquecer é uma palavra complicada quando diz respeito à nossa história de vida. Aliás, um detalhe muito importante nessa questão é: atenção às pessoas que você deixa entrar e participar na sua vida porque elas passarão a fazer parte da sua história.

Voltando à pergunta: um amor-parceria nos brinda com a noção de pertencimento. Nos sentimos “fazendo parte”, “incluídos”, “necessários”. Quando o amor-parceria termina, ficamos com uma certa sensação de ‘vazio’ e buscamos preenche-la rapidamente. Esse é um grande problema nos dias de hoje, onde tudo tem a velocidade da internet (uma boa internet e não uma ‘lerdanet’...): não sabemos lidar com algo que demore mais do que poucos minutos. Mas, um amor quando termina deixa um ‘vazio’ que não será preenchido ‘em poucos minutos’. Isso é um processo que demora algum tempo – um tempo muito pessoal.

Nesse período sentiremos tristeza, abandono, alegria, liberdade, raiva, dúvida, certeza. Viveremos dias lindos e agradáveis, e dias terríveis. Teremos noites de sono profundo e reconfortante, e outros de pesadelos e insônia. Como se o coração fosse se ‘desligando’ da antiga parceria e começasse a se conectar com você.

Essa é uma etapa muito importante depois que um relacionamento termina: conectar-se consigo mesmo. Muitas pessoas fogem desse momento com medo da solidão e saem logo em busca de outra pessoa. Pessoas não são recicláveis. Não deixamos uma e pegamos outra... Nem mesmo são band-aid que protegem partes feridas...

Pessoas entram em nossas vidas e constroem uma história conosco. Quando elas saem das nossas vidas, precisamos voltar a nos conectar com a gente mesmo – somos os autores das nossas vidas! – e, somente depois, passamos a buscar outra pessoa com quem escrever mais um capítulo.

Pular de um relacionamento para outro só cansa o coração e nos desconecta de nós mesmos. Amor não se cura -  amor se vive.

Na Internet e nas redes sociais mantenha-se conectado a pessoas que ainda fazem parte da sua vida"

Há quem continue convivendo com a pessoa amada, procurando, e se justifica dizendo que quando deixar de gostar vai deixar de procurar o outro. O que é melhor: deixar de procurar para esperar passar ou esperar passar para deixar de procurar?
A: Esse é um bom exemplo da pessoa que não está conseguindo lidar com o vazio causado pelo fim de um relacionamento. Qualquer das duas opções é uma cilada para ela, principalmente se ela quer fugir da dor. O melhor a fazer, nesse momento, é procurar apoio de amigos ou familiares e, fundamentalmente, conectar-se consigo mesma.

Se a relação acabou houve um motivo e não adianta ficar querendo concertar o que já terminou. É a mesma coisa de querer consertar o motor de um avião que já caiu. O tempo de consertar era antes...

Ajustar esse cronômetro é fundamental em uma relação saudável. Muitas pessoas ficam deixando para depois – depois eu vejo, depois eu falo, depois eu paro, depois eu começo, depois eu busco... Até que, um belo dia, o relacionamento acaba e não tem mais “depois”.

O tempo de consertar as coisas e de conviver é enquanto há relacionamento. Depois que ele termina, é tempo de se conectar consigo mesmo e viver a sua vida.

Recorte do cartaz de "Um amor para recordar" (2002)

Antes ao romper um relacionamento, com raras exceções, as pessoas não tinham muitas informações sobre quem amam. Hoje, com a Internet, a pessoa vê a todo momento informações, fotos, onde e com quem o outro saiu etc. Está mais difícil esquecer um amor?
A: Está mais fácil manter-se conectado a uma história que já passou. E, como foi dito anteriormente, dois passos são importantes quando um relacionamento acaba: encontrar um lugar confortável para a história antiga e conectar-se consigo mesmo para conseguir dar andamento na sua história de vida.

Ficar buscando informações nas redes sociais está vinculado à cilada da pergunta anterior: deixar de procurar para esperar passar ou esperar passar para deixar de procurar? Mais uma vez, nem uma nem outra. O foco está errado. Se o relacionamento acabou, o foco deixa de ser a outra pessoa e passa a ser você. Essa é a raiz da cilada: a pergunta acima tem como foco o outro – e deveria ser você.

Em tempos de internet e redes sociais, a dica é: manter-se conectado a quem ainda faz parte da sua vida – amigos, familiares, colegas de escola ou trabalho. É com essas pessoas que você ainda continua escrevendo sua história de vida.

O relacionamento pode ter acabado, mas a sua história continua!

Se o seu objetivo é resgatar um amor não use os amigos do antigo parceiro para isso. Amizade é algo raro"

E as amizades em comum, a pessoa deve manter ou deve se afastar para esquecer um amor?
A: Essa é uma pergunta ‘goiabada com queijo’: duas coisas que ficam até boas juntas, mas são diferentes. Uma coisa é a amizade, outra, o grande amor. Vamos, então, por partes, sempre tendo como foco a pessoa.

Se, para a pessoa, essas amizades são importantes porque proporcionam uma noção de pertencimento e porque são amigos que continuam participando da história de vida da pessoa, então são amizades que merecem ser mantidas – mas, por esse motivo. Veja, o foco não é o amor, mas a importância dessa amizade para a vida da pessoa.

O amor é outra coisa. Não pode ser misturado e isso deve ser levado em consideração tanto pela pessoa quanto pelos amigos. Pelos amigos porque eles, algumas vezes, vão passar por desafios complicados: quem convidar para uma festa, um happy hour, um evento ou comemoração? Por isso é importante não misturar as coisas: uma coisa é a amizade, outra o amor. Se o seu interesse é manter as amizades, muito cuidado para não colocar seus amigos em situações delicadas.

E, se o seu interesse é resgatar um amor, não use seus amigos para isso. Amigos de verdade são raros e se ressentem quando percebem que foram usados. Afinal, as pessoas devem ser o fim e não um meio em nossas vidas.

Recorte do cartaz de "Como esquecer" (2010)

Aquela música que lembra a pessoa amada, aquele filme, aquele local. Como fazer as lembranças não surgirem tanto?
A: Inicialmente elas parecerão arquivo baixando com internet lenta: vão ficar paradas, fixadas em nossa mente, travando todo o resto. Depois, elas deixam de ser tão recorrentes até que se transformam em uma lembrança.

O problema não são as lembranças, mas os sentimentos de solidão e vazio. Como já foi dito, aos poucos esses sentimentos vão ficando menos intensos até que deixam de doer. Mas, para isso, a pessoa precisa se conectar a ela mesma: redescobrir o que ela gosta de fazer, as pessoas que são importantes em sua vida, as coisas que ela valoriza, tudo aquilo que faz dela uma pessoa única e, por isso mesmo, especial.

Resgatar esse valor da individualidade é o passo fundamental quando um grande amor termina. Deixamos de ser dois, mas eu ainda sou um – e tenho grande valor!

Um erro comum de quem não consegue esquecer um amor é comparar o que acontece hoje com o que ela viveu. É ilusão!"

Pode ser que a pessoa nunca esqueça alguém, mas com o tempo aprenda a lidar com isso e volte a amar e ter uma relação saudável e feliz com outro alguém?
A: Essa é a intenção. Todos nós temos belas histórias de amor para contar. Amores adolescentes, amores platônicos, amores que tinham tudo para acontecer, mas ficaram no passado... Nada de ruim nem de errado ter essas histórias. São a prova de que vivemos! O problema está em ficar fixado nesse passado e não conseguir construir o presente de forma saudável e equilibrada. A ilusão sempre causa desequilíbrio – cuidado com ela!

Um erro comum nas pessoas que ficam presas nas lembranças é comparar o que acontece hoje com o que ela viveu antes com outra pessoa. Pura ilusão! O que ela diz que viveu é somente o que ela lembra que viveu: tem o gosto de passado, as cores do passado e os sons do passado. Se a relação terminou é porque tinham aspectos que a fragilizaram e a levaram ao fim.

Vá ser feliz com quem está do seu lado hoje e deixe no mundo das boas histórias essas lembranças que fazem parte da sua vida. Cada coisa em seu devido lugar, cada tempo em sua devida sequência, cada pessoa em seu devido espaço. Isso é equilíbrio.

Recorte do cartaz de "Como esquecer" (2010)

Não tem receita para esquecer um amor, mas há alguma dica eficaz, algum conselho?
A: Já dei vários, vamos tentar organizá-los:
1) foco em você. Afinal, na sua vida, você é a pessoa mais importante. Por isso, conecte-se com você mesmo: suas qualidades, capacidades, conhecimentos, virtudes, sonhos...
2) Você é o/a autor(a) da sua história de vida. Cuidado com o enredo e as pessoas que você inclui em cada etapa. Isso tudo ficará guardado como lembrança depois.
3) Busque estar perto de seus amigos e familiares – pessoas que te deem apoio e que façam você se sentir bem.
4) Todos tem boas lembranças de grandes amores. O importante é notar que as lembranças fazem parte de um passado. São histórias que não podemos mais editar. Podem ser lembradas, não podem mais ser vividas.
5) Por isso mesmo, viva o seu presente. Não deixe a ilusão te envolver em suas garras e te enganar com suas palavras enfeitiçadas. Na dúvida, procure um amigo ou um profissional para te ajudar a olhar para o presente.

Os amigos podem ajudar e alertar nos dizendo quando é hora de esquecermos alguém"

Quando é hora de procurar ajuda profissional?
A: Quando três vilãs entrarem em cena e resolverem ser donas da sua vida: tristeza, ilusão e culpa. Todas as três existem e costumam nos visitar de vez em quando. São visitas indesejadas, mas fazem parte da vida – assim como as tempestades de verão ou os furacões.

Essas são visitas ‘entronas’: chegam sem ser convidadas e logo se instalam em nossas vidas. Muito cuidado com elas. Mesmo que se façam de amigas, o que elas querem é controlar a sua vida.

Por isso fique alerta e, quando você perceber que essas visitas já estão há muito tempo em sua vida, busque ajuda. Talvez você nem perceba o quanto elas se instalaram. Normalmente quem nos sinaliza isso são os parentes e amigos. Por isso a dica de manter-se em contato com eles: certamente eles irão dizer se essas intrusas estão presente por mais tempo do que o suportável.

Obviamente, como essas vilãs não querem ser desmascaradas, a estratégia mais comum que elas utilizam é distanciar você das pessoas que te querem bem – justamente porque essas são as pessoas que irão denunciá-las.

Quando você perceber que elas estão te atrapalhando, busque ajuda. Ninguém merece ter essas intrusas como hóspedes permanentes!

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