Sonia Braga : Atriz não escondeu sua opinião ao receber homenagem: “não custa repetir que é golpe”
A abertura da 44ª edição do Festival de Cinema de Gramado foi marcada pelo brilho da atriz Sonia Braga. Exuberante, ela e parte do elenco do filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho,
desfilou no tapete vermelho para dar início à sessão de um dos longas
nacionais mais esperados do ano. Diferentemente de Cannes, onde atores e
diretores da produção protestaram contra o governo do presidente
interino Michel Temer, a passagem da equipe foi tranquila e
recheada de sorrisos e brincadeiras feitas pela nossa musa maior do
cinema. Tudo corria bem, até que pouco antes da exibição de “Aquarius”, a
plateia ensaiou um caloroso coro de “fora Temer”, logo abafado pelos
aplausos que entoaram a entrada triunfal de Braga que, além de divulgar o
novo trabalho, ainda foi homenageada com o Troféu Oscarito por sua obra e dedicação às artes desde 1968, quando estreou nas telonas em “O Bandido da Luz Vermelha”. Em entrevista a coluna HT, ela comentou a importância de dar o pontapé inicial no festival com um filme que não está concorrendo a nenhuma estatueta do Kikito –
prêmio e símbolo máximo do evento da Serra Gaúcha. “Essa é a homenagem
mais linda que já recebi na vida. É especial, porque estamos abrindo o
festival e nem mesmo estamos concorrendo. É uma grande responsabilidade
para a nossa equipe. E esse é um filme que, além de amor, também fala de
política e democracia. E definitivamente não estamos no momento de nos
calar. Não custa repetir que é golpe. Criar esse precedente no país é um
crime”, afirmou, completando. “É um filme sobre o amor de uma mulher
pela cidade, pela família. E acho que isso cria certa polêmica. Porque
na realidade a política é invisível no filme. A política no filme é
sobre os direitos de uma cidadã. Eu estou com muito dificuldade de me
separar dessa equipe e da Clara” comentou ela, falando de sua personagem. “Ela é intensa”, disse. Sonia Braga, com seu Oscarito: homenagem em GramadoJá no palco, Sonia Braga foi surpreendida ao receber o prêmio das mãos do amigo Bruno Barreto, que a dirigiu em“Dona Flor e Seus Dois Maridos”.
Espirituoso, ele, que revelou ter se escondido dela pela cidade, ainda
fez uma brincadeira com a atriz: “Se o Kleber e eu fôssemos seus dois
maridos, quem seria o Vadinho?”, perguntou ele. “É difícil, ele é
nordestino, acho que seria ‘Dona Flor e seus dois Vadinhos'”, respondeu
Sonia, muito diplomática. “Eu queria fazer meu terceiro filme com ela,
mas você, Kleber, saiu na frente”, lamentou Barreto. Além do troféu, a
atriz de 66 anos, que vive nos Estados Unidos e volta agora à cena do
cinema nacional, recebeu três homenagens em vídeo: do diretor Cacá Diegues, de Caetano Veloso e da amiga Renata Sorrah. Ao HT, o Barreto também falou sobre as polêmicas que envolveram o ministério da Cultura e a classe artística. “A abertura das Olimpíadas no
Rio vieram para mostrar o poder que a nossa cultura tem. Além dos
competidores, aqueles artistas todos trouxeram uma autoestima tremenda
para a população em apenas três horas de apresentação na cerimônia de
abertura. Acho importantíssimo que todos se manifestem da maneira que
acharem melhor”, disse. E a noite estava só começando. Durante
toda a programação, o diretor Kleber Mendonça Filho evitou menções
diretas ao governo, mas comentou as polêmicas que têm cercado o filme,
como o possível boicote na seleção para oOscar e a classificação
indicativa elevada, considerada censura pela equipe. Ele ainda elogiou
Sônia Braga e sugeriu, educadamente, que seu projeto sustenta os ideais
“de democracia e cidadania”. “Sonia sempre fez parte da minha vida e de
fato foi um processo muito rápido. Não só por ela filmar tudo em oito
semanas a repercussão ligeira que tivemos e hoje já estamos em Gramado. O
convite de estar aqui surgiu logo depois de Cannes”, disse, que
pincelou as polêmicas. “Foi um protesto democrático. O Brasil está
passando por um momento político muito delicado e nós, cidadãos, temos
todo o direito de nos posicionar”, comentou. E quando questionado
sobre a classificação indicativa ele foi enfático: “Eu não concordei com
a faixa etária ser de 18 anos, acho absolutamente excessivo e muito
raro no Brasil. Não tenho nenhuma informação sobre uma perseguição
política, mas acho tudo muito suspeito”, revelou. No entanto, vale
lembrar que no decorrer do filme, cenas fortes de sexo entre os atores e
enquadramentos de nu frontal são recorrentes na produção. Além de Sonia
aparecer diversas vezes com os seios à mostra, o ator pernambucano Allan Souza Lima,
que aparece completamente nu no filme, também não entendeu aquilo que
chamou de “boicote”. “Eu fiquei super tenso quando descobri que iria
ficar pelado ao lado da Sonia, mas acho que as cenas são de muito bom
gosto e com propósito dentro do enredo do filme. Essa história da faixa
etária é intriga da oposição”, avaliou. Sonia e a equipe de "Aquarius" sobre o palco do festivalQuem também estava presente na abertura do Festival foi o ministro da Cultura, Marcelo Calero,
que derramou elogios ao filme que abriu o festival. “Estamos aqui
prestigiando o cinema brasileiro e Festival de Gramado que é uma
referência mundial. A gente vai assistir a um produto da excelência
cultural brasileira que é ‘Aquarius’. Polêmicas à parte, porque isso faz
parte do jogo democrático e da vivência artística, a Sonia fez um ótimo
trabalho e Kleber demostrou grande sensibilidade. E confesso que tenho
uma tarefa muito difícil pela frente, porque nós temos uma safra de
filmes excelentes. Eu não queria estar na pele de nenhum dos membros da
comissão”, disse ele. No entanto, pouco antes do filme, ele fez um
pequeno discurso de apresentação, mas foi vaiado pelo público com gritos
de “golpista” e “manda nudes”. Questionado sobre a situação, ele saiu
pela tangente e preferiu não comentar o caso. Polêmicas à parte, um dos responsáveis pelo evento, o mais popular dos críticos de cinema do país, o “homem Oscar”, Rubens Ewald Filho, que assina a curadoria da tradicional mostra competitiva ao lado de Eva Piwowarski e de Marcos Santuário, falou
sobre a pluralidade das atrações 44ª edição do Festival de Cinema de
Gramado. “Esse ano houve uma mudança qualitativa muito grande, porque os
filmes vieram atrás da gente. Esse filme (‘Aquarius’), veio com a Sonia
como a cereja do nosso bolo, porque juntamos a exibição com a premiação
dessa diva da nossa cultura. A gente precisa celebrar as pessoas. A
nossa memória é muito curta”, ponderou ele. “Esse ano temos uma série de
coisas diferentes como filmes latinos, que é uma novidade total aqui no
nosso festival. E deles, inclusive tem a temática LGBT”, disse ele. Outra grande novidade que fez parte da inauguração do evento foi a abertura do Museu do Festival de Cinema. O empreendimento está localizado anexo ao Palácio dos Festivais, ao lado da Igreja São Pedro,
e mistura tecnológico com um acervo de mais de quatro décadas. O espaço
é um projeto inédito no Brasil. “Eu nunca tinha me dado conta que esse é
o único museu de cinema no país. O que é uma loucura. O Rio de Janeiro
não ter um patrimônio desse, por exemplo. é um absurdo. Assim como muita
coisa nesse país”, comentou Rubens. O acervo é fruto de uma pesquisa
que durou quatro meses, e resgatou arquivos históricos do festival. No
local também estão espalhados totens eletrônicos com ferramentas de
pesquisa e games, como jogo da memória e um quiz sobre o evento. Nem
tudo, porém, está pronto. Ainda há equipamentos para serem ligados e a
intenção de construir estátuas de cera de artistas representativos como Maitê Proença, Zezé Motta e Lima Duarte, que já estão em fase de confecção para serem apresentados no início do ano que vem. colunaheloisatolipan@gmail.com
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