8.28.2018

Joice Hasselmann em: não somos racistas. Somos apenas seletivos



O jornalista Ali Kamel um dia escreveu um livro cujo título diz "Não somos racistas" e nele defende a ideia de que somos uma nação predominantemente mestiça e que o racismo é uma manifestação minoritária e não institucional. Eu não li essa fábula, mas segundo alguns leitores e críticos literários, o jornalista critica reivindicações do movimento negro e se posiciona contra a adoção de cotas raciais. Se ele me permitisse, eu lhe sugeriria outro título para o seu conto, que poderia ser rebatizado de: "Não somos racistas. Somos apenas seletivos."
Claro que ele jamais aceitaria uma sugestão minha, assim como muitos que pensam como ele, jamais admitirão que exista racismo em nosso país. Se o referido livro houvesse sido escrito pela jornalista Joice Hasselmann, a minha sugestão de título teria caído como uma luva. Em um vídeo divulgado em seu canal do Youtube e também em sua página do Facebook, a ex-jornalista da revista Veja destila todo o veneno do seu preconceito e do seu racismo sobre a senadora Regina Sousa, do PT. A senadora do Piauí que já havia sido comparada a "tia do café" por Danilo Gentili, dessa vez foi assediada e ridicularizada publicamente por Joice.
Enquanto falava na tribuna do senado, Regina Sousa era filmada por Joice Hasselmann, que compartilhava o vídeo em tempo real através de sua página no Facebook. Durante a transmissão, a jornalista demonstrou todo o seu desrespeito e menosprezo pela senadora, chamando-a de "anta", cretina e semianalfabeta e questionava a seus seguidores: "Como alguém vota numa anta dessas?" e seguiu com o seu diagnóstico seletivo dizendo: "Olha o nível dessa gentalha. Quando eu digo que é gentalha, vocês não podem brigar comigo, porque é gentalha. Olha o nível dessa criatura! Não pode. O Brasil precisa mudar"
Apesar de todo o seu nível cultural e social, a jornalista talvez desconheça o fato de que a senadora Regina Sousa é formada em Letras e já foi secretária de administração do estado do Piauí por dois mandatos. Nada que uma simples busca no Google não pudesse informar. Aliás, através do mesmo Google podemos tomar conhecimento de alguns processos movidos contra Joice Hasselmann, que mesmo sendo culta e instruída, costumava plagiar matérias de outros colegas e publicá-las como suas. Que nível, hein?
A postura de Joice com relação à senadora Regina Sousa nos revela que além do racismo institucional, uma parte de nossa sociedade é portadora da síndrome do preconceito funcional adquirido. Tal patologia se manifesta quando o "doente" se depara com situações, que segundo os seus conceitos, não estão dentro da sua visão de normalidade e dos parâmetros de aceitabilidade pré-concebidos, estabelecidos pelo seu meio social.
Eis algumas situações nas quais os portadores da tal síndrome podem ser acometidos por crises de intolerância, espanto e perda do bom senso: Ver um negro ocupando uma função de destaque, ver uma mulher no comando de alguma instituição, ver um pobre frequentando um lugar que "não é para ele", ver uma mulher nordestina com sotaque bem característico discursando no congresso.
Para os racistas e preconceituosos é difícil desassociar a imagem do negro e do nordestino, a subserviência, a servidão e a ausência de conhecimento e formação. O porteiro é sempre o "paraíba". A tia do café é a mulher fora do padrão estético e racial determinado pela lente elitista. O preto de terno só pode ser o segurança do local. E assim os estereótipos se mantêm perpetuados em nosso meio. Somos uma sociedade de aparência desenvolvida, mas cujos sentimentos e a mentalidade ainda são provincianos.
Regina Sousa foi vítima de preconceito racial, xenofobia social e misoginia regional. Joice Hasselmann, assim como Ali Kamel, deve entender que não há racismo no Brasil e nem imagina que os seus conceitos de seletividade representam o que há de mais preconceituoso e repulsivo em nossa sociedade. Opiniões como a dessa jornalista servem para ratificar que preto, mulher e nordestino, não podem e não devem estar onde os preconceituosos não querem que eles estejam. Excluir e delimitar o território, ainda que de forma sutil, continua sendo a tática da aristocracia local.
Tem de haver resposta à altura, a toda e qualquer injúria racial sofrida. Se nos calarmos estaremos aceitando e absorvendo o discurso do opressor e oferecendo o próprio lombo, temperado e recheado, ao açoite e ao deleite de uma elite preconceituosa, pirracenta e mal acostumada, que deseja reaver de forma sórdida e oportunista, os escravos que lhes escaparam as mãos com o fim do regime escravocrata.
O sistema sabe muito bem alienar os oprimidos, a ponto de eles mesmos começarem a aceitar com naturalidade as opressões sofridas, abrirem mão de seus direitos e traírem o seu grupo social, em troca de aceitação. Mesmo que com isso estejam perdendo a sua dignidade. Esse é o Brasil que Joice Hasselmann e muitos outros golpistas acreditam que terão de volta após o impeachment da presidente Dilma e a recondução da direita ao poder.
Mas não terão! Não terão!

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