Estrela do ministério,
convidado durante a campanha eleitoral quando ainda era juiz, anunciou
há pouco sua saída numa entrevista coletiva no Ministério da Justiça.
Sua cara era de total abatimento. Moro foi decisivo para a eleição de
Jair Bolsonaro: vale lembrar que ele levantou o sigilo da delação podre
de Antonio Palocci – levantamento que nem mesmo Deltan Dallagnol conseguiu defender.
O ex-juiz sai do governo muito menor do que entrou. Deu a
Bolsonaro parcela considerável da sua credibilidade junto à opinião
pública, transferiu seu cacife político ao presidente. Em troca, recebeu
seguidas humilhações de Bolsonaro e de seu entorno. Tiraram dele o
Coaf, vetaram nomeações, interferiram na PF. Durante a coletiva de hoje,
Moro disse que teve apoio de Bolsonaro em alguns projetos, “mas em
outros não”.
O estopim da queda foi a troca do diretor-geral da
Polícia Federal. Ainda Moro, na coletiva: “o problema não é o nome, mas
por que trocar?”. Moro não disse, mas o motivo é claro: proteger a
família Bolsonaro dos casos de corrupção nos quais estão envolvidos.
Sobre esse ponto, Moro elogiou o PT por ter mantido a autonomia da PF
durante seus governos.
Moro poderá sempre se dizer surpreendido pelo
comportamento do agora ex-chefe. O que não muda é que jamais poderia ter
sido ministro. Se tivesse qualquer apreço pela justiça e pela
democracia não deveria ter aceitado o cargo, dado o histórico da família
Bolsonaro, seu apreço por torturadores e desprezo pelas instituições
democráticas.
Além disso, em qualquer país sério, o juiz que tirou da
corrida presidencial outro candidato com chances de ser eleito não
assumiria um cargo no governo do candidato vencedor. Seria um escândalo,
como foi. Mas a sede de poder de Moro ficou escancarada, como
demonstramos inúmeras vezes nos arquivos secretos da Lava Jato.
Chego então à Vaza Jato. Depois das revelações que
fizemos, Sergio Moro não deveria ter permanecido no Ministério. As
improbidades cometidas quando ocupava a 13ª Vara Federal de Curitiba são
gravíssimas, interferiram na condução dos rumos da República e colocam
em xeque todo o desenrolar da operação Lava Jato. Afinal, como aceitar
que um juiz que evita investigar políticos para não "melindrar alguém cujo o apoio é importante" ocupe a pasta da Justiça? É isso o que chamam de bandido de estimação?
O ciclo de Sergio Moro no Ministério se encerrou hoje. A
vergonha da sua participação no governo Bolsonaro, no entanto, é eterna.
E para que não esqueçamos também de que ele sempre teve apreço pelo
autoritarismo e pelo desrespeito às instituições, vale a pena ver de
novo os melhores momentos do ex-juiz na Vaza Jato:
- O agora ex-ministro trabalhou em parceria com a força-tarefa de
Curitiba sugerindo troca de fases da operação, interferindo nas
investigações e dando pistas sobre elas. "Não é muito tempo sem operação?", ele questionou a Dallagnol em certa ocasião.
- “Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados”.
Eu também acho, mas quem disse isso foi a procuradora Monique Cheker em
uma conversa onde vários membros da força-tarefa reclamavam das
violações do ex-juiz e de sua possível ida para o governo Bolsonaro
(sempre bom lembrar que Monique é Monique).
- Acostumado a interferir nos rumos da política brasileira, Sergio
Moro também sugeriu que os procuradores vazassem trechos de delação para
interferir na política da Venezuela. “Talvez seja o caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre propinas na Venezuela”, sugeriu a Dallagnol numa clara demonstração de desrespeito a qualquer princípio democrático e diplomático.
- Dallagnol já sabia que Moro estava se metendo numa enrascada ao
aceitar o convite de Bolsonaro. Ninguém em sã consciência comprou a
ideia de que Bolsonaro é um militante anticorrupção, né? "Seja como for,
presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?”, profetizou Deltan.
- Acostumado desde os tempos de Curitiba a interferir na PF, Moro
certamente não gostou de ver Bolsonaro passando por cima da sua
autoridade. O ex-juiz gosta do poder, e durante sua carreira na
magistratura não só direcionou ações do MPF como também fazia dobradinha com a PF.
Há muito mais coisas sobre as impropriedades de Moro durante a Lava Jato. O acervo é enorme e pode ser consultado aqui.
É impossível saber o que a saída do ex-juiz significa
para os rumos de um governo que vem desmoronando em praça pública. É
certo que se não estivéssemos em meio a uma pandemia, Bolsonaro estaria
hoje muito vulnerável a um processo de impeachment. O presidente se
protege com o vírus. Chega a ser poético.
Moro está fora, mas não se iludam: a campanha presidencial de 2022 começou, e Moro e Bolsonaro, bem,,, são uma coisa só.
O ex-ministro continua sendo o político mais popular do Brasil, apesar
de sair do ministério pela porta dos fundos – ele disse, na coletiva,
que soube da exoneração de Valeixo pelo Diário Oficial, e que não
assinou o documento, apesar de sua assinatura constar no pé de página.
Se Moro diminuiu a ponto de ser chutado por Bolsonaro, certamente foi
também pela força do jornalismo independente, que não se deixa seduzir
por super-heróis e que não se comporta como porta-voz de autoridade.
Um abraço,
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário