8.21.2009

UMA EMPRESA PÚBLICA PARA A SAÚDE

20/08 - Para fazer frente ao enorme desafio representado pela implantação do PAC na área da saúde, especialmente no seu projeto dedicado ao desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde, através do qual pretende estimular a produção nacional e assegurar a oferta de medicamentos essenciais à população, o governo brasileiro precisa alterar o marco legal que rege as operações do laboratório Farmanguinhos. É de urgente necessidade transformar esse laboratório - que já demonstrou ser uma importante ponta-de-lança para a viabilização do Complexo, em empresa pública vinculada à Fiocruz. Somente sob uma nova configuração jurídica, que resulte em agilidade e flexibilidade administrativa, financeira e operacional, o principal laboratório público do país poderá cumprir seu papel de liderança na recuperação da indústria farmacêutica nacional, viabilizando a montagem de estratégicas parcerias público-privadas. O grande modelo brasileiro de como desenvolver um complexo produtivo em torno de uma empresa pública, com benefícios para a economia e a sociedade, é o da Petrobras, através de seu programa de apoio à fabricação nacional, representada pela rede de fornecedores que criou no país e pelas empresas privadas que viabilizou na área da petroquímica. Mas temos também um bom exemplo na área da saúde, que ficou esquecido durante a onda neoliberal que assolou o país nas últimas décadas: a Central de Medicamentos (Ceme), que foi criada em 1971 como órgão autônomo do então Ministério da Previdência e Assistência Social, diretamente subordinado ao Ministro e com jurisdição sobre todo o território nacional. A Ceme, ambiciosamente, tinha por finalidade "promover e organizar o fornecimento, por preços acessíveis ou a título gratuito, de medicamentos a quantos brasileiros não pudessem adquiri-los a preços comuns do mercado".
O modelo então utilizado era de gestão pública direta e centralizada, através de um órgão específico responsável pela emissão de diretrizes e participação direta em suas execuções, o que representa um equívoco de governança. Premida pelas restrições impostas ao administrador público, e acuada por pressões políticas patrocinadas por interesses privados, a Ceme foi afetada por uma permanente instabilidade em sua gestão: em 26 anos de existência, teve quinze presidentes e sofreu diversas alterações de vinculação, do que resultaram situações de grave desabastecimento do mercado nacional. Como geralmente ocorre no Brasil, em vez de se corrigirem os problemas atacando de frente suas reais causas, a decisão governamental foi "retirar o sofá da sala".
Assim, em 1997 foi extinta a Ceme com a transferência de suas atribuições para diversos órgãos do Ministério da Saúde. A despeito de todos esses fatos, a Ceme desempenhou um relevante papel no processo de desenvolvimento industrial da química fina brasileira ao longo dos anos 80.
Naquela época, com o apoio do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI, a indústria farmoquímica e farmacêutica nacional foi alvo de investimentos privados que superaram a casa de um bilhão de dólares entre 1984 e 1990. Essa política industrial, competentemente desenvolvida pelo governo brasileiro na segunda metade da década de 80, certamente serviu de modelo ao processo de estruturação da indústria farmoquímica do leste asiático, que nessa época era incipiente e hoje tem na Índia, por exemplo, um grande player internacional. O que gerou a defasagem hoje existente entre o Brasil e os tigres asiáticos na química fina foi a tão conhecida descontinuidade administrativa brasileira. A política industrial para a química fina brasileira durou cinco anos, enquanto nos países asiáticos ela permanece vigente até hoje. Precisamos recuperar o terreno perdido, aprendendo com as lições do passado e aprimorando nosso modelo.
A empresa pública Farmanguinhos assim formada poderá se constituir num modelo para parcerias público-privadas regionais, de caráter industrial na área de produtos para a saúde, mobilizando o poder de compra do Estado em prol da auto-suficiência do país em medicamentos essenciais.
Poderá, ainda, vir a ser também um agente pioneiro para testar industrialmente e modelar inovações tecnológicas, implementando-as em parcerias público-privadas, como ocorreu no recente desenvolvimento do Efavirenz nacional, bem como liderar projetos de exportação constituídos sob esse modelo para países menos desenvolvidos na área da saúde pública. Além disso, contribuirá para a preservação do domínio público nacional em conhecimento científico e tecnológico, mediante colaboração com o INPI na análise dos pedidos de patente de fármacos e farmacêuticas.
É importante destacar que não se busca substituir o produtor privado pelo Estado - longe disso e bem ao contrário -, mas sim potencializar a atuação de ambos através de parcerias público-privadas que não sejam desfiguradas por influências político-partidárias e outros desvios de função, e que tenham por objetivo maior atender aos programas de interesse nacional na área da saúde pública. Nelson Brasil de Oliveira, Vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina (Abifina).
Fonte: Monitor Mercantil Online – Alerta Google

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