3.28.2016

Carta aberta ao Dr. Eros Grau

Por Fernando Brito, editor do Tijolaço
Senhor Eros Grau,
Desejando, pode processar-me por esta carta aberta.
Tenho certeza que, jurista e ex-ministro do Supremo que é, o processo será justo e equilibrado e eu, um pé-de-chinelo, terei tando respeito do Judiciário quanto sua ex-Excelência, não é verdade?
Animo-me a escrever porque, como foi certa era pregressa o senhor também o fui alguém que foi tão inconformado com a ordem vigente que filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro.
Desta origem comum,  perguntaria se já se lhe vão longe suas ideias de que, independente do Governo, há um poder de classe no aparato estatal – no Judiciário, inclusive – que aplica ou não aplica as regras de que “todos são iguais perante a lei”segundo o lugar que alguém nela ocupa.
Nem mesmo diante da Constituição somos iguais, ex-Excelência.
Vá ver numa vila do Nordeste ou numa favela do Rio se “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- -se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Percorra os 78 itens do artigo 5º da Carta e veja se eles são, de fato, garantidos a todos os brasileiros.
Admita-se que, com a idade, lhe tenha fugido Marx:
Admira-se a justiça capitalista! Quando um proprietário de terras [… é] expropriado […] não se contenta apenas em receber uma indenização integral […] é preciso que ele seja consolado […] com um lucro substancial. O trabalhador, quanto a ele, é jogado na rua com mulher, trastes e filhos” (O Capital, I, XXIX.).
Ou aquele outro “rapaz”, chamado de Hegel pelas sumidades do MP de São Paulo:
“Para o burguês, a lei é sagrada, aí está sua obra, votada com seu acordo para sua proteção e vantagem […] A lei é para [o operário] uma chibata feita pelo burguês à sua intenção”. (Engels, Situação da Calsse Trabalhadora na Inglaterra).
Mas que, ao menos, lhe tenha ficado Rousseau:
As leis criaram novos empecilhos aos pobres e deram novas forças aos ricos […] Elas fizeram de uma hábil usurpação, um direito irrevogável. E, para o proveito de alguns ambiciosos, subjugaram, a partir de então, todo o gênero humano à servidão e à miséria (Discurso sobre a origem da desigualdade)
Ainda assim, não há um de nós, na esquerda, que pregue a sua ruptura, porque boas regras, mesmo declaratórias apenas, são melhores que as más e, mais ainda, do que regra alguma.
Convenhamos, para julgar segundo a letra estrita da lei, bastariam rábulas, com barbaças ou não a lhe emprestarem erudição.
Portanto, quando o senhor diz que “”quem não é criminoso enfrenta com dignidade o devido processo legal, exercendo o direito de provar não ter sido agente de comportamento delituoso”, não só está se desgrudando da realidade como, na prática, obrigando-me a desafiar, com meu único semestre de Direito cursado na UERJ, antepor-me à sua vasta sabedoria jurídica.
Refiro-me à presunção da inocência, princípio universal.
Ninguém tem que provar ” não ter sido agente de comportamento delituoso”. É o contrário. É o acusador, seja mesmo um acusador político, como o é no impeachment, que tem de provar que o foi.
Mesmo neste processo, iniciado por Eduardo Cunha, homem que não lhe merece uma palavra sopesando sua suspeição, precisa existir a formação de culpa. Não é “eu quero cassar a presidenta e isso tem maioria aqui”. Do contrário, estaríamos no parlamentarismo, onde basta a perda da maioria para a derrocada de um governo – aliás também instituído no parlamento, donde a legitimidade para que o parlamento o destitua sem amarras.
O senhor, porém, ultrapassa este absurdo.
Diz que “a conduta tendente a impedir o estrito e rigoroso cumprimento do que dispõe a Constituição do Brasil consubstancia desabrida confissão de prática de crime de responsabilidade pela Presidente da República”. “Cai como uma luva, no caso, a afirmação de que quem não deve não teme. Apenas o delinquente esbraveja, grita, buscando encontrar apoio para evitar que a Constituição seja rigorosamente observada, escusando-se a submeter-se a julgamento perante o Senado Federal”.
Desafio-o publicamente a nominar esta conduta.
Em que se tendeu a ” impedir o estrito e rigoroso cumprimento do que dispõe a Constituição do Brasil”?
Diga-o, caso contrário será uma velhacaria, expediente de quem afirma generalidades por ser incapaz de apontar objetividades.
Do restante, “quem não deve não teme” é expressão que vai à conta do humor no Brasil. Quem deve é que não teme, mostraram a Operação Zelotes e centenas de autuações a gente poderosa, daquelas que têm os nomes na lista do HSBC – ouviu o senhor falar dela? – que devem, devem muito e não temem nada.
Vá para a subida de um morro, o pé de uma favela para ver como funciona o “quem não deve não teme” por lá.  Se o pedreiro Amarildo estivesse neste mundo poderia contar-lhe. Eu sou um homem honesto, ex-Excelência, e se for vítima de uma injustiça, vou esbravejar e gritar e só a tapa e arma me porão numa condução coercitiva ilegítima, sem que eu antes tenha sido convidado a dar explicações.
O senhor sabe, como ex-preso político, a inferioridade de forças de um homem ou de uma mulher honrados, submetidos a violências “em nome da lei”, que só lhe deixam a insubmissão como forma de afirmar sua dignidade.
Mas não creia o senhor que minha insolência seja dirigida ao antigo ocupante de cargo de ministro do Supremo por estes que o senhor supõe hoje criminosos.
Não, vai ao mais atual, anunciado de boca própria ao portal UOL.
Àquele que se disse, espontaneamente, ao jornalista Fernando Rodrigues, “um soldado” de Aécio Neves.
E que, o tendo dito, não de peja de dar, como ex-ministro e jurista, opiniões que satisfaçam ao seu general.
Não o ofendo, senhor.
São seus atos e palavras que ofendem o que o senhor foi, a serviço daquilo que o senhor se tornou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Um homem que ignora a ira dos justos.e se diz um soldado de Aécio Neves