Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho e para o Jornalistas pela Democracia - "Eu diria que é mais do que uma certeza", respondeu Raul Jungmann, então ministro da Segurança Pública, ao ser perguntado se o envolvimento de poderosos na morte da vereadora, que ele tinha acabado de denunciar, era uma certeza ou uma hipótese.
Em palestra no Simpósio Nacional de Combate à Corrupção, na FGV-Rio, exatamente um mês após a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições, em 23 de novembro de 2018, Jungmann deu todas as pistas, sem citar nomes, sobre quem mandou matar Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes:
"Existe uma grande articulação envolvendo agentes públicos, milicianos e políticos, em um esquema muito poderoso, que não teria interesse na elucidação do caso Marielle. Até porque, estariam envolvidos nesse processo. Se não tanto na qualidade daqueles que executaram, na qualidade de mandantes".
Nesta terça-feira, o Brasil acordou com as imagens de um repórter da Globo postado na entrada de um condomínio na Barra da Tijuca dando informações sobre o PM reformado Ronnie Lessa, um dos dois suspeitos presos sob a acusação de dar os tiros que mataram Marielle.
O repórter parecia tão assustado quanto os telespectadores, já que aquele era o mesmo condomínio onde morava o presidente eleito, cenário de longas horas de televisão após as eleições do ano passado.
Por coincidência, Ronnie Lessa era vizinho de Jair Bolsonaro, antes dele se mudar para o Palácio do Planalto.
Também por coincidência, um dos autores da magnífica reportagem publicada logo em seguida no portal do jornal O Globo é o repórter Chico Otávio, citado por Bolsonaro esta semana num tuíte em que o presidente acusa jornalistas de quererem derrubar o governo.
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A reportagem, assinada também pelos repórteres Vera Araújo e Arthur Leal, conta em detalhes como a polícia chegou aos assassinos de Marielle e Anderson, mostrando as conexões entre os milicianos e aqueles agentes públicos interessados em abafar o caso de que falou Jungmann na sua palestra.
O que mais o ex-ministro da Segurança sabia e não podia dizer na época para não prejudicar as investigações da Polícia Federal, apesar de revelar que tinha "informações importantes sobre o assassinato da vereadora"?
"Começamos há pouco mais de três semanas, mas eu acredito que a Polícia Federal, que é uma das melhores do mundo, vai sim avançar, esclarecendo o complô dos poderosos", previu o ex-ministro, após a palestra na FGV-Rio, segundo reportagem de Vladimir Platonow publicada na Agência Brasil.
Como sabemos, a Polícia Federal está agora sob o comando do ministro da Justiça e da Segurança, o ex-juiz Sergio Moro, que até o momento em que escrevo ainda não se pronunciou sobre a prisão dos dois suspeitos.
Não seria o caso de ouvir novamente Jungmann, agora que se fecha o cerco contra os assassinos, faltando "apenas" encontrar os mandantes?
Na denúncia contra Ronni Lessa e o também o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, que posa ao lado de políticos na internet, a Promotoria confirma as suspeitas do ex-ministro:
"É inconteste que Marielle foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia. O assassinato foi um golpe ao Estado Democrático de Direito".
Os promotores afirmam também que a "empreitada criminosa foi meticulosamente planejada durante os três meses que antecederam o atentado".
Agora faltam apenas dois dias para este brutal atentado completar um ano, com manifestações marcadas por todo o Brasil e pelo mundo afora, para exigir a prisão também dos mandantes.
Juntando todas as pontas do que foi revelado nas últimas semanas sobre o esquema de proteção dos milicianos cariocas e suas ligações políticas, não deverá ser tão difícil assim chegar a eles.
Antes de desligar o computador na noite de segunda-feira, publiquei um post no meu Face com duas perguntas, sem esperanças de ouvir respostas:
"Quem mandou matar a Marielle? Que fim levou o motorista Queiroz?"
Não poderia imaginar que acordaria hoje com aquela imagem da Globo na Barra da Tijuca, o célebre QG da nova ordem.
Coincidências à parte, o atual momento é gravíssimo e não vai mais poder ser resolvido no Twitter.
Vida que segue.
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