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Carta da Asfoc ao Ministro da Saúde
Senhor Ministro,
Parabenizamos
V.Exa. pela assunção ao importante cargo de Ministro da Saúde do Brasil
e manifestamos nossos votos de sucesso na implantação e no
aprimoramento da estrutura de promoção e defesa da saúde requisitada
pelo quadro epidemiológico e sanitário do país.
Escrevemos a V.Exa. no
intuito de inaugurar um canal de diálogo que tenha como foco o
aprimoramento das condições de promoção e defesa da saúde da sociedade.
Temos um amplo leque de temas de interesse que gostaríamos de debater.
Entretanto, chamamos sua atenção para uma questão que requer urgência
diante da possibilidade de esgotamento de prazo legal. Nos referimos à
formalização da incorporação dos aprovados no último concurso.
Solicitamos de forma mais imediata a emissão de Aviso Ministerial em
apoio à autorização pelo Ministério da Economia.
Gostaríamos
também de, em próxima oportunidade de audiência, apresentar a V.Exa.
uma pauta mais ampla de interesse dos seus servidores e da saúde pública
do país.
Encaminhamos
ainda um posicionamento inicial da Diretoria Executiva Nacional do
Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em
Saúde Pública (Asfoc-SN, também reconhecido como Sindicato dos
Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz) com objetivo de estabelecer uma
linha de diálogo que tenha como foco a elevação dos padrões qualitativos
e quantitativos da saúde pública do país, tanto em termos de ampliação
da cobertura da atenção como da construção e atualização das plataformas
institucionais, cientificas, tecnológicas, educacionais e de serviços
que contribuam para o provimento de oportunidades iguais e de condições
de vida digna para todos.
Nessa
perspectiva, tomamos a liberdade de apresentar a V.Exa. a nossa visão
sobre a conjuntura que impacta a área da saúde pública em nosso país.
Desde já, destacamos nossa extrema preocupação com a eventual
desvinculação das receitas destinadas à saúde e outras áreas de atenção
social, em alternativa à não aprovação da reforma da Previdência,
conforme adiantou o ministro Paulo Guedes, em recente entrevista aos
meios de comunicação. A regulamentação da Emenda Constitucional nº
29/2000, sancionada 12 anos depois, definindo o investimento obrigatório
em saúde de 12% da receita corrente líquida para estados e 15% para os
municípios, foi uma conquista árdua de se obter.
Lembramos
que o Sistema Único de Saúde já sente os reflexos negativos da Emenda
Constitucional n° 95, que não considera as variações demográficas e
condicionantes como a inflação médica e a flutuação cambial, elementos
que afetam fortemente a dinâmica o setor saúde. Preocupa-nos o
comprometimento da capacidade do Sistema Único de Saúde de comprimir com
a norma constitucional que coloca a saúde como um direito do cidadão e
um dever do Estado.
Como
é de amplo conhecimento, os trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz
guardam em si forte sentimento de espirito público e comprometimento com
a promoção e a defesa da saúde da população brasileira. Por força do
conceito de saúde que adotamos, estamos comprometidos também com a
construção de um projeto civilizatório para o país. Um projeto soberano e
inclusivo que tenha o bem-estar da sociedade como objetivo central e
prioritário do desenvolvimento.
Acreditamos
que o primeiro e principal dever do Estado é a defesa da vida e do
bem-estar social. Acreditamos igualmente que o Estado tem um papel
estratégico insubstituível na promoção do desenvolvimento socioeconômico
do país. Especialmente nas áreas de saúde, educação, ciência e
tecnologia que, juntamente com a indústria, reputamos como fundamentais
para a obtenção de oportunidade e condições de vida dignas para todos.
Compreendemos que uma articulação eficiente - como prevê o conceito de
Complexo Econômico e Industrial da Saúde - entre as políticas de saúde,
educação, ciência, tecnologia e industrialização podem alavancar
processos de crescimento econômico, reduzir déficits na balança
comercial, criar empregos e plataformas de desenvolvimento autônomo e
sustentável.
A
integração de mercados trouxe consigo uma série de desafios relativos
tanto às formas e velocidades de propagação das doenças, como aos
mecanismos de produção do conhecimento, e de promoção e atenção à saúde.
Atualmente, além das questões acarretadas pela ampliação das chamadas
áreas de risco e pela reaparição e o recrudescimento de antigas doenças
até então tidas sob controle, a saúde pública se vê frente ao desafio de
combater patologias emergentes sobre as quais, muitas vezes, não há
ainda conhecimentos suficientes e estruturas organizacionais ágeis e
capazes de orientar a formulação de respostas e a implementação de ações
de combate mais eficazes.
As
péssimas condições de moradia da maioria das habitações populares, o
armazenamento de alimentos, o lixo, a presença de esgoto não tratado e o
cinturão de miséria que marca grande parte das periferias dos centros
urbanos acabaram por transformar as cidades em verdadeiros celeiros de
agentes nocivos ao homem. Um sobrevoo sobre os centros urbanos nacionais
é o bastante para mostrar o oceano de favelas que cerca a maior parte
das cidades brasileiras. São milhões de pessoas vivendo em meio a focos
de doenças, em habitações precárias e inseguras, não atendidas por
serviços de saneamento, fornecimento de água tratada e outros elementos
de infraestrutura considerados básicos.
A
globalização e os processos que a têm acompanhado contribuíram também
para a promoção de significativas alterações nos padrões de
comportamento das doenças e para a diversificação dos riscos à saúde
pública. Aumentaram de modo expressivo a pobreza, a rapidez de
disseminação e o alcance geográfico das ameaças à saúde.
Testemunhamos,
a um só tempo, o crescimento de enfermidades crônico-degenerativas e de
doenças transmissíveis. Doenças e problemas derivados do crescimento da
pobreza e de novos hábitos de vida também vêm se universalizando.
Obesidade, tabagismo, alcoolismo, trânsito, violência, estresse,
envenenamento por consumo de agrotóxicos, uso de drogas ilícitas, fome,
inadequação alimentar, abusos de medicamentos e depressão assumem
dimensões epidêmicas, ganhando relevância no conjunto de fatores que
impactam os índices de morbidade e mortalidade de diferentes países. Ao
lado disso, vírus e bactérias têm se tornado mais resistentes aos
tratamentos disponíveis, ao mesmo tempo em que modificam suas formas e
modos de interação com o meio, dificultando o seu controle.
Os
resultados do processo de globalização têm demonstrado, portanto, a
necessidade de enquadramento da saúde como uma parte inegociável do
desenvolvimento e da busca por relações internacionais mais simétricas.
Têm demonstrado também que a saúde pública é uma área de atenção
estratégica essencial para o bem-estar das populações, para a segurança
dos países e para o bom desempenho da economia.
A
configuração do mercado de vacinas e medicamentos demonstra que, também
nesse âmbito, a integração econômica possibilitada pelo processo de
globalização ampliou a assimetria entre as nações desenvolvidas e os
demais países e trouxe consigo mais problemas do que soluções.
Impõe-se,
invariavelmente, a liberdade de movimentação para o capital, a
aplicação do acordo internacional de proteção à propriedade intelectual
(Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
-TRIPS), a desregulamentação da economia e a redução de direitos
sociais. Por outro lado, os ganhos de produtividade têm sido apropriados
exclusivamente pela elite econômica, gerando desemprego e concentração
de renda. Mesmo em face da sua enorme capacidade de gerar crises, o
mercado é visto com o melhor alocador de recursos. Fala-se em Estado
mínimo até mesmo onde tudo falta, inclusive mercado.
No
que toca especificamente aos sistemas de seguridade social e aos
sistemas de atenção à saúde, podemos observar que os programas de ajuste
econômico impostos pela agenda neoliberal em voga estão estimulando a
fragmentação e a privatização desses sistemas, abrindo espaço para
planos de saúde e de previdência privada controlados pelo capital
financeiro. Uma circunstância que de acordo com alguns analistas podem
estar por trás do aumento do número de suicídios entre idosos nos
países, como o Chile e a Coréia do Sul, em que tais medidas foram
adotadas. Para seus críticos, o sistema, além de não garantir uma
aposentadoria digna para todos, sobrecarrega o trabalhador já que, de
acordo com o modelo perseguido, o empregador e o Estado estariam isentos
de contribuir para a formação dos fundos de pensão a serem criados.
Segundo
os opositores, o regime de capitalização tende a só atender aos
interesses das Administradoras dos Fundos de Pensão que ficam livres
para especular com recursos obtidos compulsoriamente da população. Para
eles, a insatisfação e os problemas observados no sistema do Chile –
pioneiro na adoção da capitalização para fins de aposentadoria - podem
ser agravados em países como o Brasil, devido a condicionantes como o
desemprego, a informalidade e precariedade do mercado de trabalho, que
muitas vezes impossibilitam a formação de poupança para fins de
aposentadoria.
Como
já vem ocorrendo em muitas partes do mundo (incluindo o Brasil), a
redução do alcance do Estado e o corte dos gastos e investimentos
públicos, defendidos pelo pensamento dominante, tende a deixar
desamparadas grandes parcelas dos contingentes populacionais dos países
que, voluntária ou forçosamente, optarem pelas receitas econômicas
recessivas propaladas pelos adeptos das políticas de austeridade como
medida de combate ao déficit nas contas públicas.
Não
há como negar que estamos diante de um processo de concentração de
renda que tem avançado sobre os recursos da seguridade social em seu
sentido mais amplo. Segundo analistas de renome internacional, a opção
pela austeridade tem efeitos catastróficos, que vão muito além dos
empregos e da renda perdida nos primeiros anos. Na verdade, segundo
eles, as estimativas mais confiáveis apontam para danos de longo prazo
suficientemente grandes e bastante sólidos para comprometer fortemente o
futuro do país. Para muitos, a adoção de tais políticas atende aos
interesses daqueles que lucram com a rolagem das dívidas públicas e com a
aquisição, a baixo custo, de ativos privatizados pelos Estados
endividados.
É
preciso esclarecer que, no nosso entendimento, a produção de déficits
pode conviver, de modo funcional, com o conjunto da economia.
Consideramos que déficits produzidos para fazer girar a economia podem
ser sanados pelo retorno das receitas derivadas do aquecimento do
mercado. Por outro lado, déficits originários de rolagem de dívidas e
destinados, quase que exclusivamente, a remunerar o rentismo em
detrimento do setor produtivo, podem produzir um ciclo vicioso difícil
de controlar e interromper.
Em
direção diametralmente oposta ao receituário recessivo, a Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD na sigla em
inglês) propõe reativar a economia global por meio de medidas
destinadas a: regulamentar e controlar a movimentação do capital;
promover maior equilíbrio nas relações internacionais e entre capital e
trabalho; promover a concorrência como estratégia de combate à formação
de oligopólios e monopólios; aumentar significativamente os recursos
financeiros multilaterais e incentivar a capitalização dos bancos de
desenvolvimento; equalizar a resolução das dívidas públicas;
flexibilizar os direitos de propriedade intelectual, principalmente
aqueles relacionados à produção científica e tecnológica voltada para a
saúde pública; ampliar os gastos e investimentos públicos, notadamente
em infraestrutura, meio ambiente e políticas sociais; gerar empregos;
aumentar salários conforme o aumento da produtividade; proteger as
organizações sindicais; recompor as receitas do Estado e desconcentrar a
renda via combate à sonegação e a instituição de sistemas de tributação
progressiva sobre a propriedade e os rendimentos.
Nessa
mesma perspectiva, analistas têm observado que a associação entre
capitalismo rentista e monopolista tende a reduzir o ritmo da introdução
de inovações no mercado e, consequentemente, a frear o dinamismo
econômico, gerando muitas vezes desemprego e redução de receitas fiscais.
Observa-se,
ainda, um recuo na cota de crescimento dos ganhos do capital e do
trabalho em relação a elevação dos ganhos originários de renda. Um
declínio da atividade produtiva frente ao avanço do rentismo. A
concentração daí derivada retira recursos do consumo, enfraquecendo a
demanda que, por sua vez, desencoraja investimentos, inclusive em
pesquisa e desenvolvimento. Um jogo em que a imensa maioria perde.
Defendemos,
portanto, a revisão criteriosa das políticas de austeridade e a
implementação de um projeto que pense a dinâmica das relações entre
Estado, desenvolvimento econômico e sistemas de proteção social a partir
dos impactos das políticas sociais sobre o crescimento econômico e não
somente deste último sobre as primeiras, como tradicionalmente se fez.
Ou seja, um direcionamento voltado para a capacidade do conjunto de
políticas sociais de promover e facilitar o crescimento,
concomitantemente ao desenvolvimento social. Defendemos também a
existência de um serviço público de qualidade como garantia do exercício
efetivo da cidadania.
É
preciso preservar as funções do Estado como defensor da vida; indutor
de um desenvolvimento econômico sintonizado com o bem-estar da
sociedade; com a proteção ao meio ambiente; e com os interesses
nacionais. É preciso um Estado defensor da democracia e promotor da
cidadania. É preciso construir um Estado que zele pelo equilíbrio nas
relações de poder na sociedade. O fato é que o país necessita, pode e
deve equacionar e resolver os gargalos que impedem que o Estado cumpra
plena e eficientemente o seu papel. Para tanto, é preciso forjar
consciência pública e vontade política republicana, solidária e atenta
aos interesses nacionais e à defesa da soberania.
A
Fiocruz foi criada por Oswaldo Cruz em 1900 para fabricar soros e
vacinas contra a peste bubônica e erradicar essa doença e a febre
amarela no Rio de Janeiro. Transformou-se em uma das mais importantes e
conceituadas instituições de Saúde Pública, não apenas na América
Latina, mas em âmbito mundial. São 118 anos de dedicação à ciência e à
saúde da população brasileira. Foi responsável pelo isolamento do vírus
HIV pela primeira vez na América Latina e outros grandes avanços
científicos, como o deciframento do genoma do BCG, bactéria usada na
vacina contra a tuberculose.
É
a instituição que mais forma especialistas, mestres e doutores no campo
da Saúde Coletiva nas Américas e que publica em revistas científicas
indexadas e conceituadas internacionalmente. É responsável por parcela
importante da produção nacional de medicamentos, vacinas, protótipos,
biofármacos, reativos para diagnósticos e controle da qualidade de
insumos, produtos, ambientes e serviços sujeitos à ação da Vigilância
Sanitária. Foi responsável pelo trabalho para o estabelecimento da
relação entre o vírus zika e a microcefalia em bebês, além do registro
de testes para zika, dengue e chikungunya - exemplos da importância
destacada da Fiocruz para a saúde e a ciência brasileira. A Fiocruz
possui as maiores e mais importantes Parcerias de Desenvolvimento
Produtivo, com laboratórios nacionais e internacionais, fundamentais
para a sustentabilidade do SUS, a inovação tecnológica e produção
científica.
A
Fiocruz cada vez mais reafirma, diante da sociedade, o seu compromisso,
construído diariamente, de produzir ciência em benefício da saúde da
população brasileira. Seus trabalhadores sempre demonstram a capacidade
de pronta resposta em situações de emergências sanitárias: seja por meio
do monitoramento, diagnóstico e vigilância de casos de zika, dengue,
chikungunya e febre amarela ou análise de amostras suspeitas de infecção
por hepatite A; além de um crescente surtos de sarampo em alguns
estados do país.
A
Fiocruz é um patrimônio do povo brasileiro. Uma instituição estratégica
de Estado reconhecida internacionalmente que orgulha os seus
trabalhadores, sanitaristas, homens de ciência e a sociedade, que
aplaude os seus sucessos e incentiva o trabalho aqui realizado. Uma
ponta de lança que vasculha a fronteira do conhecimento que não pode se
atrasar em relação aos seus concorrentes. Um raro potencial de
articulação entre demandas sociais, ciência, tecnologia,
industrialização e desenvolvimento socioeconômico sustentável. Um
patrimônio que precisa ser cuidado. Uma instituição em constante e
necessária atualização.
Nos
despedimos na expectativa de uma breve agenda para um diálogo
permanente em prol da saúde e da valorização dos trabalhadores.
Diretoria Executiva Nacional e Regionais
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