"... devemos entender que há um grupo (e não é pequeno) de bolsonaristas que apoiará Bolsonaro até as últimas consequências. Gente que não só compartilha seu projeto político, se não muito mais. Tem uma adesão emocional, psicológica com ele. O bolsonarismo não é política, é uma forma de estar no mundo, uma forma de entender o mundo e se entender no mundo. Compartilham seu ethos. O bolsonarismo é religião, fé, afeto, opção de vida, união, grupo, coletivo, é tudo. Para eles, negar Bolsonaro é negar a si próprios. São movidos afetivamente pelo ódio e a destruição do alheio. São os misóginos, os racistas, aqueles que odeiam tudo quanto não conseguem entender, pois, no fundo, são seres limitados, pequenos, de uma mediocridade fatal. Estes eu os considero inimigos, porque desejam a nossa aniquilação simbólica e até física. Com estes não há conversa. É luta, e pronto. Não há como dialogar com quem me quer morta ou silenciada.
Pensemos nos demais. Na maioria. Vamos manter o foco em combater os fascistoides e disputar a política com os outros, aqueles que votaram em Bolsonaro, mas não têm esse pendor ao ódio, que votaram por decepção, por antipolítica, por antipetismo, pela Lava Jato, por desesperança, que hoje estão arrependidos sem saber para onde ir politicamente. Com os fascistoides não há diálogo. Com o resto deve haver, obrigatoriamente, se quisermos sair deste poço. Estes são órfãos políticos e afetivos. Não encontraram o que procuravam em Bolsonaro e estão à espera de onde o encontrarão.
O impeachment é uma obrigação política e moral, mas não devemos só retirar o monstro do poder. Devemos criar as possibilidades sociais do diálogo, as pontes necessárias para construir um novo consenso social. Devemos não só buscar fórmulas de consenso institucional, mas também de consenso social. É imperativo entender que há muita gente que depositou sua esperança em Bolsonaro e que hoje estaria disposta a dar as costas a ele, mas não encontra uma alternativa real. Devemos construir essa alternativa, devemos ser a alternativa.
Não é suficiente bloquear Bolsonaro institucionalmente se não construirmos esse consenso social, se não colocarmos sobre a mesa alternativas políticas com as quais a população se sinta confiante. Não adianta pensar que temos as melhores soluções para esta crise se não conseguirmos nos comunicar com a população. Não faz sentido pensar que a opção progressista seria a melhor para os mais excluídos e vulneráveis se não formos capazes, por exemplo, de dialogar com os evangélicos periféricos que ainda apoiam Bolsonaro. Devemos criar redes, caminhos, palavras, gestos de aproximação. Se não o fizermos, chegarão outros monstros."
(ESTHER SOLANO - Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).)
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