Primeira linhagem 'brasileira' de células embrionárias é só começo do desafio
Problemas de segurança atrapalham até grupos mais avançados do mundo.
Teste em pessoas ainda não ocorreu; células 'reprogramadas' são opção.
A ciência brasileira tem muito a comemorar com o anúncio da criação da primeira linhagem nacional de células-tronco embrionárias humanas (ou CTEHs, para encurtar), mas é melhor que os pacientes esperançosos com possíveis terapias envolvendo as CTEHs controlem seu entusiasmo. O caminho entre o começo da pesquisa básica e a clínica é longo, tortuoso e talvez nem termine com tratamentos baseados nas próprias células embrionárias, embora elas sejam cruciais para entender o processo de construção e reconstrução de tecidos e órgãos.
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"Com toda nova alternativa terapêutica parece que existe uma oscilação nas expectativas. Primeiro as pessoas acham que aquilo é uma panacéia, capaz de curar qualquer doença; depois, com os obstáculos que vão surgindo, parece que a estratégia não vai servir para nada; e finalmente a coisa fica mais equilibrada e as pessoas percebem que se trata de uma estratégia interessante, mas não mágica. Por enquanto, as células-tronco ainda estão no primeiro estágio", afirma Nance Beyer Nardi, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que trabalha com o tema.
A necessidade de ser realista em relação ao potencial das CTEHs está mais do que clara para a comunidade científica. Embora as primeiras células desse tipo tenham sido obtidas há dez anos por cientistas da Universidade de Wisconsin em Madison (EUA), ainda não foi realizado nenhum ensaio clínico (teste direto da capacidade terapêutica) em seres humanos. Segundo Lygia da Veiga Pereira, bióloga da USP cuja equipe é a responsável por criar a primeira linhagem brasileira de CTEHs, isso deve mudar a partir do ano que vem, com ensaios clínicos também nos EUA, mas nada garante que o resultado será um sucesso.
Rebeldes e imortais
Todos os tecidos humanos possuem alguma forma de células-tronco, que são definidas pela capacidade dupla de autorenovar constantemente sua população e de conseguir dar origem a outros tipos celulares, mais especializados ou "diferenciados", como dizem os biólogos. Nenhuma população de células-tronco, porém, pode ser comparada às CTEHs, que correspondem à chamada massa celular interna do blastocisto, embrião com poucos dias de vida e cerca de cem células.
As CTEHs são, para todos os efeitos, as precursoras do corpo do futuro bebê (as demais células do embrião correspondem apenas à placenta). Por isso mesmo, podem dar origem a qualquer tecido e órgão de uma pessoa adulta. E esse fato também é o responsável por colocá-las no centro de uma polêmica bioética, já que é preciso destruir embriões humanos -- segundo a lei brasileira, os que estão armazenados há três anos ou mais em clínicas de fertilização in vitro e que foram doados pelos pais -- para obtê-las, "dissecando" a massa celular interna.
Uma vez obtidas as CTEHs, chega o momento de cultivá-las em laboratório, usando uma "cama" de outras células e substâncias nutritivas que as mantêm no estado primitivo, não-diferenciado. Com isso, cria-se uma linhagem imortal, de células que se dividem constantemente sem começar a se especializar. Caso um subgrupo da linhagem tenha como destino testes em animais ou, no futuro, em pessoas, os pesquisadores utilizam outras substâncias para conduzir a transformação das CTEHs no tecido desejado -- músculo cardíaco, neurônios ou células produtoras de insulina do pâncreas, por exemplo.
As técnicas para "convencer" as CTEHs a virar o que os pesquisadores querem estão cada vez mais refinadas e confiáveis, mas células tão versáteis sempre podem conservar algum traço de rebeldia. E é aí que mora o perigo. Para uma eventual terapia, é necessária a transferência de milhões de células e fica praticamente impossível checar individualmente o "RG" delas. Em tese, uma célula em estado ainda indiferenciado poderia ir parar no organismo do doente e produzir dente, cabelo ou coisa pior onde deveria haver um "remendo" para o coração, por exemplo. Ou poderia dar origem a um tumor, já que o câncer também parece ser regido por um tipo de célula-tronco. Essas preocupações ligadas à segurança ainda não foram resolvidas. E a própria necessidade de multiplicar as CTEHs em laboratório também aumenta a chance do aparecimento de mutações perigosas no DNA delas.
Rejeição
Outro problema a ser equacionado é a rejeição: não é porque vieram de embriões que as CTEHs são imunes ao problema, presente em qualquer transplante convencional de órgãos. Uma maneira mais complicada de tentar resolver o dilema é criar bancos públicos de CTEHs que tenham passado por uma tipagem imunológica, de forma a ser compatíveis com vários segmentos da população, mais ou menos como um banco de sangue.
Células-tronco embrionárias em sua 'cama' nutridora (Foto: Reprodução)
O ideal, porém, seria obter células geneticamente idênticas às do paciente que vai ser tratado, eliminando os riscos de rejeição. Essa é a promessa das células iPS -- basicamente células adultas que são, por sua vez, "convencidas" a retornar a um estado semelhante ao embrionário. Os pesquisadores, por enquanto, conseguiram realizar o feito com a ajuda de genes sabidamente ativos nas verdadeiras CTEHs, que são inseridos de forma permanente -- ou, num experimento recente, temporária -- nas células que são reprogramadas. Ou seja, sem o conhecimento obtido com as células embrionárias, teria sido muito difícil chegar às células iPS.
Na prática, isso seria uma "clonagem terapêutica" sem a obtenção de um clone real (o qual precisaria de um óvulo para ser gerado). De novo, porém, há obstáculos consideráveis antes de um uso terapêutico efetivo. Primeiro, no caso de pessoas com doenças de origem genética, o truque não serviria para muita coisa, já que a célula reprogramada carregaria o mesmo defeito genético. "Por isso, o ideal seria unir células-tronco e terapia genética para corrigir o problema", diz Nardi.
Além disso, ninguém ainda sabe se o potencial das iPS é realmente idêntico ao das embrionárias reais. Há indícios preliminares de que elas têm mais dificuldade para reter sua capacidade de multiplicação, por exemplo. As respostas definitivas só devem vir com mais anos de pesquisas cuidadosas.
Fonte: Globo.com
2 comentários:
Pelo menos 20 mil embriões poderiam ser usados para pesquisas com células-tronco hoje no Brasil. O número (20.026) consta dos registros - ainda inéditos - da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida. Com a liberação no Supremo Tribunal Federal (STF), na quinta-feira, das pesquisas com células-tronco embrionárias, essa quantidade de embriões é mais do que suficiente para a continuidade dos estudos que estavam parados desde 2005, dizem os cientistas.
Os registros da rede são referentes ao número de embriões congelados em janeiro de 2005 em cerca de 50 clínicas e centros de reprodução assistida nacionais. É o mais perto que o País conseguiu chegar até hoje do número real que, estimam os especialistas, é ainda maior. Somente em agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) terá pela primeira vez o registro oficial do número de embriões congelados.
Por se tratar de células indiferenciadas capazes de se transformar em qualquer tecido humano, as linhagens de células-tronco embrionárias obtidas dos embriões congelados carregam hoje as esperanças de desenvolvimento de terapias capazes de curar doenças como mal de Parkinson.
Maria do Carmo Borges de Souza, vice-presidente da rede e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que a comunicação dos dados à entidade não é compulsória para as 150 clínicas de fertilização existentes hoje no Brasil, mas passará a ser obrigatória para a Anvisa. "Nossa intenção agora é ter dados brasileiros anuais", diz.
Fonte: Estadão Online
CRIADO SISTEMA PARA GERAR CÉLULAS-TRONCO SEGURAS
25/09/2008
Um grupo de pesquisadores do MGH Cancer Center e do Harvard Stem Cell Institute em Boston (Estados Unidos) conseguiu reprogramar células adultas de rato e transformá-las em células-tronco seguras, em trabalho publicado pela revista Nature. A novidade do sistema que a equipe desenvolveu para gerar esse tipo de células-tronco, conhecidas como iPS (induced pluripotent stem cells), é que, nesta ocasião, foi utilizado um vírus que, ao contrário dos usados anteriormente, não passa a fazer parte do genoma das células nas quais entra. Esta característica do vírus, um adenovírus, permite conservar intacto o material genético deste tipo de células-tronco reprogramadas, essencial para que possam ser empregadas no futuro em tratamento celular humano. "Além disso, o adenovírus que usamos tem outra característica necessária para satisfazer os padrões de segurança, e é que não pode se propagar uma vez dentro da célula", explicou Matthias Stadtfeld, principal autor do trabalho. Os pesquisadores extraíram células do fígado e fibroblasto da ponta do rabo de ratos adultos e introduziram nelas um grupo de quatro genes conhecidos como Yamanaka factors. "Juntos, estes quatro fatores podem estabelecer pluripotencialidade nas células adultas diferenciadas. Por enquanto, se desconhece como o fazem e quais são as contribuições individuais de cada um deles ", prosseguiu Stadtfeld. Após cultivá-las no laboratório, injetaram as iPS em embriões de ratos que depois foram implantados no útero de algumas fêmeas. Os ratos que nasceram e nos quais as iPS se especializaram em vários tipos celulares sem problemas não apresentaram até hoje nenhum efeito adverso. A equipe liderada por Konrad Hochedlinger acredita que, a partir de agora, será possível tentar reprogramar células humanas com adenovírus. Segundo Stadtfeld, "o êxito deste trabalho poderia depender da combinação" deste tipo de vírus com os "agentes químicos" utilizados "para reforçar a reprogramação". Conseguir iPS e poder testá-las em humanos é apenas "uma questão de tempo", declarou o cientista. No entanto, lembrou que um dos obstáculos a superar será o fato de que, "em geral, é mais difícil derivar células maduras e funcionais a partir de células-tronco em humanos do que em ratos"; e com as iPS terão que enfrentar o mesmo desafio. "Demos um passo adiante, mas ainda estamos longe de poder iniciar os testes clínicos", declarou o pesquisador. As iPS se somam ao elenco de células-tronco atualmente estudadas com a esperança de que, algum dia, possam servir para tratar aquelas doenças que afetam a integridade dos tecidos. "Os tratamentos baseados em células iPS ou células-tronco poderiam ser empregados para reparar tecidos" como os da medula óssea ou do fígado, disse Stadtfeld. Pessoas com uma doença como a anemia falciforme, uma alteração genética que destrói os glóbulos vermelhos, poderiam ser suscetíveis de receber este tipo de tratamentos. Por último, ressaltou "a importância de continuar investigando neste campo e determinar se as células iPS geradas no futuro e as células-tronco são completamente idênticas, quanto à segurança e ao potencial na aplicação clínica".
Fonte: Agência EFE - Notícias Terra
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