2.10.2009

A arte de envelhecer


As novas descobertas que ajudam a abrandar os sinais da passagem do tempo e garantir uma velhice cheia de vida.

A paisagista Adriana Giuliano Miniguini, de 58 anos, é daquelas mulheres maduras que, sem esforço, atraem olhares. Na juventude, a beleza da italiana criada no Brasil era tamanha que as pessoas paravam para observá-la. Adriana continua feliz com sua aparência. Tem rugas, mas nunca quis aplicar Botox ou se submeter a grandes tratamentos estéticos. As rugas são o sinal de uma nova fase na minha vida. O importante é viver bem todas elas, diz. A forma como encara o envelhecimento é tão positiva e sábia que influencia as três filhas, Bianca, Chiara (gêmeas de 24 anos) e Natália, de 34. Queremos seguir os passos de nossa mãe. Há pessoas que fazem mil tratamentos, mas não são felizes. Nunca se sentem realmente bonitas, diz Natália.

Além da genética, que parece favorecer as mulheres da família Giuliano Miniguini, elas se beneficiam de bons hábitos adquiridos na infância. A alimentação sempre foi saudável, com frutas, verduras, legumes e carnes magras. Todas fizeram balé, como a mãe. As quatro freqüentam academias, para manter o corpo em forma. Cuidam da pele, com limpeza, hidratação e filtro solar, diariamente. Não têm o menor interesse em disfarçar os anos vividos, uma das maiores obsessões contemporâneas.

Artistas sofrem essa pressão contra o envelhecimento com freqüência. Recentemente, uma maquiadora perguntou ao ator Stepan Nercessian, de 54 anos, por que não fazia uma plástica para tirar as bolsas sob os olhos. Não quero matar o velho que vou ser, disse ele. Quero me olhar no espelho com 70 anos e ver como realmente sou. Essa reação é uma exceção.

Para camuflar a idade, homens e mulheres se entregam aos mais variados tratamentos estéticos sem medir esforços e conseqüências. Alguns exageram no Botox e ficam com a expressão paralisada. Submetem-se a sucessivas cirurgias plásticas e ganham um aspecto de boneco de cera. Quase sempre, o excesso de intervenções provoca mais estranhamento que admiração.

Um dos motivos que tornam a velhice um fantasma é o medo das restrições impostas pelo envelhecimento. O corpo começa a dar sinais de cansaço. A pele perde o viço. O cérebro murcha. Aos 50 anos, o encéfalo pesa em média 1,3 quilo. Quinze anos depois, costuma ter 200 gramas a menos. O sistema nervoso fica mais lento. A massa muscular diminui. A gordura aumenta. Apesar dos avanços da medicina, que têm contribuído para o aumento da expectativa de vida, a ciência está muito longe de descobrir uma pílula da juventude. Mas existe uma receita para envelhecer com mais qualidade de vida. Ela consiste em cinco simples recomendações:

* comer menos
* movimentar-se mais
* usar e abusar do cérebro
* realizar atividades em grupo
* nutrir alguma forma de espiritualidade

Os benefícios daquilo que parecia ser conselhos óbvios vêm sendo comprovados por novos estudos. Eles demonstram que esses cuidados possibilitam o ganho de alguns anos sem declínio das funções mentais, sem perda muscular, câncer ou doenças cardiovasculares. Os pesquisadores decidiram estudar os habitantes do arquipélago de Okinawa, no Japão, onde existem de três a quatro vezes mais centenários que em outros lugares.

Desde a infância, os nativos cultivam o hábito de parar de comer antes de estar satisfeitos o que os especialistas chamam de restrição calórica.

Isso significa que o comedimento à mesa é garantia de uma velhice longa e saudável? Ainda não há respostas definitivas, mas um estudo realizado desde 2002 pelo National Institute of Aging, nos Estados Unidos, reforça essa tese. Os pesquisadores concluíram que comer menos limita os danos provocados no DNA e nas proteínas de nossas células pelos temidos radicais livres. Esses elementos nocivos são produzidos pela conversão dos alimentos em energia.

Outra linha de pesquisa sugere que o envelhecimento muscular pode até ser revertido se a prática de atividade física for freqüente. A equipe do cientista Mark Tarnopolsky, da McMaster University, no Canadá, demonstrou que a prática de musculação por idosos durante seis meses combate um dos principais processos do envelhecimento: a deterioração das mitocôndrias, responsáveis pela produção de energia nas células. Reativadas pelo esporte, as mitocôndrias saudáveis conseguem manter as células musculares funcionando bem. Esse efeito de reversão também pode acontecer no cérebro, mas isso ainda precisa ser demonstrado, disse Martine Duclos, chefe do serviço de medicina do esporte do Centro Hospital Universitário de Clermont-Ferrand, na França, à revista Science & Vie.

O cérebro envelhece mais rápido se não for desafiado a cada dia. Ler, trocar idéias, se divertir com um jogo ou até mesmo fazer palavras cruzadas ajuda a manter a juventude dos neurônios. Cientistas americanos do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Boston, acreditam que a atividade cerebral seja capaz de interferir no DNA das células neuronais. Eles utilizaram roedores com funções cognitivas comprometidas para demonstrar que a prática de novas atividades pode ativar interruptores biológicos capazes de melhorar a comunicação entre os neurônios. Lembranças que pareciam perdidas voltaram, diz o cientista Andre Fischer. Demonstramos que é possível acordar genes adormecidos.

Surgem também novas descobertas que podem contribuir para a manutenção do aspecto jovial da pele.

A combinação de duas substâncias lupina (extraída do tremoço) e retinil palmitato (um derivado da vitamina A) parece ser muito eficaz na redução dos sinais de envelhecimento do rosto, segundo um estudo conduzido pela Universidade de Manchester, na Inglaterra. Detalhes da pesquisa serão divulgados em breve, segundo o jornal The Independent. Um creme que contém essa mistura, chamado Boots Nº 7, faz sucesso no Reino Unido. Ele parece ser tão eficaz quanto o ácido retinóico, usado há 30 anos para atenuar rugas e manchas escuras.

A ciência investe em várias estratégias para conter o envelhecimento, mas nenhuma oferece resultados milagrosos. Para ser vivida com qualidade, a velhice deve ser planejada. É por isso que o geriatra está deixando de ser um médico apenas de idosos. A recomendação atual é que a primeira consulta a esse especialista seja feita por volta dos 50 anos. Ele pode sugerir mudanças no estilo de vida que terão grande impacto no futuro ligadas à prática de exercícios, à alimentação e ao estímulo à vida social.

Uma abordagem completamente diferente é proposta pela medicina antienvelhecimento (ou antiaging, termo adotado por várias clínicas brasileiras).

Essa linha promete frear o relógio biológico com tratamentos estéticos, dietas radicais e a ingestão diária de hormônios, suplementos vitamínicos e antioxidantes. Os adeptos sonham manter o vigor físico da juventude e viver mais de cem anos. Para isso, submetem-se a terapias hormonais e de desintoxicação, substituem alimentos por medicamentos e não hesitam em recorrer ao bisturi. Os médicos que praticam a modalidade escrevem livros compilando benefícios de substâncias como betacaroteno, ginkgo biloba e ômega 3 e indicam uma suplementação agressiva desses elementos.

No Brasil, a medicina antiaging não é reconhecida como especialidade médica. Mas há cursos de pós-graduação oferecidos por universidades privadas. O primeiro deles, da Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), em São Paulo, surgiu há três anos. É coordenado pelo cirurgião plástico Kose Horibe, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Antienvelhecimento. Dizem que a antiaging não tem comprovação científica, mas tudo o que é novo demora a ter seus efeitos comprovados, diz Horibe.

Há duas semanas, um estudo publicado pela Universidade de Copenhague, na Dinamarca, atestou que não existe comprovação de que os suplementos antioxidantes indicados pela medicina antiaging prolonguem a vida. Os pesquisadores analisaram resultados de estudos feitos com 237 mil pessoas que tomavam suplementos de selênio, betacaroteno e vitaminas A, C e E.

Concluíram que, em pessoas saudáveis, a suplementação aumenta o risco de doenças coronarianas e câncer. Medicina antiaging é só um novo nome para a velha busca do elixir da juventude, diz o geriatra João Toniolo Neto, da Universidade Federal de São Paulo. Há 40 anos se fazia a quelação, injeção de elementos químicos que supostamente fariam a faxina do sistema imune. Depois veio a medicina ortomolecular. Agora o nome é antiaging.

Essa busca por tratamentos de eficácia duvidosa é o resultado da obsessão pela juventude, que tomou conta do mundo moderno. Vivemos um culto à adolescência, já não é nem mais à juventude, diz o filósofo Renato Janine Ribeiro, da Universidade de São Paulo. A preocupação em fazer exercícios e cuidar da saúde é um aspecto bom.

O preocupante é esse delírio adolescente?. Por que temos tanto medo do envelhecimento se ele faz parte do processo natural da vida? O escritor e filósofo Rubem Alves, de 74 anos, tem uma teoria. A velhice é feia. O espelho mostra como você está se decompondo?, diz o autor do livro Cores do Crepúsculo: a Estética do Envelhecer. Ele aponta outra razão para que tanta gente se agarre à ilusão da juventude eterna: o medo da morte.

O culto à juventude é relativamente recente. Durante a maior parte da história humana, os velhos foram vistos com reverência. No início da civilização, as pessoas morriam cedo, e quem atingia a velhice era visto com uma aura de magia. Antes da invenção da escrita, os mais velhos eram também os principais responsáveis pela transmissão da cultura.

Contavam histórias e davam conselhos. Em sociedades tradicionais, ainda se percebem sinais desse respeito. Em várias partes da África do Sul, o líder negro Nelson Mandela era tratado como O Velho. O mesmo acontecia com o líder palestino Iasser Arafat.

No Ocidente, a grande virada aconteceu a partir dos anos 60. Com a maior escolarização nos países ricos, as pessoas passaram a ficar fora do mercado de trabalho dos 14 aos 22 anos. Surgia então o conceito de adolescência. Com tempo livre, logo essa fase da vida passou a ser vista como idílica. Na última década, a aversão a tudo o que lembra velhice se tornou exacerbada. O ritmo da vida moderna ajudou a tirar dos velhos sua aura de sabedoria. Com a chegada da era digital, as mudanças tecnológicas ficaram mais rápidas e a ousadia passou a ser mais valorizada que a experiência.

Mas, ao contrário do estereótipo, a velhice não é necessariamente uma fase melancólica da vida. Um estudo da Universidade de Chicago, publicado neste mês, afirma que a velhice é a fase em que as pessoas são mais felizes. A pesquisa foi feita com base em entrevistas de 28 mil pessoas, de 18 a 88 anos, entre 1972 e 2004. Concluiu que a vida fica melhor na percepção das pessoas conforme elas envelhecem. Aos 88 anos, 30% dos entrevistados se consideraram muito felizes. Aos 20 anos, apenas 24%. A cada década, a probabilidade de encontrar alguém muito feliz aumenta 5%.

Uma pesquisa qualitativa do psicanalista brasileiro Luiz Alberto Hanns corrobora o estudo americano. Ele observou que para algumas pessoas a velhice tem um efeito curativo. Depois dos 70 anos muita gente percebe que não precisa mais viver sob a pressão de ser o melhor e se dá ao direito de fazer as coisas que dão prazer. O aposentado Jayme Kuperman, de 93, é um exemplo. Entrou na Universidade Aberta à Maturidade, da PUC de São Paulo, em 1996 e não saiu mais. É uma recompensa depois de todo o tempo que trabalhei, diz. Nascido em Israel, chegou ao Brasil aos 13 anos. Além de atualizar seus conhecimentos, ele aumentou seu círculo de amigos.

Muitos dos idosos decidem aproveitar a velhice para se divertir, fazer amigos e até namorar. O filme Chega de Saudade, da cineasta Laís Bodanzky, atingiu o público de 100 mil espectadores no quarto fim de semana de exibição. Uma explicação para o sucesso é a abordagem alto-astral do envelhecimento. Laís fez questão de que a câmera filmasse as rugas dos atores. Queria provocar o espectador e mostrar que existe vida além das rugas, da careca, da barriga?, diz. E, se existe vida, existe beleza.

Fonte: ÉPOCA

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