2.11.2009

VALE A PENA TOMAR VACINA CONTRA HPV?


Jovens vacinados contra o papilomavírus humano começam a vida sexual livres dessa ameaça. Em que situações é melhor pagar (caro) pela proteção. O estudante de Direito Guilherme Berti de Campos Guidi, de 18 anos, é um garoto como tantos outros. Não é rebelde nem nerd. Não é feio nem exatamente bonito. É bom aluno e se diverte como a maioria da turma: namora uma colega de classe, frequenta sessões de cinema na casa dos amigos, gosta de literatura (está adorando Concerto barroco, do cubano Alejo Carpentier) e curte a banda de soul music inglesa Lighthouse Family. Mas tem um "diferencial competitivo" que nenhum de seus amigos possui: pode dizer às parceiras que começou a vida sexual protegido contra os principais tipos de papilomavírus humano, mais conhecido como HPV. No ano passado, Guilherme e a irmã Carolina, de 16 anos, tomaram a vacina contra o vírus, disponível no Brasil apenas em clínicas privadas.
O HPV é adquirido durante o sexo (oral, vaginal ou anal) e responde por mais de 99% dos casos de câncer do colo do útero, o segundo tipo de tumor mais frequente entre as brasileiras - atrás apenas do câncer de mama. Nos homens, ele pode provocar câncer de pênis. Em ambos, pode provocar um tipo raro de câncer de garganta.
Até recentemente, a vacina era assunto apenas entre as garotas. Nos últimos meses, porém, ela começou a ser aplicada também em meninos - embora ainda não tenha sido aprovada oficialmente no país para o público masculino. Em dezembro, a Merck Sharp & Dohme, um dos fabricantes da vacina, entrou com um pedido na agência que controla medicamentos nos Estados Unidos (a FDA) para tentar aprovar o produto para garotos e jovens de 9 a 26 anos, a faixa etária na qual ela foi testada. A resposta ainda não saiu.
A empresa deve fazer o mesmo no Brasil neste ano. Enquanto a vacina não é liberada pela Anvisa, ela não deveria ser usada por meninos.
Na prática, porém, alguns médicos já estão recomendando a vacinação. Guilherme e Carolina são filhos do urologista Homero Guidi, um especialista em HPV do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ele está tão convencido da segurança e da eficácia do produto que fez questão de vacinar os filhos antes do início da vida sexual. Essa geração tem a oportunidade de descobrir o sexo com um fantasma a menos na cabeça. Graças à vacina, pode se ocupar apenas com outras inseguranças que marcam essa fase, como a preocupação de impressionar o parceiro e o receio de contrair outras doenças, como a aids. "Minha geração tem muito medo do HIV porque cresceu ouvindo alertas na MTV, mas ninguém fala sobre o HPV", diz Guilherme. Ele afirma nunca ter dispensado a camisinha, apesar de se sentir mais protegido depois da vacinação. "Fui educado, em casa e na escola, a jamais abrir mão da camisinha". Carolina diz que pouquíssimas amigas foram imunizadas. Ela não questionou a recomendação do pai. "Em casa, ele sempre mostra fotos de lesões horríveis provocadas pelo vírus", diz. Além de câncer, o HPV pode provocar verrugas genitais em ambos os sexos. O risco dessas complicações existe, mas é muito menor do que a maioria das pessoas imagina. É por isso que em vários países se discute se o benefício da vacina compensa o custo. Na maioria das vezes, a infecção pelo HPV não é o fim do mundo. Acompanhe os seguintes números: 75% das pessoas sexualmente ativas adquirem o HPV em algum momento da vida. Ele é eliminado naturalmente pelo organismo de 60% delas. O cidadão nem fica sabendo que teve contato com o vírus. Apenas 1% dos infectados terá verrugas genitais. Elas são desagradáveis e difíceis de controlar, mas podem ser curadas com pomadas que estimulam o sistema imune a lutar contra as lesões. Câncer, então, é um evento ainda mais raro. Somente 0,5% das mulheres infectadas pelo HPV desenvolve tumores do colo do útero. Exames anuais de papanicolau podem detectar lesões pré-cancerosas e evitar o pior.
O câncer de pênis ocorre em apenas 0,05% dos homens que tiveram contato com o vírus. Se os rapazes tivessem o costume de ir ao urologista preventivamente, pequenas lesões poderiam ser tratadas antes de virar câncer. A POPULAÇÃO POBRE, QUE MAIS SERIA BENEFICIADA PELA VACINA CONTRA O HPV, NÃO TERÁ ACESSO A ELA TÃO CEDO - "Não é verdade que quem pega o HPV nunca mais se livra dele", diz o urologista Homero Guidi. "Com o tratamento adequado, a pessoa que não eliminou o vírus naturalmente pode se curar e deixar de transmiti-lo". O vírus some. Mas, se o homem ou a mulher ainda tiverem lesões visíveis, isso significa que o parceiro pode ser infectado. Não se sabe com certeza se pessoas com infecção latente (sem sinais aparentes) transmitem o vírus. Se houver poucas cópias virais no organismo, ele não é transmitido. Tudo isso posto, vale a pena gastar mais de R$ 1.000 (o preço médio das três doses necessárias) para imunizar meninas e meninos? "Seria uma leviandade criar pânico na população por causa do HPV, mas, se a família tem condições de vacinar os filhos, acho que o investimento é válido", diz Guidi. Em outras palavras: se para pagar as doses você precisar economizar na educação ou na alimentação das crianças, esqueça a vacina. Mas se a família gasta esse valor todo mês no shopping ou em restaurantes, talvez seja melhor investir em saúde.
SAIBA MAIS - TIRE SUAS DÚVIDAS SOBRE O HPV - Um estudo internacional realizado no Brasil, no México e nos Estados Unidos com 4.200 homens entre 18 e 70 anos revelou que 72% dos brasileiros têm o vírus. "Se eu tivesse um filho, eu o imunizaria depois que a vacina fosse aprovada para meninos no Brasil", diz Luisa Lina Villa, diretora do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer e coordenadora do trabalho. Mesmo que os rapazes não sofram problemas decorrentes do HPV, a vacinação deles é justificável porque interromperia a cadeia de transmissão do vírus. Um estudo realizado no Rio de Janeiro pela Fiocruz com 403 garotas revelou que, um ano após o início da vida sexual, 24% delas já apresentam lesões causadas pelo HPV - em geral lesões de baixa gravidade. Nem os casais que usam camisinha estão completamente protegidos. O HPV pode se alojar em regiões que o preservativo não cobre (como o escroto e o ânus) e ser transmitido facilmente. É por isso que vacinar meninos e meninas seria a estratégia de saúde pública mais interessante. CONHEÇA OS RISCOS REAIS - A maioria das pessoas tem contato com o vírus e o elimina naturalmente.
Mas o Brasil não terá vacinação gratuita tão cedo - o que já acontece em 25 países, entre eles Canadá, Estados Unidos e a maioria das nações europeias. As negociações com os fabricantes estão emperradas por causa do preço. "A vacina não estará disponível no SUS neste ano nem nos próximos", diz Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Os argumentos do governo: * a vacina é cara. Os fabricantes não revelam que preço ofereceram, mas estão longe de um acordo com o governo; * os dois produtos disponíveis no mercado não protegem contra todos os tipos de HPV. Um terço dos casos de câncer é provocado por tipos virais contra os quais as vacinas não protegem; * é cedo para saber quanto tempo dura a imunidade. Os fabricantes dizem que a pessoa fica protegida por pelo menos cinco anos. Se for preciso revacinar a população, a conta será impagável. Ou seja: quem mais precisa da vacina é justamente quem não terá acesso a ela. Câncer do colo do útero - e também de pênis - é muito mais frequente na população pobre, que não recebe acompanhamento médico. Com exames anuais de papanicolau e tratamento precoce das lesões com alto potencial de malignidade, seria possível reduzir em 80% a mortalidade por tumores do útero. Isso não ocorre adequadamente na Região Norte, onde esse é o tipo de câncer mais comum entre as mulheres (ocorrem 22 casos a cada 100 mil habitantes). No Sudeste, os tumores do útero ocupam a quarta posição na lista dos mais comuns (18 casos a cada 100 mil). Se o papanicolau não chega a grande parte das mulheres do Norte, a vacina poderia protegê-las. Infelizmente, elas vão continuar sem o exame e sem a imunização. "O alto custo da vacina vai aumentar a iniquidade relacionada ao tratamento do câncer do colo do útero em países como o Brasil", diz Eduardo Franco, professor do departamento de oncologia e epidemiologia da McGill University, no Canadá. "A população que poderá comprar a vacina é justamente a que já faz exames anuais e que não pertence ao grupo de alto risco". Franco e outros pesquisadores estrangeiros publicaram na revista Vaccine um estudo que avaliou qual seria o benefício da adoção da vacina pelo SUS. Concluíram que, se 70% das garotas entre 9 e 12 anos recebessem apenas a vacina, o risco de terem câncer do colo do útero em algum momento da vida cairia apenas 43%. Ou seja: sozinha, a vacinação não eliminaria o problema. Seria necessário garantir também que todas as mulheres conseguissem fazer papanicolau.
É desolador, mas o Brasil está longe disso. TOMAR OU NÃO TOMAR... O que você precisa saber antes de decidir: Quem pode receber a vacina? Ela está aprovada no Brasil apenas para meninas e mulheres de 9 a 26 anos. Um dos fabricantes pediu à Anvisa que libere a vacina também para mulheres até os 45 anos. Em 11 países, ela foi aprovada para meninos de 9 a 15 anos. Se tomar a vacina, a pessoa fica livre de todos os tipos de HPV? Não. Existem cerca de 200 tipos de HPV. A vacina Gardasil, da Merck Sharp & Dohme, é quadrivalente. Ou seja: protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18. Eles são responsáveis por 70% dos tumores do colo do útero e por 90% das verrugas genitais. Elas são benignas, mas incomodam. A vacina Cervarix, da GlaxoSmithkline, é bivalente. Protege contra os tipos 16 e 18, que podem provocar câncer.
Qual é o melhor momento para tomar a vacina? O ideal é recebê-la antes do início da vida sexual. Mas quem não é mais virgem também pode ter benefícios. Mesmo que a pessoa tenha sido infectada por um dos tipos de HPV, a vacina quadrivalente pode protegê-la de outros três tipos. Quanto custa a vacina? Cada clínica tem um preço. Na Cedipi, em São Paulo, cada dose da vacina Gardasil custa R$ 385.
A Cervarix custa R$ 305. Nos dois casos, são necessárias três doses. A segunda aplicação é feita dois meses depois da primeira. A terceira, seis meses depois da dose inicial. Por quanto tempo a pessoa vacinada fica protegida? A proteção dura pelo menos cinco anos. Só estudos de longo prazo poderão mostrar se a imunização vai durar mais tempo.
Quem tomar a vacina pode dispensar a camisinha? Não. A camisinha é fundamental paraevitar o risco de contrair outros tipos de HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis, como a aids. A mulher vacinada pode deixar de fazer o exame papanicolau? Não.
A vacina não protege contra todas as causas de câncer do colo do útero. O exame que detecta lesões pré-cancerosas causadas por outros tipos do HPV continua sendo fundamental. A vacina é segura? Os estudos sugerem que sim. Ela não é feita com o próprio vírus, e sim com partículas virais criadas em laboratório. Elas não contêm o DNA do vírus. Cerca de 85% das voluntárias relataram efeitos colaterais leves.
Dor de cabeça, febre branda, pequeno inchaço no braço. Os sintomas desaparecem no dia seguinte. Nos estudos internacionais, houve casos de morte súbita. Nenhuma das mortes, porém, pôde ser relacionada ao uso da vacina.
A camisinha é suficiente para proteger contra o HPV? Nem sempre. O HPV pode estar no escroto ou no ânus, regiões em que a camisinha não chega, e ser transmitido durante a relação sexual. - Cristiane Segatto e Bruno Miranda -
Fonte: ISTO É - Portal Médico

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