6.12.2009

Fuga de cérebros

O assunto é polêmico no meio acadêmico. Faz anos que ouço comentários sobre a fuga de cérebros dos países em desenvolvimento para países tidos como de Primeiro Mundo, principalmente para os EUA. O fenômeno já forneceu diversos Prêmios Nobel para os Estados Unidos, que continuam sendo responsáveis por mais de 50% da produção científica mundial e abrigam a nata da comunidade cientifica nos grandes centros de pesquisa.

Pesquisadores que migram, em geral, alegam falta de incentivo para pesquisa, melhores condições de trabalho e falta de reconhecimento profissional no país de origem. Até aí, nada de novo – ou existe alguma dúvida de que isso é mesmo verdade?

Após intermináveis discussões com cérebros que fugiram, cérebros que fugiram e voltaram e cérebros que nunca foram, percebo que existe uma série de preconceitos, muitas vezes levando a decisões políticas erradas e causando um estado de crise ou marasmo na ciência. Acho que o Brasil passa por uma crise assim.

A razão desse meu “achismo” é que venho notando uma escassez no número de bolsas científicas destinadas a alunos de pós-graduação, principalmente para postdocs (assim são chamados aqueles que terminaram o doutorado e buscam um aperfeiçoamento antes de iniciar uma carreira como pesquisador independente). Atualmente, para alunos brasileiros saírem para uma experiência de postdoc, as opções são poucas.

Existe a competitiva bolsa Pew, que financia dois anos de salário para estudantes da América Latina, além de um pacote de incentivo ao retorno do estudante ao país. O retorno é incentivado, mas não compulsório. Os problemas com essa opção são: o reduzido número de vagas, a participação exclusiva de laboratórios nos EUA e a falta de transparência no processo de seleção (quem não é selecionado raramente sabe o porquê).
O programa da Human Frontier também oferece bolsas para pós-doutoramento e tem um perfil semelhante à da Pew. Infelizmente, não é restrito à América Latina, e a competição acaba sendo acirrada. Pode-se também tentar bolsas da União Européia, mas você tem de possuir algum tipo de dupla cidadania.

Outra opção são bolsas das instituições financiadoras nacionais, como a Fapesp (em São Paulo) e o CNPq. Em ambos os casos, o período não passa de um ano e o projeto precisa estar vinculado ao de um grupo nacional, restringindo justamente a criatividade e independência esperada de um postdoc. Além disso, existe um contrato para que o postdoc volte e permaneça o mesmo período de tempo em território nacional.

E quais as chances de um aluno de doutorado sem bolsa encontrar uma posição de pós-doutoramento no exterior? Logicamente, depende do laboratório escolhido. Mas estou falando de laboratórios líderes mundiais. Ao final do doutorado, a vasta maioria dos alunos brasileiros não tem um nível de publicação comparável aos estudantes japoneses, americanos, europeus ou até mesmo indianos e chineses. Então, por currículo, ele já sai perdendo. A língua é um entrave grande, mas até acho que o brasileiro se vira bem. Bom, pelo menos melhor que alguns orientais…

Soma-se a isso tudo a atual crise do sistema de pesquisa americano. Com laboratórios tendo de cortar custos, o postdoc que vem com a própria bolsa é muito bem recebido e demonstra independência.

Concluindo, fica difícil para o postdoc brasileiro se posicionar no exterior sem incentivo do país. Uma pena, pois tenho certeza de que a formação profissional do doutor brasileiro (pelo menos dos que se formam em boas universidades) não deixa nada a desejar. A falta de publicação é um reflexo direto do ambiente de pesquisa, não da falta de capacidade mental. E, como não temos um mercado biotecnológico, essa mão de obra especializada acaba optando por um postdoc no país ou é recrutada por universidades menores, em geral com pouco estímulo para pesquisa. Triste, pois o país investiu muito no sujeito para deixá-lo sem outras opções.

Pois bem, alguns podem argumentar que, ao financiar postdocs para o exterior corre-se o risco de eles ficarem e não voltarem mais. Concordo: se o sujeito for muito bom, o mercado americano, principalmente, tem tudo para atraí-lo. Só não concordo que isso seja ruim para o país.

Mas, antes de justificar minha opinião, permita-me apresentar alguns dados. Na minha experiência morando no exterior e tendo convivido com dezenas de postdocs em um dos maiores pólos de pesquisa dos EUA, percebo que a grande maioria acaba voltando para o Brasil. As razões acabam reduzindo-se, de uma forma bem simplista, a três:
1) a pessoa não se adapta ao estilo de vida (justo, é bem diferente e requer um certo esforço);
2) a pessoa não consegue uma posição (justo, conforme se sobe na pirâmide profissional acadêmica, a concorrência mundial aumenta);
3) a justificativa do patriotismo (balela, em geral usa-se essa última para não assumir 1 ou 2).

O pior é que a desculpa do patriotismo tem nos custado muito caro. Eu explico. O patriotismo não está na localidade do pesquisador, mas sim nas suas ações. Existem dois tipos de situação. Na primeira, o sujeito se desapega completamente de barreiras nacionais e passa a ser um cidadão do mundo. Nesse caso, o país perde. Por outro lado, temos situações onde o sujeito acaba auxiliando o país, mesmo que de uma forma indireta, trazendo outros pesquisadores, estabelecendo contatos, fornecendo material de pesquisa etc. Nesse caso, o patriotismo continua existindo, e o país ganha diversas novas oportunidades. Uma dessas oportunidades poderia ser, por exemplo, o estabelecimento de uma nova empresa de biotecnologia, gerando empregos, know-how e capital.

Infelizmente, devido a essa mentalidade e ao reduzido número de bolsas, temos pouquíssimos brasileiros em posições de destaque no exterior. Isso atrapalha o desenvolvimento do Brasil, pois perdemos a chance de ter mais “olheiros” internacionais que possam aconselhar cientistas e autoridades nacionais. Certos países pagam cientistas por essas valiosas opiniões!

Alguns países em desenvolvimento já superaram essa baixa auto-estima e passam agora a favorecer a fuga de cérebros. A idéia é formar pesquisadores e financiá-los nos grandes centros internacionais. São esses que transferem a tecnologia de volta ao país de origem.
Alguns acabam até retornando fisicamente após alguns anos. Além da experiência acumulada, carregam na bagagem contatos e reputação internacional, auxiliando novos pesquisadores a se estabelecer, contatos com revistas científicas e muitos colaboradores. Tenho colegas da China, de Cingapura e da Coréia nessa posição, todos muito agradecidos com o apoio dos respectivos governos.

A meu ver, a solução para o atraso científico no país seria fazer exatamente o oposto do que o Brasil tem feito nos últimos anos: financiar maciçamente a saída de postdocs para grandes centros internacionais. Depois do treinamento, alguns vão voltar e outros vão ficar. Dos que ficam, bastaria alguns patriotas para retornar e amplificar todo o investimento feito. É uma solução drástica e em médio prazo, que deve acabar acontecendo cedo ou tarde, ou vamos continuar dependendo de ações individuais.

Espiral
Globo.com - G1

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