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1.20.2010
ANTIPSICÓTICOS
Os antipsicóticos:
História, características, uso clínico, interacções e reacções adversas
Estas drogas têm sido a escolha terapêutica durante os últimos 50 anos para três perturbações psicopatológicas clássicas: A esquizofrenia, a perturbação maníaco-depressiva, agora distúrbio bipolar, e um grupo incluindo alterações que foram recebendo diversos nomes, mas que é actualmente (DSM-IV) designado sob a designação “distúrbios de delírio”.
Para todas estas desordens tornou-se rotineiro o uso de um grupo de fármacos inicialmente chamados “neurolépticos”, e que na última década foi rebaptizado de antipsicóticos, já que passou a ser central a ideia de que estas substâncias teriam propriedades terapêuticas específicas no respeitante à esquizofrenia. Têm sido diversas as designações utilizadas para se fazerem referências a estas drogas, havendo quem utilize a expressão neuroléptico para todas elas, dividindo-as em primeira ou segunda geração. Outros preferem falar em antipsicóticos clássicos e antipsicóticos atípicos (referindo-se esta designação ao facto de intervirem especialmente em receptores serotoninérgicos e não nos receptores da dopamina. Há quem se refira a estas drogas chamando-lhes, simplesmente, antipsicóticos de primeira e segunda geração.
Os antipsicóticos, também conhecidos como neurolépticos, são os medicamentos utilizados no tratamento da esquizofrenia. São assim chamados por possuírem efeito calmante (neuro=nervo; lepsis=apreensão) e por combaterem sintomas como delírios, alucinações, comportamento desorganizado e agitado. Eles atuam sobre um neurotransmissor (substância química responsável pela transmissão dos estímulos entre os neurônios) chamado dopamina, cujo excesso provoca os sintomas positivos e desorganizados da esquizofrenia. Bloqueando canais receptores de dopamina nos neurônios, eles evitam que o excesso da substância atinja as células nervosas, reequilibrando o sistema de neurotransmissão. Esse efeito é essencial para a duração do efeito antipsicótico por longo prazo.
O efeito terapêutico pode demorar de 4 a 8 semanas, embora alguma melhora do comportamento já possa ser percebida nos primeiros dias de tratamento. É fundamental que nesse período a medicação seja administrada de forma regular. O tratamento de manutenção não é menos importante, pois é capaz de evitar futuras recaídas e precisa ser mantido mesmo que a crise aguda tenha sido contornada. É comum o abandono do tratamento nessa fase, por acreditar estar curado, o que deixa a pessoa vulnerável a uma nova crise. O médico é o único capaz de determinar o tempo total de tratamento para cada caso, podendo variar de 1 a 5 anos ou, em alguns casos, por período indeterminado.
Os primeiros antipsicóticos foram descobertos na década de 50. A clorpomazina (Amplictil), o primeiro deles, era utilizada como antiemético e sedativo e teve seu efeito antipsicótico descoberto por acaso quando foi usado em pacientes psiquiátricos. A sua eficácia representou uma revolução na maneira de tratar os doentes mentais, recebendo a alcunha de “esvaziadora de hospícios”, pois contribuiu para a desinternação de milhares de pacientes. Logo depois vieram outras substâncias, como o haloperidol (Haldol). Os antipsicóticos mais antigos são conhecidos como típicos ou de primeira geração, possuem uma alta afinidade por receptores de dopamina e são muito eficazes no combate à psicose.
Entretanto, a ocorrência de efeitos colaterais duradouros (vulgarmente conhecidos como impregnação), principalmente do tipo parkinsoniano (tremores, rigidez, lentidão e apatia) e de discinesias tardias (distúrbios do movimento, contraturas musculares), fez com que pesquisadores se preocupassem em desenvolver substâncias tão eficazes quanto, porém melhor toleradas. Surgiram, então, os antipsicóticos de segunda geração ou atípicos.
O primeiro deles foi a clozapina (Leponex), seguido da risperidona (Risperdal) e da olanzapina (Zyprexa). Eles se diferenciam dos mais antigos por possuírem também efeito sobre receptores de serotonina e por um bloqueio mais balanceado dos receptores de dopamina, o que contribui para uma menor incidência de efeitos parkinsonianos. Também são eficazes no tratamento das psicoses, com ação superior aos típicos nos sintomas negativos e cognitivos da esquizofrenia.
Apesar de os antipsicóticos constituírem um grupo diversificado de fármacos, eles partilham uma série de acções comuns:
- Redução da actividade psíquica;
- Ataraxia (inibição do movimento);
- Sedação;
- Potenciação de outras drogas depressoras no SNC;
- Redução do comportamento operante;
- Inibição selectiva de comportamentos condicionantes e colinérgicos;
- Perturbação da vigilância;
- Aumento da secreção da prolactina;
- Reacções extrapiramidais.
Postula-se que os antipsicóticos agem nos neurónios, bloqueando os receptores de dopamina, essencialmente os receptores D2. No entanto, não se conhecem bem os seus mecanismos, se bem que a sua acção nos receptores da serotonina seja já segura (sobretudo a sua acção nos receptores 5HT2). De facto, na última década a indústria farmacêutica tem procurado desenvolver fármacos mais específicos no sistema serotoninérgico (nomeadamente no referente aos receptores HT2A).
Entre os antipsicóticos da primeira geração (os neurolépticos), comercializados em Portugal, podem referir-se a clorpormazina (Largactil), o haloperidol (Haldol) e o flupentixol (Fluanxol), o sulpiride (Dogmatil). De entre os da segunda geração, actualmente mais utilizados, nomeadamente em ambulatório, podem mencionar-se: a clozapina (Leponex), a risperidona (Risperdal), a olanzanpina (Zyprexa), a quietiapina (Seroquel), a amisulpride (Socian).
HISTÓRIA DOS ANTIPSICÓTICOS. Consideramos ser de referência essencial a obra de Healy (2002), The Creation of Psychopharmcology,1aliás fundamental para compreender a psicofarmacologia actual, e não apenas o respeitante à medicação antipsicótica. A cloropromazina foi sintetizada em 1950, tendo sido concebida para ser anti-histamínico. Em 1952, esta substância fazia parte de um composto anestésico e o cirurgião francês Jean
1 Ver também E quando o Rei vai Nu: Os problemas e as vítimas das drogas psiquiátricas (Pires, 2003).
Laborit, observou que as pessoas ficavam num estado muito diverso da sedação habitualmente provocada pelos anestésicos: As pessoas ficavam indiferentes ao que se passava à sua volta… Laborit descreveu este estado de ataraxia (tranquilidade, indiferença).2
Ainda em 1952, Jean Delay e Pierre Deniker observaram um impacto positivo da clorpromazina nos estados maníacos e na agitação psicótica, sem que houvesse nessa altura, porém, qualquer proposta para uma acção anti esquizofrénica específica. Houve nos anos que se seguiram, mesmo, uma utilização geral em psiquiatria e anti náuseas e vómitos.
Por outro lado, rapidamente se constatou que estes fármacos provocavam acentuadas reacções extrapiramidais, tipo parkinsonismo, e estas reacções tornaram-se a marca distinta de todas estas substâncias e, consequentemente, modelo para o futuro fabrico de toda uma gama de fármacos usados para o manuseamento da esquizofrenia. Para além disso, visto que estas substâncias são antagonistas da dopamina, chegou-se à conceptualização da esquizofrenia como sendo resultante de um excesso de dopamina cerebral e à ideia de que estes fármacos são anti esquizofrénicos. Isto é, os efeitos antipsicóticos observados foram tornados equivalentes a um efeito anti esquizofrénico. Mas será que são realmente anti esquizofrénicos?
David Healy (2002, 2005) acha que estas drogas não têm qualquer especificidade anti esquizofrénica. Segundo ele esta conclusão é fundamentada em três tipos de evidência: 1) Os antipsicóticos em si não curam a esquizofrenia; 2) Os estudos de neuroimagem revelam a inexistência de diferenças entre pessoas sofrendo de esquizofrenia e normais no que respeito à dopamina; 3) Aquilo que as pessoas afectadas por aquela perturbação referem é um efeito anti agitação.
Quer dizer, se existe alguma coisa de errado com as pessoas sofrendo de esquizofrenia não é, certamente, relacionado com a dopamina. Isto não quer dizer que estas substâncias não sejam, realmente úteis. Podemos fazer, seguindo Healy (2005), uma analogia com a utilização da
2 A fazer lembrar o Atarax (hidroxizina), justamente usado nas alergias, igualmente com acentuado efeito sedativo.
aspirina na artrite reumatóide: a aspirina ajuda, alivia na artrite actuando no sistema da prostaglandina-, embora nada exista de errado com aquelas pessoas no que respeita a este sistema. No caso dos antipsicóticos eles “acalmam”, “tranquilizam”.
Como funcionam, então, estas drogas?
A DOPAMINA. Os antipsicóticos são cocktails de compostos (Healy, 2005). Com efeito, embora actuem principalmente no sistema dopaminérgico, também se sabe, agora, que actuam nos sistemas da serotonina, da norepinefrina e acetilcolina, entre outros.
A dopamina foi descoberta por Arvid Calsson em finais dos anos 50, do século passado, e sabe-se que todos os fármacos antipsicóticos bloqueiam os receptores D2. São, por isso mesmo, antagonistas D2. Após a descoberta de Carlsson, veio a demonstrar-se que as pessoas afectadas pela chamada doença de Parkinson têm uma anomalia que consiste na perda da dopamina contida nas células nervosas, sendo tratadas com percursores da dopamina, como o L-dopa, ou agonistas da dopamina.
Em doses muito baixas os antipsicóticos reduzem os movimentos estereotipados (por isso a sua utilidade na síndroma de La Tourette), o pensamento repetitivo, provavelmente como resultado de um estado de agitação. O bloqueio da dopamina também provoca um estado de indiferença, resultando uma tranquilidade muito grande (em tempos também se chamou a estas substâncias “grandes tranquilizantes”). Olhada de fora, a pessoa está parada, passiva.
Quer dizer, estes compostos têm uma acção antagonista ao nível dos receptores D2 e uma segunda acção, igualmente de antagonismo, nos receptores 5-HT2. Porém, mais alguma coisa poderá haver. Por exemplo, Julien (2005) refere que o aripiprazole, um muito recente antipsicótico, parece ter um efeito de estabilização nos receptores da dopamina.
A SEROTONINA. Até aos anos 90 do século passado era crença geral que o bloqueio da dopamina era a razão para o efeito positivo dos antipsicóticos.3 Agora sabe-se que o bloqueio da serotonina tem igualmente um papel importante na acção dita “antipsicótica”. Praticamente, todos os antipsicóticos actuam nos receptores da serotonina, especialmente nos receptores S2, contrariando, pois, aquela que era uma hipótese crucial quanto ao uso destes fármacos na sua lógica anti esquizofrénica, a base dopaminérgica da esquizofrenia. Curiosamente, os antipsicóticos mais específicos quanto à acção na dopamina, o sulpiride, o amisulpride e o remoxipride, produzem, igualmente, muito menos reacções adversas extrapiramidais que os outros antipsicóticos (Healy, 2005). O que deixa, igualmente, algumas dúvidas quanto ao que realmente produz aquelas reacções. Por outro lado, existe hoje em dia a convicção, entre alguns investigadores (ver Julien, 2005), de que alguns antipsicóticos exercerão a sua acção através de um padrão mais complexo de interacções nos receptores. Uma hipótese poderá ser a do bloqueio dos S2 terem um impacto fisiológico no aumento da produção de glutamato. Com efeito, tanto a ketamina como a fenciclidina (drogas psicadélicas) produzem estados tipo-esquizofrenia. Acontece que o mecanismo responsável por estas alterações será a potente inibição de um receptor específico (NMDA) do glutamato.
Vejamos agora algumas características comuns e gerais a este tipo de medicação, mesmo considerando haver alguma variação quanto aos efeitos que estes fármacos provocam nas diferentes pessoas.
O SENTIMENTO DE INDIFERENÇA. Esta é uma acção caracteristicamente resultante da tomada deste tipo de fármacos. Existe uma espécie de afastamento, distanciação, relativamente às coisas que anteriormente stressavam a pessoa. No entanto, e como muito bem refere Healy (2005),
3 Embora, curiosamente, Meyer & Quenzer (2005) pareçam considar, ainda hoje, num papel exclusivo para a dopamina, quanto aos seus “efeitos antipsicóticos” quando escrevem: “Neuroleptic drugs modify several neurotransmitter systems; however, their clinical effectiveness is best correlated to their hability to anatagonize dopamine (DA) transmission by competitively blocking DA receptors or by inhibiting DA release” (pp. 451).
nem toda a gente sente esta acção positivamente, sendo que a perspectiva, quase sempre da própria profissão médica, é considerar relevante o facto das pessoas poderem não estar internadas e, portanto, “controladas”. Acrescentaremos nós que, para muitas pessoas, esta acção de “distanciamento” é percebida como uma outra maneira de estar fora da realidade. Depois de uma primeira fase, em que esta acção terá sido percebida como aliviadora, positiva, a pessoa poderá começar a sentir-sedesagradavelmente “distanciada”. Há, ainda, um outro potencial problema: não ligar aos problemas poderá acarretar, com o tempo, consequências nefastas. Daí, também, o interesse que em algum países tem merecido a implementação de programas psicológicos combinados com o uso de antipsicóticos, casos do Reino Unido e Espanha, só para dar dois exemplos mais perto de nós.
OS SINTOMAS POSITIVOS. Tradicionalmente, a esquizofrenia tem sido caracterizada como tendo sintomas positivos e sintomas negativos. Os primeiros referem-se a excessos, como o caso das alucinações e dos delírios. O segundo tipo de sintomas refere-se a défices: o isolamento social e a apatia são dois exemplos. Sem dúvida que é em relação aos primeiros que estes fármacos têm sido úteis. No entando, deverá esclarecer-se que é frequente as pessoas continuarem a ter os delírios e alucinações, só que não são perturbadas por elas (Healy, 2005).
OS SINTOMAS NEGATIVOS. Embora seja habitual encontrar referências aos antipsicóticos ditos da segunda geração apontando-os como especialmente úteis, comparativamente aos anteriores, no caso dos sintomas negativos, a verdade é que tal parece não ter consistência nem empírica nem clínica (provavelmente resultará de uma acção de marketing farmacêutico). Aliás, Healy (2005) diz mesmo: “This new agents have receptor profiles very like chlorpromazine” (pp. 10). Healy atribui as mudanças positivas nas pessoas, que passam dos antigos antipsicóticos para os modernos, a mudanças nas doses prescritas, já que,
tradicionalmente, os primeiros costumam ser prescritos em doses muito elevadas.
A PRESCRIÇÃO DOS ANTIPSICÓTICOS (DOSES)
Embora podendo existir diferenças entre os prescritores, em função de práticas consagradas em diferentes países, ou consoante a prescrição é feita em internamento ou em ambulatório, existem preceitos gerais quanto a este assunto, internacionalmente considerados como linhas de orientação (guidelines).
Tradicionalmente, os “neurolépticos” eram prescritos em doses muito elevadas, frequentemente em regimes de megadoses, como consequência de se acreditar haver um problema de actividade, excessiva, de dopamina (Healy, 2002; 2005). Em certa medida, esta prática ainda se verifica em internamentos, onde a opção, muitas vezes, é começar logo em doses muito elevadas, se bem que a evidência seja de que a sua utilidade terapêutica aconteça com doses muito mais baixas, como de resto tende a acontecer actualmente, quando em regime ambulatório.
Em termos indicativos, Healy (2005) sugere as seguintes dosagens para os antipsicóticos:
1) Clorpromazina (de 50mg duas vezes ao dia até 100mg quatro vezes ao dia)
2) Haloperidol/Flupentixol (de 1mg por dia a 5mg quatro vezes ao dia)
3) Supiride (de 100mg duas vezes ao dia a 200mg quatro vezes ao dia)
Os antipsicóticos de segunda geração são prescritos em doses francamente mais baixas, aliás em consonância, também, com a evidência de que é em doses mais baixas que são mais úteis. Socorrendo-nos, ainda, de Healy (2005), indicamos as seguintes dosagens indicativas para estes fármacos:
1) Risperidona (1-6mg ao dia)
2) Olanzapina (10-20mg ao dia)
3) Clozapina (400-600mg ao dia)
Como frequentemente os antipsicóticos não permitem resultados satisfatórios,4 há a prática de lhes associar outros fármacos (benzodiazepinas, antidepressivos, anticonvulsivantes, ou mesmo outros antipsicóticos). Por outro lado, sabendo-se dos riscos e problemas que este tipo de fármacos comporta, a boa prática consistirá, exactamente, em prescrever as doses mínimas possíveis, devendo, sempre que possível, a farmacoterapia ser combinada com terapias psicológicas (Healy, 2005).
Os antipsicóticos podem originar uma grande variedade de reacções adversas. Essas reacções poderão estender-se à generalidade dos sistemas corporais. Uma das consequências mais graves é o chamado síndroma neuroléptico tardio: Catatonia, disartria, febre, mudanças na pressão sanguínea, rigidez muscular, estupor e taquicardia, são algumas das características possíveis deste síndroma, que pode mesmo ser fatal.
SINTOMAS EXTRAPIRAMIDAIS INDUZIDOS POR NEUROLÉPTICOS (SEP)
Tomados como um conjunto, os vários distúrbios poderão agrupar-se num vasto padrão de REACÇÕES OU SINTOMAS EXTRAPIRAMIDAIS. Segundo Pagliaro & Pagliaro (1998), cerca de 30% das pessoas medicadas com “antipsicóticos” desenvolvem algum tipo de reacção extrapiramidal. Numa população clínica de 4000 pessoas tratadas com neurolépticos, Ayd (1991, citado por Cohen, 1997) estimou em cerca de 62% a percentagem de pessoas afectadas por SEP desencadeados por aquele tipo de medicação.
Uma das particularidades mais perturbantes nos SEP é a sua semelhança com distúrbios psicopatológicos comuns. Daí que possam não ser reconhecidos como provocados pela própria medicação e ser atribuídos a outras causas. Daqui resulta, frequentemente, que as pessoas são reforçadas nessa mesma medicação ou iniciadas noutras medicações. Acrescente-se que, além do mais, estes SEP são muitas vezes irreversíveis (mesmo depois de retirada da medicação).
As reacções extrapiramidais incluem a ACATÍSIA (impossibilidade da pessoa estar quieta, não conseguindo manter-se sentada em sossego ou dormir), DISQUINÉSIA (perturbação nos movimentos musculares voluntários), DISTONIA (ocorrência de súbitos espasmos musculares, particularmente afectando a cabeça e pescoço) e outros, como a lentificação da fala, a hipersalivação (a pessoa “baba-se”), o PARKINSONISMO (com bradiquinésia, fazer “caretas”, rigidez no rosto, tremores).
De notar que cada um destes síndromas pode ocorrer isoladamente ou concomitantemente com qualquer um dos outros. Qualquer um deles, para além do mais, poderá aparecer em qualquer momento do tratamento com neurolépticos (podem ser dias ou meses após o início da sua toma).
Vejamos agora uma descrição mais pormenorizada da maior parte destes distúrbios.
A DISQUINÉSIA TARDIA6
DISQUINÉSIA TARDIA (DT) designa um conjunto de alterações, ao nível do movimento, podendo envolver à volta de 25 tipos de movimentos anormais, eventualmente irreversíveis, induzidas maioritariamente pelos neurolépticos,7 tendo assim sido nomeadas pela primeira vez por Faurbye, em 1964. Na verdade, logo no princípio da sua utilização, tanto Delay como Deniker (e logo a seguir por muitos outros), constataram diversas das alterações neurológicas associadas à TD. Apesar disso, e como Peter Breggin (1997) salienta, a instituição psiquiátrica e a indústria farmacêutica levaram muito tempo reconhecer este problema, embora muitos psiquiatras continuassem a chamar a atenção e a lutar para o seu reconhecimento. De tal modo, que apenas em 1973 o AMERICAN COLLEGE OF NEUROPSYCHOPHARMACOLOGY/FOOD AND DRUG ADMINISTRATION TASK FORCE dos ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA produziu um relatório especial consagrando, em definitivo, a existência da DT e alertando para os seus perigos. Actualmente, ainda existe quem pense que aqueles problemas raramente acontecem com os novos antipsicóticos. Porém, salientar que qualquer antipsicótico, incluindo os chamados “atípicos” como a CLOZAPINA (LEPONEX) ou a RISPERIDONA (RISPERDAL), tem capacidade para originar este distúrbio.
A DISQUINÉSIA TARDIA costuma começar por se manifestar através movimentos incontrolados no rosto, língua e olhos, lábios, boca,
6 A designação “tardia” significa que o distúrbio aparece algum tempo, eventualmente meses, após a pessoa ter começado uma medicação “antipsicótica”. Quando o distúrbio surge mais rapidamente, designa-se “agudo”. Todos os distúrbios que se seguem podem aparecer rapidamente (isto é, podem ser agudos).
Atualmente é já assente que os “antidepressivos”, nomeadamente os ISRS também possam induzir DT.
. Os tremores e os enrolamentos estão entre os primeiros sintomas que habitualmente são primeiramente desencadeados. Vários tipos de movimentos com a língua são vulgares, podendo chegar a provocar danos no céu-da-boca. Também se podem envolver nestes movimentos as mãos, os pés, os dedos, as pernas, as costas.
Quanto aos movimentos, estes podem assumir a forma de contorções, tiques, espasmos, tremores, podendo mesmo afectar a respiração e a fala. Embora estes movimentos tendam a desaparecer durante o sono, existem casos em que tal não acontece (Breggin, 1997). A ansiedade pode aumentar estes movimentos.
As principais complicações envolvem problemas respiratórios, problemas no andar e na postura, disfunções gastrointestinais, problemas de fala, resultando directamente de movimentos anormais que afectam certos músculos. Em idosos estas anormalidades afectando o esófago e o diafragma, podem ser fatais (Cohen, 1997).
FREQUÊNCIA DA DISQUINÉSIA TARDIA
Segundo um grupo de trabalho constituído pela ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, em 1980, a TD é uma doença séria, irreversível e muito frequente, que resulta do tratamento psiquiátrico com neurolépticos/antipsicóticos. Este grupo estimou o nível de prevalência para o tratamento habitual com estas drogas em pelo menos 10% a 20%. Para tratamentos longos o nível é calculado em pelo menos 40%. No entanto, estudos independentes apontam para percentagens muito superiores (Breggin, 2001; Healy, 2002, Cohen, 1997; Gunmullen, 2001), até porque frequentemente existe medicação simultânea com vários antipsicóticos. Acrescente-se, igualmente, que o risco de desenvolver-se TD aumenta nas crianças e nas pessoas idosas. Portanto, as percentagens reais de pessoas sofrendo de DT deverão ser muitíssimo mais altas do que as estatísticas mais divulgadas. Cohen (1997) apresenta uma série de pesquisas que mostram a complexidade e a gravidade do assunto. Num desses estudos, por exemplo, calcula-se que nos EUA entre noventa mil e seiscentas pessoas, e vinte e cinco mil pessoas sofre de TD irreversível em cada ano. A DISQUINÉSIA TARDIA tende a tornar-se irreversível.
A DISTONIA TARDIA e a ACATÍSIA TARDIA podem ser consideradas variantes da DISQUINÉSIA TARDIA. A DISTONIA TARDIA envolve movimentos involuntários de torcer, geralmente lentos, afectando a língua, o pescoço, a face, o tronco, ocorrendo dificuldades respiratórias (distonia da laringe). Podem surgir severos torcicolos, causando muita dor e perturbação.
Também são passíveis de ocorrer espasmos dolorosos, que impedem a pessoa de levar uma vida normal. Estes espasmos podem acontecer tão continuamente que a pessoa fica literalmente impedida de levar uma vida normal. Esta síndrome tende a ocorrer com igual frequência em jovens e idosos. Por outro lado, a chamada DISTONIA AGUDA (por se manifestar entre uma hora e cinco dias após começar a medicação) pensa-se ocorrer em cerca de 10% das pessoas.
ACATÍSIA TARDIA
A ACATÍSIA TARDIA pode ser considerada como um dos distúrbios mais graves induzidos por neurolépticos, sendo igualmente o mais frequente (algumas estimativas chegam a apontar para 76%), envolvendo um sentimento interno de tensão, ansiedade, ou angústia, impelindo a pessoa a estar em constante movimento, seja com os pés, seja com outras partes do corpo. Alguns estudos apontam para níveis de prevalência entre 10 e 20% (ver Breggin, 1997; Breggin & Cohen, 1999), mas é provável que seja mais elevada, como disse mais atrás.8 Infelizmente, este grave distúrbio costuma ser confundido com sintomas comuns de ansiedade, daí decorrendo que os prescritores tendam a aumentar ainda mais a medicação. De facto, os sintomas de ACATÍSIA usualmente aparecem muito rapidamente após o começo de tomada de neurolépticos (no espaço de horas ou de alguns dias). Segundo Cohen (1997), nos EUA mais de 3% das urgências hospitares resultam de
8 Como veremos, o mesmo sucede com os “antidepressivos” (ainda que em menor número, ao que tudo indica).
ACATÍSIA, sendo que em casos mais severos têm ocorrido suicídios e homicídios (Cohen, 1997; Breggin, 1999; Breggin, 2001). Tomando especificamente em consideração a ACATÍSIA TARDIA, deve acrescentar-se que resiste a qualquer tratamento e que tende a persistir mesmo após a retirada da medicação (Cohen, 1997). É um problema particularmente grave.
O SÍNDROMA MALIGNO DO NEUROLÉPTICO (SMN) designa um conjunto de alterações pouco frequentes, embora muitas vezes fatais, resultantes do consumo de neurolépticos. Pensa-se estar relacionado com a diminuição muito acentuada de DOPAMINA, mas não há a certeza (Pagliaro & Pagliaro, 1999). Esse conjunto de alterações incluem catatonia, disartria,9 febre, flutuação da pressão sanguínea, rigidez muscular, estupor,10 taquicardia. Quando ocorre é considerada uma emergência médica, visto que 20% das pessoas que desenvolvem SMN, e não são logo tratadas, acabam por falecer. O tratamento de emergência faz-se, por norma, com BROMOCRIPTINA (PARLODEL), que é um agonista da DOPAMINA, e DANTROLENO (DANTRIUM), um relaxante muscular.
COMPLICAÇÕES COGNITIVAS E PSICOSSOCIAIS DA DISQUINÉSIA TARDIA
É hoje sabido que o uso de antipsicóticos se acompanha de alterações cognitivas e psicossociais. Disfunções mais ou menos sérias da memória e raciocínio são algumas das consequências documentadas (ver Cohen, 1997, para uma síntese mais abrangente).
Estão igualmente documentadas complicações psicossociais (algumas resultando directamente dos danos cognitivos), como pensamentos suicidas, elevados níveis de falecimentos, problemas vocacionais e profissionais. Lembremos que uma percentagem muito
Fala difícil e disfuncional devido a perturbação neurológica, afectando a língua ou outros músculos necessários para a fala. No entanto, a pessoa mantém-se mentalmente intacta, podendo ler e escrever.
10 Condição fisiológica ou psicológica em que a pessoa praticamente não reaje aos estímulos externos. Como se estivesse “desligada”.
acentuada das pessoas medicadas com antipsicóticos não é capaz de trabalhar. Isto sucede, em parte, porque a pessoa não pode concentrar-se, estar atenta, está permanentemente num estado de confusão mental, com sono, tonturas, vertigens, náuseas e, algumas vezes, num estado de estupor. Este estado mental alterado não é compatível com uma vida normal.
A DEMÊNCIA TARDIA E A PSICOSE TARDIA
Quem primeiro propôs o termo DEMÊNCIA TARDIA foram Wilson & al. (1983), para descrever mudanças no comportamento durante tratamento prolongado com neurolépticos, sendo consideradas as equivalentes comportamentais/psicológicas da DT (Cohen, 1997). De entre essas mudanças patológicas, destacam-se: falar muito alto, falar muito, discurso incoerente, euforia que pode muito rapidamente transformar-se em hostilidade, preocupações autísticas associadas por vezes com hiperactividade e atitudes inoportunas (a pessoa, por exemplo, mete-se na conversa de outras).
Têm sido diversos os psiquiatras (Breggin, 1990; Cummings, 1990) a chamar a atenção para o facto da DEMÊNCIA TARDIA, provocada por aquele tipo de medicação, poder ser uma variante da chamada DEMÊNCIA SUBCORTICAL. Esta refere-se a um abrandamento das funções cognitivas e motoras, perturbações da memória, problemas emocionais (nomeadamente depressão e apatia), bem como défices nas funções executivas (relacionadas com a regulação das mudanças nas atitudes mentais). Como refere Cohen (1997), os sinais de DEMÊNCIA SUBCORTICAL são especialmente visíveis em doenças do SISTEMA EXTRAPIRAMIDAL (como as doenças de PARKINSON e de HUNTINGTON), o que realmente sugere que a DEMÊNCIA TARDIA será uma variante da DEMÊNCIA SUBCORTICAL.
A PSICOSE TARDIA
11 Paradoxalmente, este estado de embotamento mental é quase sempre considerado como de “melhoria” por muitos/as profissionais de saúde, que apenas reparam que a pessoa, eventualmente, se tornou mais sossegada e diminuiu a actividade dita psicótica.
Esta tem sido igualmente associada ao uso crónico de neurolépticos. Curiosamente, segundo alguns autores (Chouinard & Jone, 1980, citado por Cohen, 1997) poderá aparecer após redução ou retirada dos neurolépticos, revelando a existência já de uma elevada tolerância aos neurolépticos, que a pessoa então necessita para manter o efeito antipsicótico. Na fase final deste grave distúrbio, já nada consegue aplacar essa actividade psicótica (Cohen, 1997).
Tomando por base diferenças nas particularidades farmacológicas dos antipsicóticos (nomeadamente, os da primeira e segunda gerações), Healy (2005) considera as reacções adversas em função de serem resultantes da acção no sistema da dopamina, dessas reacções não estarem não relacionadas com efeitos nesse sistema, ou, ainda, de serem específicas aos antipsicóticos ditos da segunda geração. Nestes últimos haverá mais problemas cardiovasculares, diabéticos, epilépticos e suicídio (estes problemas variam consoante os deferentes fármacos
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4 comentários:
Pesquisei em seu site e gostei muito da explicação sobre os antipsicóticos. Sou Português e contrai uma psicose em Janeiro, se soubesse das contra indicações preferia ficar sem os tomar. A minha vida tornou-se num inferno, não consigo trabalhar, uma grande confusão instaurou-se na minha mente, com perda de memória e dificuldade em raciocionar, ainda por cima não consigo absorver a vida com o prazer de antes pois sinto-me todo bloqueado, agravado ao aumento de peso. Estou com algum receio de não recuperar as minhas faculdades cognitivas para niveis de antes. O Médico disse-me que depois da desistência da toma eu iria recuperar. No seu post fala em efeitos irreverssiveis , tenho algum receio de isso suceder, sabe-me dizer qual a probabilidade.
Prezado Jorge
Somente o seu médico poderá lhe responder a sua indagação.
Nosso site é apenas informativo.
Espero que vc se recupere como disse o seu médico.
Boa Sorte e muita saúde.
Antonio Brandão
Boa noite António Brandão...eu tb sou Português também tive duas psicoses uma em Janeiro de 2009 e outra em Agosto de 2009...porém tb sinto alguns sintomas cognitivos,,,se quiser trocar experiências informe-me o seu email.
Obrigado.-
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