Meritíssima, se a senhora quiser me libertar nessas condições, nós vamos ter problemas
Quem diria que, um ano e cinco meses depois, os procuradores da Lava Jato pediriam a liberdade de Lula? O que aconteceu? O Brasil ficou louco como dizem alguns? Afinal, as coisas não andam batendo, como se diz:
— Gilmar virou a voz do garantismo, a Globo perdeu o protagonismo e não dita mais a agenda política do país, a principal política que o jornalismo da Globo faz agora é se calar, não noticiar (que coisa, hein?). In Fux we trust anda caladinho; o Fachin aha uhu é nosso resistente com a Lava Jato bravamente chantageado; Barroso virou um Rolando Lero solitário, uma redundância de si mesmo que não fala coisa com coisa; Fachin parece aflito, como alguém que não sabe nadar vendo a maré subir, por enquanto atende ao dono do bote que o chantageia, mas se borra com a água da Vaza Jato cada vez mais molhando sua bunda sob a toga dos covardes; Rosa Weber está esperando para aonde vai a maioria (esta não mudou muito); Moro assumiu seu destino entre a mediocridade e a nulidade submissa (tanto pra acabar assim) enquanto se embriaga na noite de Brasília; Deltan (power point) mudou de nome para Dinheirol e vive em estado de sonambulismo tarja preta, lidera o MSP (Movimento dos sem Palestras); a juíza Carolina, carrasca e arrogante, Lebbos está brigando, com a fúria de costume, para assinar a ordem de soltura coercitiva de Lula.
Cadê as frases feitas de Carmem Lúcia, a poesia de Aires Brito, o histrionismo “peruquento” de Fux, a ira “holofótica” de Joaquim Barbosa? O procurador-geral da República, poderoso chefão que tudo comandou, em crise de abstinência midiática, virou um homicida-suicida, aspirante a escritor de best-sellers de banca de jornal, um louco que prefere perder tudo menos as câmeras da imprensa, e por quê? O que aconteceu, mudaram o diretor do espetáculo da justiça e esqueceram de avisar? O Brasil ficou louco mesmo?
Não, mexeram com o animal político errado; deu tudo errado.
Anos e anos de ruptura institucional, medidas inovadoras de exceção, atropelos da lei, operações de TV, justiça Swatt de espetáculos hollywoodianos, assassinatos de reputações, condenações prévias na imprensa, prisões ilegais, coerções com japoneses contrabandistas, fábrica de delações, capas de morcego e punhos de renda com carradas de discursos em latim. Todo esse trabalho hercúleo para terminarem mais perdidos que cego em tiroteio, baratas tontas a se perguntarem “o que houve?”; macacos perdidos em queimadas na floresta deste Brasil terrível a que chegaram. Tudo isso para acabarem mais impotentes que a República do Paraná a cada matéria do Intercept, ou a Globo News sem a posse da narrativa, a Miriam Leitão e a Cantanhêde Massa Cheirosa querendo agora soltar o Lula é a mais completa tradução do nó que Lula deu nessa gente. O que deu errado, foi a Vaza Jato?, perguntará o idiota que sempre achou Lula um ignorante.
Não, foram anões brincando de fazer política com um gigante político da história. O tempo dos anões é o passo, o dia, a semana, o mês seguinte, o do gigante é lá na frente; a expectativa dos anões é a de estarem lidando com um semelhante, um que agiria como eles, mas não se trata do caso, é outro tipo de animal; neste caso, as vitórias são de Piro e o futuro é implacável; assim chegamos aqui.
O Brasil não está louco, só foi enganado, trapaceado, hipnotizado — plim plim, mas o golpe “deu ruim”, o tiro saiu pela culatra, resta aos golpistas clamarem por uma condução coercitiva (ao contrário?) para levar seu prisioneiro da prisão para casa, depois de tanto trabalho para prendê-lo. Que situação!
Lembro, quando Lula se entregou, as várias criticas a sua atitude. Analistas profissionais e de redes sociais se dividiram, a situação era confusa mesmo. Em um primeiro momento, temendo por tudo, eu fiquei mais contra do que a favor de sua rendição aos golpistas, mas não era uma certeza, uma opinião consolidada, era mais dúvida que certeza, por tudo o que envolvia, por se tratar de uma pessoa tão astuta quanto Lula. Fiquei admirado com a rapidez que alguns amigos construíram suas certezas quanto ao “grande erro” que Lula cometia ao se entregar.
Perguntem-se:
— Se Lula tivesse ido para uma embaixada e virado um youtuber como queriam, teríamos esse quadro atual? Lula teria levado as massas às ruas por meio do YouTube? Alguém acredita nisso? Se aposentadoria, carteira assinada, desemprego, repressão, violência policial, sucateamento da educação e do sistema de saúde, censura, destruição de Minc, Ancine, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Fim da Farmácia Popular, destruição do meio ambiente, não o fizeram.
Lula sabia que estava sozinho com sua militância naquele momento, que o tempo das massas tardaria mais, acelerou o tempo da história com o seu próprio martírio com uma altivez e combatividade desconcertantes, contrariou as negociatas criminosas entre a Lava Jato e seus réus imprimindo outra lógica, a da dignidade e da coragem do mártir abnegado, confiou no tempo da verdade histórica, como é um homem de estrela estranha obteve o auxílio surpreendente da Vaza Jato do Intercept e do oportunismo descarado de Moro ao virar ministro, ou de Dallagnol querendo abocanhar dois bi e meio da Petrobras.
Se voltarmos um pouco antes, constataremos que o xadrez já tinha se embaralhado no tabuleiro desde a campanha eleitoral. Julgar apressadamente é fácil, e o que não falta são apressadinhos de plantão. O Brasil é tão complexo e as pessoas são tão rápidas nas certezas.
Todo esse processo, que muitos assinalam a partir de 2013, mas em minha opinião vem do mensalão em 2006, visava a tirar a peça Lula do tabuleiro. Muita gente do eleitorado cirista e mesmo petista, amigos próximos, argumentavam que Lula deveria ter aberto mão da candidatura para construir outra opção eleitoral com mais tempo. Olhando agora, com a distância devida, em minha opinião não foi questão de antipetismo, como disse Luis Nassif, e nem de tempo, mesmo porque ele foi preso antes da campanha, e o antipetismo vem de antes; vencemos quatro eleições com antipetismo crescente e venceríamos a quinta não fosse Lula tirado do páreo, pensando assim que lógica tem capitular ao adversário, a lógica acertada de Lula foi: “vocês querem vencer trapaceando?, então terão que trapacear, eu não vou facilitar nada para vocês.” Lula acertou por vários motivos, mais tempo não lhe daria maior transferência de votos, não havia ninguém com tempo hábil de chegar a seu patamar eleitoral, a transferência teria sido menor, sua condição de preso político sensibilizou e trouxe mais votos a Haddad do que um tempo maior de campanha faria. Abrir mão da candidatura pacificamente seria se curvar a tudo que o adversário buscou por anos e anos sem lutar; sair de cena espontaneamente, no começo da campanha, seria, além de tudo, facilitar o jogo, naturalizar o golpe, dar normalidade a uma eleição fraudada em diversos aspectos. Lula esticou a corda até onde pôde, obrigando seus adversários a entregarem a farsa ao tomarem atitudes extremas.
Lula acertou naquele momento ao insistir em sua candidatura, obrigou a justiça a trocar os pés pelas mãos, todos os atos atrapalhados e arbitrários da justiça foram didáticos para começar a quebrar uma narrativa construída por dez anos de ativismo judicial.
Vivemos outro momento em que opiniões se dividem; jornalistas experientes argumentam dos dois lados, uns afirmam, com a mesma pressa, que ele deve aceitar a progressão de pena, outros que não; Lula diz que não, e, em minha opinião, acerta de novo.
Quando Lula se entregou muitos afirmaram que ele morreria na prisão, que não sairia mais de lá; um ano e cinco meses depois, os golpistas da Lava Jato, que fizeram de tudo para prendê-lo, querem que ele vá para casa. Dá o que pensar um pouco, não?
A batata ficou quente demais, sua quentura se espalhou pelo mundo, os maiores pensadores e estadistas do planeta visitam as dependências da Polícia Federal do Paraná e fogem do Palácio do Planalto, as cartas da trapaça foram sendo reveladas, a malandragem laranjeira da família Bolsonaro só não é vista por fanáticos, a malandragem da Lava Jato idem, não bastasse o escândalo dos dois bilhões e meio, a Vaza Jato revela a picaretagem em viva voz como uma novela semanal.
Posto tudo isso, a Globo não sabe o que fazer, a República do Paraná idem, o STF idem, a mídia oficial idem; o único consenso atual é que todos os citados querem obrigar Lula a ir para casa, acredite se quiser;
E a única pessoa que sabe exatamente o que fazer diz:
— Não, não assim, as condições eu defino, e, se me obrigarem, eu também sei o que fazer, basta-me transgredir vossas condições
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