10.10.2019

Kátia pede ao CNMP o afastamento de Dallagnol em nome do interesse público

Reinaldo Azevedo
09/10/2019 16h43
Kátia Abreu e Deltan Dallagnol: senadora pede que procurador seja afastado da Lava Jato. Ela não desiste com facilidade de uma peleja
A senadora Kátia Abreu (PDT-TO) entrou no Conselho Nacional do Ministério Público com um pedido de abertura de procedimento para a remoção do procurador Deltan Dallagnol, por motivo não disciplinar, da coordenação da força-tarefa da Lava Jato.
Para fazer o pedido, Kátia se ancora na Alínea b do Parágrafo 5º do Artigo 128 da Constituição, que faculta ao CNMP, por maioria, em nome do interesse público, a remoção de um membro que esteja ocupando alguma função especial. Também a autorizam a Lei 8.625, que institui o Estatuto do Ministério Público, e o Artigo 142 do Regimento Interno do Conselho, que diz literalmente: "Art. 142. A remoção por interesse público, quando não decorrente de sanção disciplinar, somente poderá ser iniciada ou avocada por decisão do Plenário, mediante provocação de qualquer autoridade ou cidadão."
Fica clara, assim, de saída a legitimidade da senadora para fazer tal pedido. Em sua petição, a parlamentar afirma: "o presente pedido de remoção por interesse público não representa um ato de hostilidade à 'Operação Lava Jato', mas sim uma medida que busca atender ao interesse público e conferir credibilidade à persecução penal conduzida pela Força Tarefa do MPF em Curitiba." A senadora sustenta que a manutenção de Dallagnol na coordenação afeta a credibilidade da força-tarefa. E em que ela sustenta a sua tese?
A petição apresenta a impressionante lista de nada menos de 17 procedimentos disciplinares que há contra o buliçoso procurador, a saber:
1 – Processo Administrativo Disciplinar nº 1.00898/2018-99: Manifestação pública indevida. Afirmação de atuação leniente de membros do Supremo Tribunal Federal. Entrevista concedida ao Jornal da CBN da Rádio CBN;
2 – Reclamação Disciplinar nº 1.00422/2019-93: Apuração dos fatos noticiados pelo sítio jornalístico "The Intercept", o qual revelou conteúdo de troca de mensagens entre autoridades submetidas à competência deste CNMP (DELTAN DALLAGNOL e outros) e uma autoridade judicial à época dos fatos;
3 – Reclamação Disciplinar nº 1.00212/2019-78: Manifestações em redes sociais. Suposta violação do dever de imparcialidade. Interferência nas eleições para a Presidência do Senado Federal;
4 – Reclamação Disciplinar nº 1.00428/2019-15: Suposta violação de sigilo funcional proveniente de publicações em redes sociais. Conduta incompatível com o cargo ou função;
5 – Reclamação Disciplinar nº 1.00214/2019-85: Suposta violação do dever funcional na celebração de acordo para criação de fundação de combate à corrupção.
6 – Reclamação Disciplinar nº 1.00490/2019-06       Apuração de suposta conduta irregular nos ritos e investigações de processo criminal. Suposto conluio entre Procuradores da Força Tarefa em Curitiba e o então Juiz Federal Sérgio Fernando Moro, nos ritos e encaminhamentos das investigações, revelado por meio das reportagens do portal da internet "The Intercept Brasil", no Jornal Folha de São Paulo, no canal "O É da Coisa", na rádio Band News e na Revista Veja;
7 – Reclamação Disciplinar nº 1.00591/2019-97: Apuração de suposta perseguição clandestina a Ministro do Supremo Tribunal Federal;
8 – Reclamação Disciplinar nº 1.00699/2019-61: Apuração de suposta atuação irregular. Eventual perseguição político partidária;
9 – Reclamação Disciplinar nº 1.00509/2019-15: Apuração de supostas ilegalidades praticadas por membros na Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba;
10 – Reclamação Disciplinar nº 1.00546/2019-32: Apuração de suposta atuação irregular na utilização de recursos oriundos de processos decorrentes da Operação Lava Jato;
11 – Reclamação Disciplinar nº 1.00555/2019-23: Apuração de suposta conduta irregular no cumprimento de funções públicas e recebimento de vantagens pessoais por parte de integrante da Força Tarefa da Lava Jato;
12 – Reclamação Disciplinar nº 1.00560/2019-08: Apuração de suposta atuação irregular. Percepção de valores por palestra e gravação de vídeo promocional;
13 – Reclamação Disciplinar nº 1.00572/2019-51: Apuração de eventual falta funcional. Suposta realização de investigação ilegal e inconstitucional contra ministros do Supremo Tribunal Federal;
14 – Reclamação Disciplinar nº 1.00579/2019-37: Suposta conduta incompatível com o cargo. Apuração de eventual participação na contratação de publicidade veiculada em outdoor;
15 – Reclamação Disciplinar nº 1.00586/2019-10: Apuração de suposta atuação incompatível com o cargo. Eventual tentativa de investigação de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
16 – Reclamação Disciplinar nº 1.00589/2019-81: Representação subscrita em face de membros do Ministério Público Federal (MPF) integrantes da Força Tarefa Lava Jato;
17 – Reclamação Disciplinar nº 1.00698/2019-08: Apuração de suposta atuação irregular. Suposta formulação de pedido de impeachment em face de Ministro do STF
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Kátia lembra ainda o espantoso caso do uso indevido que a força-tarefa pretendia dar a multa paga pela Petrobras, que previa até a utilização de parte dos R$ 2,5 bilhões para a criação de uma fundação privada. A própria Procuradoria Geral da República recorreu contra o acordo espúrio, e liminar do ministro Alexandre de Moraes suspendeu a patuscada. A senadora transcreve trecho da ação movida pela PGR: "Basta verificar que aqueles membros da Força-Tarefa, assumiram compromissos administrativos e financeiros pelo Ministério Público Federal, falando pela própria instituição sem poderes para tanto, de conduzir todas as etapas do processo destinado à constituição de uma fundação de direito privado".
Afirma a senadora:
"A gravidade dos atos praticados pelos membros Força Tarefa do MPF em Curitiba – PR, sob orientação do ora representado, demonstram a falta de apego aos deveres constitucionais, legais e funcionais, para atuar dentro daquilo que entendem por certo, e geram nefastas consequências à ordem jurídica, notadamente pela usurpação de competência das mais diversas autoridades públicas brasileiras, conforme constatado pela própria Procuradora-Geral da República RAQUEL DODGE e o pelo eminente Ministro ALEXANDRE DE MORAES (…)"

Que fique claro: a senadora não está pedindo que Dallagnol sofra uma sanção disciplinar. Trata-se, reitera-se, de afastamento a função a bem do serviço público. As questões disciplinares obedecem a um outro rito. Como resta claro, Constituição, lei e estatuto do CNMP permitem tal procedimento.
É claro que a gente sente um pouco de vergonha alheia quando vê a lista de procedimentos que protocolados contra Dallagnol. E todos por bons motivos. Em todos eles — que remetem a fatos tornados públicos — encontramos um procurador e um coordenador da força-tarefa fora de sua função.
Para lembrar: o Conselho Nacional do Ministério Público conta com 14 titulares: além do procurador-geral, há três indicações dos MPs estaduais, e cada um dos seguintes entes indica um membro: Ministério Público Federal, Ministério Público Militar, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, STF, STJ, Senado e Câmara. Há ainda dois nomes escolhidos pela OAB. As indicações têm de ser referendas pelo Senado.
A situação hoje do Conselho é a seguinte: ativos mesmo, há 10 integrantes. Sandra Krieger, indicada pela OAB, aguarda a nomeação pelo presidente da República. Marcelo Weitzel Rabello de Souza, do Ministério Público Militar, tem de ter sua recondução avaliada pelo Senado. A apreciação de seu nome foi suspensa depois de os senadores terem rejeitado a recondução de Lauro Machado Nogueira e Dermeval Farias Gomes Filho, representantes, respectivamente, do Ministério Público Estadual e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Em agosto deste ano, os três votaram contra reclamação disciplinar apresentada pela própria senadora contra Dallagnol.
DIFICULDADES
Uma das dificuldades do Conselho é justamente esta: se vocês contarem nos dedos, oito dos 14 representantes são ligados a alguma esfera do Ministério Público. O apelo corporativista é grande

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