5.05.2010

Abaixo a ditadura da televisão


Fui chamado de maluco, minha mãe queria me presentear com um moderno aparelho, já conhecia cada detalhe do teto de casa, em pouco tempo li os livros Travessura da Menina Má (Mário Vargas Llosa), Trilogia Suja de Havana (Pedro Juan Gutiérrez ), Carta ao Pai (Franz Kafka) e Ernestina Ou As 7 Fases do Amor, de Stendhal .

Muito literário, mas em português claro minha televisão queimou, dispensei a Internet e decidi ficar pouco mais de dois meses assim: sem TV e marginalizado voluntariamente da grande rede.

O necessário - e também o desnecessário - de informações era consumido, engolido e nem sempre digerido durante o dia de trabalho.A recordação passou como um filme na minha cabeça na segunda-feira à noite, do lado de fora do centenário restaurante Aurora, em Botafogo.

A cerveja gelada, o contra-filé a bom preço e bom gosto, a conversa sobre como foi o dia, como seria a noite, o debate sobre o motivo de casais sentarem um de frente para o outro, o que impossibilita um abraço ou um beijo que seja. Pode parecer papo de mesa de bar. E realmente é.

Enquanto isso, no salão do Aurora, uma enorme televisão passava a novela das9. Casais lado a lado.


"Viu, minha teoria estava certa. Homem e mulher devem sentar lado a lado", pensei. Mas, não. Todos estavam virados e vidrados na televisão, no Rio resumido ao Leblon de Manoel Carlos.

Prato cheio para uma nova discussão.Afinal, qual o motivo de os bares e restaurantes colocarem televisões?

Ah, o futebol, sim, os jogos de futebol. Pode ser, mas quem quer assistir a um jogo sem ser importunado, sem ter de aturar Galvões Buenos espalhados pelas mesas, ironias de torcedores rivais, jamais assistirá à partida num bar ou botequim.

Na segunda-feira à noite, por exemplo, de longe dava para ver que no Informal, esquina e postura opostas as do Aurora, era reprisado o empate em 0 a 0 entre Flamengo e Goiás.

Acredito que nem o mais fanático rubro-negro gostaria de rever o tropeço.Bares tradicionais colocaram televisões nos salões.

Bar Brasil, Bar Lagoa, Adega Pérola, Panamá, entre muitos outros.

Num fim de tarde no Lamas, em um baita telão, passava Malhação. Um autêntico levantamento de chope com atrofia de cérebro.

Mesa de bar é lugar para reclamar do trabalho, discutir futebol e política, namorar, filosofar, rir, relaxar, tentar entender e discordar do fato de casais sentarem de frente, fazer planos, desfazer planos, esquecer dívidas, fazer novos penduras.

Mesa de bar não é lugar de ficar vidrado na TV, boquiaberto, não pela cerveja gelada, mas sim pelo galã da novela das 9 ou rir (se isso é possível) com as cacetadas do Faustão.

Abaixo a ditadura da televisão nos bares e botequins!PS: O grafite que ilustra o post está espalhado pelo Rio de Janeiro.PS1: Comprei uma nova televisão, mas sigo com a leitura.

Chico Buarque conseguiu agradar mais com Leite Derramado do que com o chato Budapeste.

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