2.10.2017

Brasil de Temer: o caldeirão social está fervendo



Nas noites cálidas do Jaburu,  com sua lagoa privativa, no gabinete envidraçado do  Planalto, ou mesmo em eventos, cercado pelo cordão de áulicos, Michel Temer parece não sentir o calor e a trepidação da fervura social que vai se alastrando pelo país. Quando as reformas previdenciária e trabalhista começarem a ser votadas, e a percepção das maldades que elas contêm se alastrar, haverá caldo entornando.  Já o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, mais atento o sismógrafo social,  falou grosso hoje, defendendo a presença do Exército nos estados e prometendo repressão aos protestos contras as reformas: “O movimento que quiser dialogar, dialogue. Mas o movimento que quiser fazer baderna, a gente tem que colocar a ordem.”
A violência  explode em Vitória, com mais de 100 mortos durante a greve da PM.  Lojas foram saqueadas, os ônibus pararam, um sindicalista foi assassinado hoje, a emissora afiliada à Rede Globo e outros veículos tornaram-se alvo de protestos.  A população evita as ruas.  Não há ministro da Justiça, o da Defesa está em Paris e Brasília se limita a enviar efetivos.
No Rio, novamente a  praça de guerra em frente à Assembléia Legislativa nesta quinta-feira, agora contra a privatização da Cedae para garantir o acordo com  o governo federal.   Vender a empresa de água e esgoto, em curso também no Paraná, é comprometer o futuro do abastecimento. Como lembrava ontem o senador Requião, é com os ganhos maiores nas capitais que elas investem nas cidades menores, onde o retorno é mais baixo. Em mãos privadas, tratarão apenas de lucrar.  A calamidade financeira castiga o Estado, os funcionários não recebe, a economia local parou e agora o governador também é acusado de ter recebido propina.   
Os presídios estão sob aparente controle mas as facções continuam em guerra e a qualquer momento voltarão a se enfrentar, matando e decapitando. O Exército, que não é polícia, tem como missão constitucional garantir a segurança nacional contra ameaças externas, virou pau para toda crise. Já foi utilizado para controlar ameaças de caos no Rio Grande do Norte, Amazonas, Espírito Santo e Rio de Janeiro.  A crise na área de segurança é latente em vários estados e aguda no Rio Grande do Sul, onde a violência campeia, com uma média de três assassinatos por dia em Porto Alegre.  Pelo que disse Padilha, é no Exército que o governo se agarrará para garantir “a ordem”. Até quando o Exército aceitará este papel?
A economia leva água para o caldeirão. Não adianta festejar uma inflação de 0,38% em janeiro, a menor da série histórica para o mês, se o emprego não aparece e a renda desaparece. Mais que o corte na taxa de juros, é a recessão que puxa a inflação para baixo. Se ninguém compra, quem vende tem que baixar o preço.
Mas o grande descalabro é  moral. Um ministro “do peito” indicado para o STF, um outro alvejado por duas liminares sustentando que a nomeação foi para garantir foro privilegiado (uma já derrubada, mas isso não suprime o efeito nefasto), os presidentes da Câmara e do Senado delatados, a comissão que sabatinará o indicado ao Supremo apinhada de investigados. E em Curitiba,  um Eduardo Cunha ameaçando incendiar o palheiro se não for logo liberado. 
O solo treme mas o governo segue tentando implementar a “solução Michel”:  delimitar a Lava Jato ao que já foi feito contra o PT e as empresas nacionais envolvidas.  Neste “novo normal” do Brasil, as panelas não batem e os movimentos que pediram a moralização nacional com a derrubada de Dilma não se movem.  Estão desfrutando da aragem do poder.
São outros os que podem fazer o caldeirão entornar. Os inocentes úteis que acreditaram em dias melhores e em moralização, os que  perderam o emprego na era Temer, os perderão os direitos e garantias com as reformas em marcha,  os que estão sentindo na pele os efeitos da derrocada.  Foi dirigida a estes a ameaça que Padilha fez nesta quinta-feira. Se protestaram, porrete.

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