Na novos diálogos entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol, revelados pela Folha em parceria com o Intercept, não fica nenhuma dúvida de que eles formavam um time e que o coordenador da força-tarefa do Ministério Público tinha uma atuação subordinada ao juiz.
Moro tinha também uma estratégia. Já sabia aonde queria chegar. Duas semanas e meio antes, em 4 de março, o então juiz havia ordenado a condução coercitiva de Lula.
Uma semana antes, ele havia dado publicidade às escutas telefônicas do caso, inclusive algumas de caráter privado e outras que, legalmente, deveria preservar ou destruir, como a interceptação que mostrava a fala da então presidente da república, Dilma Rousseff, com o ex-presidente Lula.
Por esse vazamento, que é ilegal, Moro havia sido repreendido pelo Supremo Tribunal Federal, que, no entanto, o manteve no caso, apesar da evidência de abuso.
Abuso que revelava parcialidade ou viés político da investigação.
“Não pode cometer esse tipo de erro agora”, disse Moro a Deltan Dallagnol.
O coordenador da força-tarefa se comprometeu com apoio.
“Saiba não só que a imensa maioria da sociedade está com Vc, mas que nós faremos tudo o que for necessário para defender Vc de injustas acusações”, escreveu.
Era como se o Robin estivesse conversando com o Batman, mas… Injustas?
A conversas entre Deltan Dallagnol e Moro não é própria da impessoalidade que deve marcar a condução de qualquer processo.
É preciso ter em mente de que, à época, havia um processo de impeachment em andamento. Um detalhe: processo de impeachment sem crime de responsabilidade.
Era a Lava Jato que criava o ambiente propício à derrubada de Dilma Rousseff. Deltan Dallagnol e Moro não falam, mas era isso o que estavam tentando manter: a aparência de que atuavam em um processo de maneira isenta.
Deltan Dallagnol dentro do princípio de custos legis. Ou fiscal da lei. Moro como o juiz que não tem nenhum interesse pessoal no confronto entre defesa e acusação.
Era tudo uma farsa, como se pode perceber em uma palavra da conversa entre Dallagnol e Moro: “declaradamente”.
Moro queria a interferência do Ministério Público Federal para acabar com um protesto do MBL em frente ao condomínio onde morava o ministro Teori Zavascki.
“Nao sei se vcs tem algum contato mas alguns tontos daquele movimento brasil livre foram fazer protesto na frente do condominio do ministro. Isso nao ajuda evidentemente”, diz Moro.
Pergunta: ajuda exatamente em quê?
Como um subordinado aplicado, Deltan Dallagnol se dispõe a fazer a vontade do juiz, mas pondera:
“Se quiser, vou atrás para ver se temos algum contato, mas, não sendo violento ou vandalizar, não acho que seja o caso de nos metermos nisso por um lado ou outro…”
Por fim, afirma:
“Não, com o MBL não. Eles ficaram meio “bravos” com a gente, porque não quisemos apoiar as manifestações contra o governo no ano passado. eles são declaradamente pró-impeachment.”
O MBL era a linha de frente de um processo golpista. Deltan e Moro trabalhavam para manter a fervura, mas não podiam ser vistos assim pelos tribunais superiores.
Em outras palavras, não podiam ser “declaradamente” pró-impeachment, como os “tontos” do MBL.
As planilhas foram colocadas sob sigilo, enquanto o processo de impeachment avançava. No dia 17, a Câmara tinha escolhido os membros da comissão que conduziria os trabalhos de acusação.
No dia 30, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior, dois dos autores do pedido de impeachment, prestavam seu primeiro depoimento àquela comissão, para falar do “horror” que representavam as manobras contábeis que seriam o pretexto para afastar a presidente eleita com mais de 54 milhões de votos.
No meio do caminho, a Polícia Federal fez a lambança que deixou Moro, um estrategista, preocupado.
“Não pode cometer esse tipo de erro agora”, diz.
A preocupação dele não era, evidentemente, com justiça, mas com o que acontecia na Câmara dos Deputados.
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