9.26.2014

"Sonho que sejam independentes", diz mãe de gêmeos siameses

Após quatorze passagens pelo centro cirúrgico, irmãos nascidos em Goiânia podem ser separados ainda este ano

Desde que seus filhos Arthur e Heitor nasceram, há cinco anos, a professora Eliana Ledo Rocha de Brandão, 37 anos, viaja da cidade de Riacho de Santana, na Bahia, a 720 Km de Salvador, para Goiânia, acompanhando as crianças nas várias etapas do tratamento que visa separar os gêmeos siameses.
Desde que iniciaram o tratamento, os meninos – que são unidos por parte do tórax, abdômen e bacia – já passaram por sete cirurgias. A última foi este mês, para colocação de expansores de pele – bolsas de silicone que vem conectadas a uma válvula, colocadas debaixo da pele, que são infladas –  etapa necessária para criar as condições ideais para a cirurgia final de separação, que pode acontecer este ano ainda. 
Eliana sonha com a independência dos filhos
Foto: Arquivo pessoal
Eliana conta que descobriu que os filhos eram siameses ainda durante a gestação, por volta do quinto mês, e desde então buscava informações sobre a condição dos gêmeos. “Foi um choque muito grande, porque a gente não esperava. Eu achava que aqui no Brasil seria o primeiro caso, porque eu nunca havia ouvido falar”, confessa. Ela e o marido começaram a fazer pesquisas na internet, e ficaram sabendo do trabalho realizado na área pelo cirurgião Zacharias Calil, em Goiânia. “Entramos em contato com ele e decidimos vir para cá, mas antes fomos também a Salvador”, contou. 
Os gêmeos nasceram em Goiânia, para onde a família veio um mês antes do nascimento. Desde então são acompanhados pelo médico, que é considerado referência nacional e internacional neste tipo de cirurgia complexa, realizada em um hospital da rede pública estadual, o Materno Infantil. “Com vinte dias do nascimento deles voltamos para a nossa cidade, e voltamos para Goiânia quando eles tinham um ano, para começar o processo de separação. Chegando, recebemos a notícia de que eles não tinham pele suficiente e começamos com o processo de expansão de pele”, detalhou. “Entre colocar e retirar expansor, e outros procedimentos,  eles já foram umas 14 vezes para o Centro Cirúrgico”, acrescenta a mãe das crianças. 
Segundo Eliana, seu grande sonho é que a cirurgia de separação dos filhos, que deve ser realizada em dezembro,  seja um sucesso. “Porque eu sei que o risco é muito grande, mas acredito que Deus está preparando o momento certo. O meu sonho é vê-los separados, porque eles não têm liberdade, quero dar independência para eles”, afirma.
De fato, segundo o cirurgião Calil, a cirurgia é mesmo de alto risco. “O risco é altíssimo. Em uma cirurgia normal já existe risco. Numa cirurgia desta, de separação de órgãos, é muito complicado”, explica o médico, informando que o índice de mortalidade é alto. “Hoje na literatura médica a sobrevida é de 6 a 20%. Aqui em Goiás, nós temos um índice de 50%”, detalhou. 
Arthur e Heitor têm cinco anos e já passaram pelo centro cirúrgico 14 vezes
Foto: Arquivo Pessoal
Geralmente, segundo o médico, a cirurgia de separação é indicada para ser feita em crianças de cerca de um ano de idade. “No caso de Arthur e Heitor, não conseguimos fazer a cirurgia ainda porque eles apresentam uma alteração da pele, não há pele suficiente para fazer o fechamento do abdômen e do tórax”, explicou. “Daí a necessidade dos expansores”, disse, citando a técnica trazida para o Brasil pelo cirurgião plástico Ivo Pitanguy. O caso de Arthur e Heitor será a décima primeira cirurgia de separação que Calil e sua equipe farão, desde que começaram a realizá-las, em 2000.  
Eliana diz que os filhos, apesar de serem muito pequenos, têm certa consciência do difícil processo que vivem, se preparando para a cirurgia de separação. “Eles sabem de tudo. A gente conversa muito com eles sobre esta questão da separação. Inclusive eles querem a separação. Não é uma imposição nossa, dos pais”, conta ela. “Quando a gente pergunta para eles se eles querem desistir, deixar tudo de lado, continuar do mesmo jeito, eles falam que não, falam que querem separar. Talvez não entendam a complexidade de tudo, de como vai ser, mas optaram por separar”, completa a mãe dos meninos.   
Arthur e Heitor nasceram unidos por parte do tórax, abdômen e bacia
Foto: Arquivo pessoal
Segundo Eliana, os filhos, que adoram assistir televisão, e principalmente, desenhar, demonstram vontade de  terem corpos individuais. “Eles sentem esta necessidade de liberdade. Poder ir e vir sem precisar da 'permissão' do outro”, acredita. Os meninos conseguem engatinhar, mas não andar, e se locomovem  em um carrinho adaptado, importado, que lhes foi doado. 
Eliana teve que pedir licença da escola pública de Ensino Fundamental onde dava aula  e passa longos períodos – até 9 meses, em uma  das ocasiões –  longe da cidade onde mora e do restante da família, abrigada na Casa do Interior, mantida pelo governo de Goiás. “Aqui temos um quarto,  alimentação, serviço de transporte, acompanhamento médico e até psicológico”, disse. Eliana conta que, se a cirurgia não fosse custeada pelo poder público, ela jamais teria condição de pagar por ela. “No Brasil, seu custo é alto, de R$ 800 mil reais”, diz o cirurgião Zacharias Calil.. 
Além de Arthur e Heitor, Eliana é mãe de Cecília, de 7 anos, e de Leonardo, hoje com 21, rapaz que veio para a família por afinidade e acabou sendo adotado. “Encontrei ele nesta Casa de Apoio, quando ele acompanhava sua irmã em um tratamento. Ela foi embora, mas ele não conseguiu viver sem os meninos, já que ajudava a gente bastante. Então, ele disse que, se a gente quisesse que ele ficasse, ele ficaria. Com isso, já são mais de três anos que ele está com a gente”, conta, emocionada, a professora. A outra filha e o marido, Delson Brandão, 33 anos, que também é professor, vem a Goiânia de vez quando passar alguns dias, geralmente em feriados prolongados. “Claro que a gente fica sentida, mas vale a pena, faria tudo de novo”, declara a mãe dos gêmeos, emocionada.  
Para Eliana, dentre as maiores dificuldades enfrentadas, além da necessidade de locomoção entre as duas cidades, está a saudade da filha, que fica com a avó. “Ela me acompanhou aqui na Casa durante um certo período antes de ir para a escola, mas agora tem que ficar lá na Bahia”, conta. 
A mãe de Arthur e Heitor disse que não sente preconceito das pessoas em relação a condição dos filhos. “Não sinto preconceito das pessoas, muito pelo contrário. Todo mundo que se aproxima deles a gente vê carinho. Pessoas que a gente nem conhecia e passou a conhecer aqui em Goiânia e que hoje temos ligação muito grande”, diz Eliana, citando a relação desenvolvida com o próprio médico que acompanha o caso, Zacharias Calil. “Ele é como se fosse um amigo da família, não o vemos apenas como um médico. É uma pessoa abençoada nas nossas vidas”, diz. 
Eliana diz que pretende, no futuro, após a cirurgia dos filhos, ajudar, com sua experiência, outras famílias que tenham que enfrentar uma situação semelhante a sua. “Trocamos experiências, aqui na Casa mesmo, com outras mãezinhas que vem para cá. Depois, continuamos a nos comunicar, vira uma grande família”, afirma. Ela acredita que a divulgação na imprensa do caso dos filhos ajuda a dar esperanças a muitas famílias. “Muitas pessoas já me disseram que através deste nosso caso encontraram esperança de também separar seus filhos”, diz.

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