Marlene Bergamo/Folhapress | ||
A presidente afastada, Dilma Rousseff, da entrevista exclusiva à Folha no Palácio da Alvorada |
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
COLUNISTA DA FOLHA
2,9 mil
Os garçons do Palácio da Alvorada ainda servem café quente para a
presidente afastada Dilma Rousseff. Na quinta-feira passada (26), ela
recebeu a Folha para uma entrevista e pediu que servissem também
"alguma comidinha". Foi prontamente atendida, mas reclamou: "Não tem pão
de queijo?".
Dilma, segundo assessores, segue mais Dilma do que nunca. Acorda cedo, despacha, dá bronca, exige pontualidade e se apega a detalhes.
Aparenta estar forte e até algo aliviada longe da rotina do Palácio do Planalto, de onde foi afastada depois que o Senado votou pela abertura do impeachment, há 18 dias.
Diz que não sente falta de nada. "Eu trabalho o mesmo tanto. Só que agora faço outras coisas", afirma.
Recebe senadores, deputados, ex-ministros. Com eles, participa de discussões em redes sociais. "Temos que defender o nosso legado. E com pouco recurso. Atualmente nós temos um blog. Ele nos consome", afirma.
Na semana passada, acompanhou cada detalhe da divulgação, pela Folha, de gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com os senadores Romero Jucá e Renan Calheiros e com José Sarney.
"As razões do impeachment estão ficando cada vez mais claras", afirma, sorrindo. As conversas revelam tentativas de interferir na Operação Lava Jato e a opinião de que, se Dilma saísse do governo, as investigações poderiam arrefecer.
Dilma não poupa críticas ao governo interino de Michel Temer e diz que ele terá que "se ajoelhar" para Eduardo Cunha, com quem "não há negociação possível".
Leia a seguir os principais trechos da conversa:
Dilma Rousseff - Pois não.
A senhora precisa ter 27 votos contrários a ele no Senado.
É melhor falar que precisamos de 30.
E só teve 22 na votação da admissibilidade. Acredita mesmo que pode voltar?
Nós podemos reverter isso. Vários senadores, quando votaram pela admissibilidade [do processo de impeachment], disseram que não estavam declarando [posição] pelo mérito [das acusações, que ainda seriam analisadas]. Então eu acredito.
Sobretudo porque as razões do impeachment estão ficando cada vez mais claras. E elas não têm nada a ver com seis decretos ou com Plano Safra [medidas consideradas crimes de responsabilidade].
Fernando Henrique Cardoso assinou 30 decretos similares aos meus. O Lula, quatro. Quando o TCU disse que não se podia fazer mais [decretos], nós não fizemos mais. O Plano Safra não tem uma ação minha. Pela lei, quem executa [o plano] são órgãos técnicos da Fazenda.
Ou seja, não conseguem dizer qual é o crime que eu cometi. Em vista disso, e considerando a profusão de detalhes que têm surgido a respeito das causas reais para o meu impeachment, eu acredito que é possível [barrar o impedimento no Senado].
A senhora se refere às conversas telefônicas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, com os senadores Romero Jucá e Renan Calheiros e com o ex-presidente José Sarney?
Eu li os três [diálogos]. Eles mostram que a causa real para o meu impeachment era a tentativa de obstrução da Operação Lava Jato por parte de quem achava que, sem mudar o governo, a "sangria" continuaria. A "sangria" é uma citação literal do senador Romero Jucá.
Outro dos grampeados diz que eu deixava as coisas [investigações] correrem. As conversas provam o que sistematicamente falamos: jamais interferimos na Lava Jato. E aqueles que quiseram o impeachment tinham esse objetivo. Não sou eu que digo. Eles próprios dizem.
E a crise na economia, a falta de apoio do governo no Congresso, não contaram?
O [economista e prêmio Nobel Joseph] Stiglitz fez um diagnóstico perfeito [sobre o Brasil]: a crise econômica é inevitável. O que não é inevitável é a combinação danosa de crise econômica com crise política. O que aconteceu comigo? Houve a combinação da crise econômica com uma ação política deletéria. Todas as tentativas que fizemos de enviar reformas para o Congresso foram obstaculizadas, tanto pela oposição quanto por uma parte do centro politico, este liderado pelo senhor Eduardo Cunha.
Pior: propuseram as "pautas-bomba", com gastos de R$ 160 bilhões. O que estava por trás disso? A criação de um ambiente de impasse, propício ao impeachment. Cada vez que a Lava Jato chegava perto do senhor Eduardo Cunha, ele tomava uma atitude contra o governo. A tese dele era a de que tínhamos que obstruir a Justiça.
A senhora então sustenta que o impeachment foi apenas uma tentativa de se barrar a Operação Lava Jato.
Foi para isso e também para colocarem em andamento uma política ultraliberal em economia e conservadora em todo o resto. Com cortes drásticos de programas sociais. Um programa que não tem legitimidade pois não teve o respaldo das urnas.
Não foi um equívoco político confrontar um adversário com tanto poder e influência no parlamento como Cunha?
Desde 1988, o PMDB foi o centro do espectro político. E participou da estruturação tanto dos governos do PSDB quanto dos governos do PT, sendo fator de estabilidade.
Mas, a partir do meu primeiro mandato, esta parte [PMDB] que era para ser centro passa a ter um corte de direita conservadora, com uma pessoa extremamente aguerrida na sua direção.
Você passa a ter, de um lado, 25% [dos parlamentares] ligados à ala progressista, outros 20% à ala que já foi social-democrata. E, no meio, 55% sob o controle do senhor presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha. A situação do Brasil, se isso não for desmontado, é gravíssima.
Mas era melhor cair a fazer um acordo político com ele?
Fazer acordo com Eduardo Cunha é se submeter à pauta dele. Não se trata de uma negociação tradicional de composição. E sim de negociação em que ele dá as cartas.
Jamais eu deixaria que ele indicasse o meu ministro da Justiça [referindo-se ao fato de o titular da pasta de Temer, Alexandre de Moraes, ter sido advogado de Cunha]. Jamais eu deixaria que ele indicasse todos os cargos jurídicos e assessores da subchefia da Casa Civil, por onde passam todos os decretos e leis.
A senhora se refere a nomeações do governo interino?
Podem falar o que quiserem: o Eduardo Cunha é a pessoa central do governo Temer. Isso ficou claríssimo agora, com a indicação do André Moura [deputado ligado a Cunha e líder do governo Temer na Câmara]. Cunha não só manda: ele é o governo Temer. E não há governo possível nos termos do Eduardo Cunha.
Não haverá, na sua opinião, governo Temer possível?
Vão ter de se ajoelhar.
Voltando à Lava Jato, houve pressão sobre a senhora para interferir na operação?
Era muito difícil fazer pressão sobre mim, querida.
Há relatos de pressão de Lula e do PT para que a senhora demitisse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Tanto não é verdade que José Eduardo saiu no final. E para o lugar dele foi um procurador [Eugênio Aragão].
Delcídio do Amaral afirmou em delação que a senhora indicou o ministro Marcelo Navarro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para ajudar a soltar empreiteiros presos.
É absurda a questão do Navarro. Eu não tenho nenhum ato de corrupção na minha vida. Não conseguirão [acusá-la]. Por isso escolhem seis decretos e um Plano Safra [para embasar o impeachment].
Há rumores de que o empreiteiro Marcelo Odebrecht acusará a senhora, em delação premiada, de ter pedido dinheiro a ele na campanha em 2014, o que teria resultado em pagamentos ao marqueteiro João Santana por meio de caixa dois.
Eu jamais tive conversa com o Marcelo Odebrecht sobre isso.
Nem com o João Santana?
Eu paguei R$ 70 milhões para o João Santana [na campanha de 2014], tudo declarado para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Onde é que está o caixa dois?
A senhora já teve quantos encontros com Odebrecht?
Muito poucos. Eu não recebi nunca o Marcelo no [Palácio da] Alvorada. No Planalto, eu não me lembro. Recordo que encontrei o Marcelo Odebrecht no México, o maior investimento privado do país é da Odebrecht com um sócio de lá. Conversamos a respeito do negócio, ele queria que déssemos um apoio maior. Uma conversa absolutamente padrão do Marcelo.
Dilma, segundo assessores, segue mais Dilma do que nunca. Acorda cedo, despacha, dá bronca, exige pontualidade e se apega a detalhes.
Aparenta estar forte e até algo aliviada longe da rotina do Palácio do Planalto, de onde foi afastada depois que o Senado votou pela abertura do impeachment, há 18 dias.
Diz que não sente falta de nada. "Eu trabalho o mesmo tanto. Só que agora faço outras coisas", afirma.
Recebe senadores, deputados, ex-ministros. Com eles, participa de discussões em redes sociais. "Temos que defender o nosso legado. E com pouco recurso. Atualmente nós temos um blog. Ele nos consome", afirma.
Na semana passada, acompanhou cada detalhe da divulgação, pela Folha, de gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com os senadores Romero Jucá e Renan Calheiros e com José Sarney.
"As razões do impeachment estão ficando cada vez mais claras", afirma, sorrindo. As conversas revelam tentativas de interferir na Operação Lava Jato e a opinião de que, se Dilma saísse do governo, as investigações poderiam arrefecer.
Dilma não poupa críticas ao governo interino de Michel Temer e diz que ele terá que "se ajoelhar" para Eduardo Cunha, com quem "não há negociação possível".
Leia a seguir os principais trechos da conversa:
*
Folha - Vamos começar falando sobre o impeachment.Dilma Rousseff - Pois não.
A senhora precisa ter 27 votos contrários a ele no Senado.
É melhor falar que precisamos de 30.
E só teve 22 na votação da admissibilidade. Acredita mesmo que pode voltar?
Nós podemos reverter isso. Vários senadores, quando votaram pela admissibilidade [do processo de impeachment], disseram que não estavam declarando [posição] pelo mérito [das acusações, que ainda seriam analisadas]. Então eu acredito.
Sobretudo porque as razões do impeachment estão ficando cada vez mais claras. E elas não têm nada a ver com seis decretos ou com Plano Safra [medidas consideradas crimes de responsabilidade].
Fernando Henrique Cardoso assinou 30 decretos similares aos meus. O Lula, quatro. Quando o TCU disse que não se podia fazer mais [decretos], nós não fizemos mais. O Plano Safra não tem uma ação minha. Pela lei, quem executa [o plano] são órgãos técnicos da Fazenda.
Ou seja, não conseguem dizer qual é o crime que eu cometi. Em vista disso, e considerando a profusão de detalhes que têm surgido a respeito das causas reais para o meu impeachment, eu acredito que é possível [barrar o impedimento no Senado].
A senhora se refere às conversas telefônicas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, com os senadores Romero Jucá e Renan Calheiros e com o ex-presidente José Sarney?
Eu li os três [diálogos]. Eles mostram que a causa real para o meu impeachment era a tentativa de obstrução da Operação Lava Jato por parte de quem achava que, sem mudar o governo, a "sangria" continuaria. A "sangria" é uma citação literal do senador Romero Jucá.
Outro dos grampeados diz que eu deixava as coisas [investigações] correrem. As conversas provam o que sistematicamente falamos: jamais interferimos na Lava Jato. E aqueles que quiseram o impeachment tinham esse objetivo. Não sou eu que digo. Eles próprios dizem.
E a crise na economia, a falta de apoio do governo no Congresso, não contaram?
O [economista e prêmio Nobel Joseph] Stiglitz fez um diagnóstico perfeito [sobre o Brasil]: a crise econômica é inevitável. O que não é inevitável é a combinação danosa de crise econômica com crise política. O que aconteceu comigo? Houve a combinação da crise econômica com uma ação política deletéria. Todas as tentativas que fizemos de enviar reformas para o Congresso foram obstaculizadas, tanto pela oposição quanto por uma parte do centro politico, este liderado pelo senhor Eduardo Cunha.
Pior: propuseram as "pautas-bomba", com gastos de R$ 160 bilhões. O que estava por trás disso? A criação de um ambiente de impasse, propício ao impeachment. Cada vez que a Lava Jato chegava perto do senhor Eduardo Cunha, ele tomava uma atitude contra o governo. A tese dele era a de que tínhamos que obstruir a Justiça.
A senhora então sustenta que o impeachment foi apenas uma tentativa de se barrar a Operação Lava Jato.
Foi para isso e também para colocarem em andamento uma política ultraliberal em economia e conservadora em todo o resto. Com cortes drásticos de programas sociais. Um programa que não tem legitimidade pois não teve o respaldo das urnas.
Não foi um equívoco político confrontar um adversário com tanto poder e influência no parlamento como Cunha?
Desde 1988, o PMDB foi o centro do espectro político. E participou da estruturação tanto dos governos do PSDB quanto dos governos do PT, sendo fator de estabilidade.
Mas, a partir do meu primeiro mandato, esta parte [PMDB] que era para ser centro passa a ter um corte de direita conservadora, com uma pessoa extremamente aguerrida na sua direção.
Você passa a ter, de um lado, 25% [dos parlamentares] ligados à ala progressista, outros 20% à ala que já foi social-democrata. E, no meio, 55% sob o controle do senhor presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha. A situação do Brasil, se isso não for desmontado, é gravíssima.
Mas era melhor cair a fazer um acordo político com ele?
Fazer acordo com Eduardo Cunha é se submeter à pauta dele. Não se trata de uma negociação tradicional de composição. E sim de negociação em que ele dá as cartas.
Jamais eu deixaria que ele indicasse o meu ministro da Justiça [referindo-se ao fato de o titular da pasta de Temer, Alexandre de Moraes, ter sido advogado de Cunha]. Jamais eu deixaria que ele indicasse todos os cargos jurídicos e assessores da subchefia da Casa Civil, por onde passam todos os decretos e leis.
A senhora se refere a nomeações do governo interino?
Podem falar o que quiserem: o Eduardo Cunha é a pessoa central do governo Temer. Isso ficou claríssimo agora, com a indicação do André Moura [deputado ligado a Cunha e líder do governo Temer na Câmara]. Cunha não só manda: ele é o governo Temer. E não há governo possível nos termos do Eduardo Cunha.
Não haverá, na sua opinião, governo Temer possível?
Vão ter de se ajoelhar.
Voltando à Lava Jato, houve pressão sobre a senhora para interferir na operação?
Era muito difícil fazer pressão sobre mim, querida.
Há relatos de pressão de Lula e do PT para que a senhora demitisse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Tanto não é verdade que José Eduardo saiu no final. E para o lugar dele foi um procurador [Eugênio Aragão].
Delcídio do Amaral afirmou em delação que a senhora indicou o ministro Marcelo Navarro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para ajudar a soltar empreiteiros presos.
É absurda a questão do Navarro. Eu não tenho nenhum ato de corrupção na minha vida. Não conseguirão [acusá-la]. Por isso escolhem seis decretos e um Plano Safra [para embasar o impeachment].
Há rumores de que o empreiteiro Marcelo Odebrecht acusará a senhora, em delação premiada, de ter pedido dinheiro a ele na campanha em 2014, o que teria resultado em pagamentos ao marqueteiro João Santana por meio de caixa dois.
Eu jamais tive conversa com o Marcelo Odebrecht sobre isso.
Nem com o João Santana?
Eu paguei R$ 70 milhões para o João Santana [na campanha de 2014], tudo declarado para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Onde é que está o caixa dois?
A senhora já teve quantos encontros com Odebrecht?
Muito poucos. Eu não recebi nunca o Marcelo no [Palácio da] Alvorada. No Planalto, eu não me lembro. Recordo que encontrei o Marcelo Odebrecht no México, o maior investimento privado do país é da Odebrecht com um sócio de lá. Conversamos a respeito do negócio, ele queria que déssemos um apoio maior. Uma conversa absolutamente padrão do Marcelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário