11.03.2012

Testes podem detectar esquizofrenia no 'olhar', indica estudo

Pesquisadores revelam método novo e mais simples para identificar a doença psicótica, com base no movimento dos olhos.

Testes de movimento dos olhos ajudam a detectar a esquizofrenia, um distúrbio psicótico caracterizado por perda de afetividade e da personalidade, alucinações e delírios de perseguição.
Segundo estudo divulgado na última quarta-feira e publicado pela Biological Psychiatry, um modelo de testes de olhar teve 98% de precisão em distinguir pessoas com e sem esquizofrenia.
A descoberta, dizem os pesquisadores, pode agilizar o diagnóstico da doença. Os autores do estudo, que pertencem à Universidade de Aberdeen (Grã-Bretanha), agora investigam se isso pode servir para que, identificado o mal, o tratamento dos sintomas seja feito com mais rapidez.
O estudo foi liderado pelos professores Philip Benson e David St Clair, que explicam que pesquisas prévias já indicavam a relação entre esquizofrenia e alterações no movimento dos olhos.
A pesquisa da Universidade de Aberdeen usou diversos testes de olhar, nos quais era pedido que voluntários acompanhassem com os olhos objetos que se moviam lentamente; que observassem uma variedade de cenas do dia a dia; e que mantivessem um olhar fixo sobre um alvo parado.
"As pessoas com esquizofrenia têm déficits já bem documentados na habilidade de acompanhar com os olhos objetos em movimento lento", explica Benson, em comunicado da universidade. "Seu movimento dos olhos tende a não acompanhar o objeto a princípio, e depois fazê-lo usando movimentos rápidos dos olhos."
O teste de cenas do dia a dia mostrou que "portadores de esquizofrenia têm um padrão anormal (de observação)", diz ele. No último teste, de fixar-se em um objeto parado, esses portadores "têm dificuldades em manter um olhar fixo".
A equipe de Benson e St Clair realizou seu estudo com 88 pacientes diagnosticados com esquizofrenia e 88 pessoas em um grupo de controle.
Diagnóstico clínico
Para Benson, "sabe-se há mais de cem anos que indivíduos com doenças psicóticas têm diversas anormalidades no movimento dos olhos. Mas, até a realização do nosso estudo, usando uma nova bateria de testes, ninguém pensou que essas anormalidades eram sensíveis o bastante para serem usadas como forma de diagnóstico clínico".
Seu colega St Clair explica à BBC Brasil que, atualmente, o diagnóstico da esquizofrenia é feito "apenas com (a análise) de sintomas e de comportamento", na ausência de exames de sangue ou de tomografias para isso.
"Se você tem sintomas de distúrbios, o diagnóstico é fácil. Mas há muitos pacientes (cujo diagnóstico) não é tão simples", agrega. "É (um procedimento) caro, que consome tempo e requer indivíduos altamente treinados. Em comparação, esses testes de olhar são simples, baratos e podem ser feitos em questão de minutos."
Segundo ele, isso significa que um modelo semelhante ao usado no estudo poderia ser aplicado em hospitais e clínicas. "O próximo passo é descobrir quando essas anormalidades são passíveis de serem detectadas pela primeira vez e se isso podem ser usado como pontos de referência para estudos de como intervir na doença".
Associações ligadas ao tratamento de esquizofrenia no Brasil dizem que a doença atinge 0,7% da população, o que pode equivaler a 1,2 milhão de pessoas.
Texto da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre) publicado no site do Programa de Esquizofrenia da Unifesp explica que a doença é causada "por alterações no funcionamento do cérebro e que traz grandes dificuldades sociais para a pessoa e sua família", por causar crises agudas que levam a delírios e alucinações.
BBC Brasil -

Os requisitos de uma psicopatologia do futuro assentam na exigência da ciência psiquiátrica
relativamente à necessidade de boas explicações das doenças psiquiátricas acompanhada de
uma compreensão das experiências dos doentes. Esse esforço, já em curso, tem-se centrado
na ligação conceptual e prática entre estas duas dimensões, traduzido na tentativa de ligação
entre os avanços das explicações neurobiológicas e das compreensões sofisticadas das experiências
pessoais e culturais dos doentes. No plano diagnóstico as estratégias têm-se dividido entre as
abordagens sintomatológicas, mais ou menos complexas, e as abordagens interpretativas, mais
ou menos sofisticadas.
Pelo seu carácter complexo e heterogéneo, a esquizofrenia, tem sido o centro de convergência
deste esforço integrativo dos dois tipos de abordagem atrás referidos. Por um lado, a abordagem
científica ou explicativa da esquizofrenia remete-nos para a pesquisa da causa primeira, razão
última dessa forma estranha e bizarra de estar no mundo. Muito se tem avançado nesse domínio,
sendo hoje consensual que a esquizofrenia é uma doença do cérebro, muito embora pouco
se saiba sobre as conjugações múltiplas dos mais variados factores que, in fine, acabam por
determinar o diagnóstico de esquizofrenia. Apesar disso, essa categorização é fundamental para
o estabelecimento de uma estratégia de intervenção adequada.
Esta abordagem, dita objectiva, nada diz sobre os processos individuais que caracterizam este
sujeito particular na senda da compreensão da sua forma de estar no mundo que, apesar da
singularidade da experiência individual, poderá lançar luz sobre a estrutura geral das experiências
comuns. É a análise fenomenológica que lida não apenas com o conteúdo da experiência
subjectiva mas também, e sobretudo, com a sua estrutura. Os seus critérios de validação não
são os mesmos que permitem juízos de histórias objectivas de natureza científica, tais como
validade e fiabilidade estatística ou o valor preditivo; são, antes, critérios mais apropriados à
natureza essencialmente pessoal, tais como a ressonância empática ou a plausibilidade introspectiva
(Robinson, 1985).
As análises desta natureza permitem um olhar holístico sobre a perturbação do comportamento
destes doentes, mesmo assim compatíveis com o modelo da vulnerabilidade/stress da esquizofrenia
e mostram-se muito úteis para o estudo dos estilos de vida de doentes esquizofrénicos com
longa evolução (Davidson e Strauss, 1992). Muitos destes estudos têm revelado fases durante
as quais ocorrem períodos de estabilização aparente que, segundo Davidson (1993), resultam
de um esforço da pessoa para encontrar um sentido funcional do seu eu, face à disfunção
provocada pelos sintomas psicóticos. Nesta óptica, nos momentos de mudança ao longo da
vida, especialmente quando a auto-estima e a percepção dos outros estão em questão, os
doentes esquizofrénicos apresentam dificuldades para lidarem quer com os outros quer com
as situações stressantes, enquanto que as suas necessidades cognitivas estão aumentadas. Nestas
situações a recuperação da estabilidade depende do grau de flexibilidade da pessoa, muito
Olhar a esquizofrenia e descobrir o senso comum...

O senso comum é o que nos permite uma compreensão interpessoal, como uma espécie de
quadro de referência em relação ao qual os nossos actos do dia-a-dia, especialmente aqueles
que envolvem tarefas comunicacionais, adquirem sentido (Schutz, 1964). Sendo o que define
continuamente a intersubjectividade, o senso comum implica o conhecimento de um conjunto
de "regras" de comportamento, as quais nos habilitam a medir e a pesar as coisas do mundo
(Tatossian, 1979; Varela et al., 1991) e a ter a noção da adequação dos nossos actos, principalmente
os de comunicação, no contexto da acção. Baseado num conjunto de axiomas definidos a priori
(axiomas do sentido do quotidiano), actualmente assimilados à chamada "teoria da mente"
(Leslie, 1987) ou "psicologia do senso comum" (Dennett, 1987), a noção de senso comum
liga-se à noção de "esquizofrenia reflexiva" enquanto conceito clínico.
Este conceito assenta na tese segundo a qual os doentes esquizofrénicos perderam o sentido
do senso comum (Bovet e Parnas, 1993; McEvoy et al., 1996), muito embora alguns deles tenham
uma ligação inflexível aos seus princípios e estejam continuamente a construir uma "teoria"
(Blankenburg, 1969, 1971; Tatossian, 1979; Parnas e Bovet, 1991). Talvez por isso, Ciompi (1991)
tenha sugerido que o défice no esquizofrénico não é cognitivo, mas metacognitivo.
Isto significa, no plano clínico, que são as conexões entre os diferentes domínios cognitivos do
senso comum que estão alteradas e não cada função cognitiva de per se, como Naudin et al.
(1997) muito bem salientaram. Isto é, o sentido do senso comum operará como um enquadramento
de referência se cada função cognitiva específica puder ser relacionada com outras funções
num único dado global específico. Aquilo a que Ciompi (1991) chamou a lógica afectiva ou que
Blankenburg (1971) designou por evidência natural, mas que também está, de algum modo ligado
ao conceito cognitivo de teoria da mente (Frith e Frith, 1991; Naudin et al.,1997). Na verdade,
esta teoria assegura a auto-compreensão e a compreensão dos outros como agentes intencionais,
pelo que constitui a base do senso comum. Algo que se desenvolve pelo 2º ano de vida, pelo
menos segundo Leslie (1987), e que se expressa através da nova capacidade intencional da
criança e da capacidade de desenvolvimento da compreensão das intenções dos outros, baseada
numa nova capacidade de meta-representação. Dada a perturbação desta capacidade nas crianças
autistas, Frith e Frith (1991) sugeriram que nos esquizofrénicos esta teoria da mente também
estivesse alterada, ao que Baron-Cohen (1995) designou por cegueira mental.
Este conceito de Baron-Cohen é extremamente útil para a compreensão deste tipo de problemas.
O autor baseia este conceito numa hipótese modular chamada leitura mental da nossa actividade
quotidiana para atribuir estados mentais a outros. Esta capacidade de leitura mental depende de 4
mecanismos específicos dedicados a (a) detectar as intenções dos outros, (b) detectar a direcção
do olhar, (c) partilhar a atenção e (d) elaborar uma teoria da mente. Podemos, de algum modo
afirmar, que esta hipótese modular constitui uma base naturalística do conceito husserliano de
intersubjectividade mas, mais importante, permite defender a hipótese da alteração electiva de
uma das partes e ultrapassar a inespecificidade dos modelos que defendem alterações funcionais
gerais, como o fez Frith e Corcoran (1996). Só que o método para evidenciar essas alterações
electivas terá de ser baseado em avaliações individuais, não com o propósito de confirmar a
validade empírica da hipótese modular da teoria da mente, mas antes para afirmar o seu valor
clínico. Na verdade a cegueira mental é importante para a avaliação clínica, na medida em que
os doentes possam fazer uma descrição autobiográfica dela.
A partir desses estudos, Davidson and Strauss (1992) sugeriram que alguns doentes eram
capazes de lidar com a doença através da produção de uma actividade teórica reflexiva (aquilo
a que Blankenbutg chamou o filosofar dos doentes). Nas palavras de uma doente, é possível
"aprender o trabalho da reabilitação”. Essa aprendizagem, em alguns doentes, é feita pela criação
artificial de uma teoria da mente, através da compilação de axiomas da vida quotidiana.
Este tipo de estudos é fundamental não só para complementar os estudos de avaliação
quantitativa dos défices cognitivos destes doentes, como também para afinar as estratégias de
reabilitação a cada doente singular. Para além disso, constitui uma abordagem compreensiva
da esquizofrenia, testável clinicamente, assente na premissa segundo a qual o défice esquizofrénico
está relacionado com o processo de constituição do sentido de senso comum e, nesse sentido,
não pode ser considerado um défice cognitivo, mas sim um défice metacognitivo. Esse défice
será parcialmente compensado e, muitas vezes, pode estar mascarado por uma adesão rígida
aos axiomas do senso comum que, no entanto, pode permitir uma ligação relativamente sólida,
embora distante, à realidade partilhada e aos outros.
O que me parece importante realçar neste tipo de abordagem é a sua implicação na investigação
neuropsicológica. Apoiada neste ponto de vista fenomenológico-clínico, aquela investigação terá
muito a beneficiar se proceder ao desenvolvimento do conceito de cegueira mental o qual, como
vimos, está muito próximo do conceito fenomenológico de perda da evidência natural.
Se até há algum tempo se dizia que a abordagem compreensiva tinha estagnado e pouco tinha
a dizer sobre a compreensão da esquizofrenia, actualmente temos alguns modelos de abordagem
e de investigação compreensiva que poderá permitir a conjugação dos dois tipos de metodologias,
que há muito vimos defendendo. Esse esforço poderá permitir que a investigação empírica
possa ser guiada pela investigação fenomenológica, o que acabará por tornar aquela mais
adaptada aos doentes singulares e, nessa medida, mais ajustada às estratégias individualizadas
de reabilitação.
Bibliografia citada
Baron-Cohen S (1995). Mindblindness. Cambridge: MIT Press.
Blankenburg W (1969): Ansatze zu einer (Psychopathologie des `common sense'). Conf. Psychiatr, 12:144-163.
Blankenburg, W (1971). La perte de l’évidence naturelle. Une contribuition à la psychopathologie des schizophrénies
pauci-symptomatiques (Ed. francesa de 1991). Paris : PUF.
Bovet P, Parnas J (1993). Schizophrenic delusions: A phenomenological approach. Schizophr Bull, 19:579-597.
Ciompi L (1991). Affects as central organising and integrating factors. Br J Psychiatry, 159: 97-105.
Davidson L (1993). Story-telling and schizophrenia: Using narrative structure in phenomenological research.
Humanistic Psychol, 21:200-220.
Davidson L, Strauss JS (1992). Sense of self in recovery from severe mental illness. Br J Med Psychol, 65:131-145.
Dennett D (1987). The Intentional Stance. Cambridge: MIT Press.
Frith CD, Corcoran R (1996). Exploring `theory of mind' in people with schizophrenia. Psychol Med, 26:521-530.
Frith CD, Frith U (1991). Elective Affinities in Schizophrenia and Childhood Autism. New York: New Brunswick
Press.
Leslie AM (1987). Pretense and representation: The origins of theory of mind. Psychol Rev, 94:412-426.

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