6.11.2013

' Só quero ser só mais uma aluna', diz índia estudante de medicina da UFSC


Estudante foi a primeira do curso a ingressar pelo sistema de cotas.
Fernanda largou graduação em enfermagem e se mudou para Florianópolis.

Géssica Valentini Do G1 SC
Fernanda foi a primeira indígena a ingressar no curso de medicina da UFSC por cotas (Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação) 
Fernanda foi a primeira indígena a ingressar no
curso de medicina da UFSC por cotas
(Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação)
No primeiro dia de aula, em 2010, a estudante de medicina da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Fernanda  Daretti Corrêa queria ser apenas mais uma aluna. Ela foi a primeira indígena a ingressar no seu curso pelo Programa de Ações Afirmativas e, com receio do preconceito, preferia não falar sobre o assunto. Três anos depois, com alguns episódios que prefere esquecer, ela continua mudando de assunto quando o tema é preconceito, mas atualmente faz questão de repetir com ênfase o orgulho que tem da etnia kaingang, da qual é descendente.
Ao contrário de outros índios que ingressaram na UFSC por cotas, Fernanda não nasceu em uma aldeia. Os pais, uma índia kaingang e um descendente de italianos, se conheceram em uma aldeia de Mangueirinha, no Paraná. Após o casamento, a mãe saiu da comunidade indígena. Depois, quando Fernanda estava com três anos, os familiares, da cidade e da aldeia, se mudaram para o Oeste de Santa Catarina. 
Fernanda conta que conheceu a cultura indígena através da convivência com a mãe e das férias na companhia da avó e outros parentes que ficaram na comunidade indígena, alguns em Chapecó, outros em Ipuaçu. "Aprendi cantar músicas na língua indígena, conheci rituais e  o respeito à tradição", diz.
Já a medicina ela decidiu cursar ainda na adolescência. No primeiro vestibular, Fernanda escolheu o curso de medicina, mas não conseguiu passar. Por isso, optou pelo o curso mais próximo do que queria e iniciou enfermagem em uma universidade particular do Oeste catarinense. Quando estava prestes a se tornar enfermeira, soube do sistema de cotas e passou no processo seletivo da UFSC.
Com a qualidade de estudo que tive, dificilmente conseguiria passar se não fosse por cotas"
Fernanda, descendente de kaingangs
Fernanda conta que na época era casada e mãe de Julia, atualmente com 11 anos, e a decisão envolvia toda a família. O marido a apoiou, já que ele também era estudante de medicina, então se mudou para Florianópolis. Durante a graduação ainda nasceu Bruno, hoje com 3 anos.
Apesar do empenho em conciliar a maternidade e a medicina, ao colocar o estetoscópio no primeiro paciente, no 3º semestre da graduação, ela diz que teve certeza de que não se arrependeria pela decisão de se mudar e ingressar no novo curso.
Fernanda diz que se sente privilegiada pelas cotas e que não teria conseguido passar se não existisse o Programa de Ações Afirmativas. “Com a qualidade de estudo que tive, dificilmente conseguiria se não fosse desta forma", diz, mas garante que, quando formada, quer retribuir a oportunidade de estudar em uma universidade pública com atendimento de qualidade. “Desde pequena, via que a saúde pública a povos indígenas era precária. Gostaria de ser diferente, de atender bem e dar um atendimento adequado”, conclui.

Nenhum comentário: