2.14.2011

Estatina para todos?

O uso da droga no  controle do colesterol de quem não tem problemas cardiovasculares conhecidos é questionado.

Em todas as pesquisas e estatísticas publicadas no Brasil, e na maioria dos outros países ocidentais, a causa mais frequente de mortes é a presença de doenças cardiovasculares, responsáveis por mais de 30% de todos os óbitos registrados na população. Infartos. Derrames. Perda de função de órgãos nobres, como os rins, levando à deterioração progressiva de sua serventia, à necessidade de tratamentos mais complexos, internações e até morte.
Nos últimos 20 anos, muito se aprendeu sobre os fatores que aumentam o risco de um indivíduo desenvolver as obstruções nas artérias, chamadas de aterosclerose. Placas de gordura e de inflamação se formam dentro dos vasos sanguíneos. Aumentam progressivamente de tamanho, diminuindo o espaço por onde pode passar o sangue, até obstruir por completo a artéria. Se for artéria do coração, leva ao infarto. Se for do cérebro, ao derrame.
Vários fatores têm correlação direta com a aterosclerose. Pressão alta, diabetes, obesidade, sedentarismo e tabagismo são os mais famosos. Um fator virou o vilão desta novela. O colesterol. Fácil de medir em um simples exame de sangue, o colesterol, e suas várias frações, faz parte integrante de qualquer avaliação clínica; qualquer check-up. Logo a seguir, as indústrias farmacêuticas introduziram medicamentos que conseguem reduzir a concentração do colesterol ruim. As estatinas. Hoje em dia, essas drogas são consideradas o tratamento de escolha para pacientes que já sofreram de problemas cardíacos. No entanto, suas indicações foram extrapoladas rapidamente, e pessoas sem problemas cardiovasculares conhecidos, estão recebendo rotineiramente estatinas, pelo simples fato de apresentarem, nos exames de sangue, o fatídico aumento do colesterol.
Os cientistas começaram a suspeitar do benefício de tal abordagem. Um estudo recentemente publicado por pesquisadores ingleses avaliou o impacto da administração de estatinas a pessoas sem doença arterial obstrutiva, sobre a evolução e a prevenção de morte por doenças cardiovasculares. Incluíram no estudo mais de 34 mil pacientes sorteados em dois grupos. Um recebeu estatinas, para diminuir o nível de colesterol no sangue, o outro recebeu somente placebo, tratamento sem efeito biológico. Ao término do estudo, e de muitos anos de seguimento, ficou claro que as estatinas conseguiram reduzir a mortalidade nesses pacientes, assim como a ocorrência de problemas graves, mas não fatais, como infarto, derrame e a necessidade de cirurgias cardíacas.
No entanto, ao olharem detalhadamente as fichas individuais dos pacientes incluídos no estudo, os cientistas perceberam que essas conclusões podem ter sido influenciadas por sutis erros de escolha e de distribuição dos pacientes entre os dois grupos. Outra observação que incomodou os cientistas foi perceber que mais de 92% de todas as pesquisas publicadas até hoje, sobre os benefícios de estatinas, foram patrocinadas pelas indústrias farmacêuticas. Apesar de todos os controles exigidos pela comunidade científica e médica mundial, os autores desse estudo, liderados pelo professor F. Taylor, reconheceram que existe uma tendência de as indústrias farmacêuticas relatarem, de forma seletiva, os estudos com resultados mais favoráveis.
Apesar das vantagens detectadas no uso de estatinas, os pesquisadores sugerem ainda cautela na indicação de tais medicamentos de forma rotineira, a pessoas sem risco elevado para doenças cardiovasculares. Os mesmos autores, em outro estudo publicado previamente, também questionaram as medidas educativas e comportamentais, como dieta, para a redução das chances de morte por infarto. Apesar de benefícios intuitivamente enormes, as evidências científicas ainda não suportam claramente sua disseminação. De acordo com eles, valeria a pena sempre discutir com o médico, detalhadamente, vantagens e desvantagens do uso de estatinas para controlar o colesterol.

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