7.01.2011

Os videntes corporativos

Quem não gostaria de ter uma bola de cristal para saber, de fato, o que aconteceria no futuro? E, principalmente, quais seriam as conseqüências das suas decisões. O que daria certo e o que daria errado. Quais seriam as tendências a seguir e quais deveriam ser abandonadas logo de cara. Assim evitaríamos tempo desperdiçado, fracassos e muuuuuitos micos. Infelizmente a ferramenta “bola de cristal” ainda não foi inventada pela Microsoft, mas fontes me dizem que a Apple está bem perto do seu lançamento. Ou seria um novo aplicativo do Facebook? Bem, enquanto ela não chega, temos que nos contentar em saber que ela não existe. O problema é que muitas pessoas não se contentam com isso. Acham que ela já existe, sim, e que está em suas brilhantes cabeças empresariais. Você duvida? Então leia algumas das frases abaixo:
”Máquinas de voar mais pesadas do que o ar são impossíveis” – Lord Kelvin, matemático, físico e presidente da Sociedade Real Britânica, em 1895.

”A Televisão não vai durar porque, logo, as pessoas irão ficar cansadas de olhar para uma caixa de madeira todas as noites” – Darryl Zanuck – produtor de cinema da 20th Century Fox, em 1946.

”O cavalo está aqui para ficar, mas o automóvel é apenas novidade, uma moda” – presidente do Banco de Michigan, alertando o advogado de Henry Ford para não investir na montadora, em 1903.

Todos esses “videntes corporativos” foram expoentes em suas épocas. Considerados líderes por seus pares. O problema é que o deixaram de ser no momento seguinte, quando suas previsões deram com os burros n’ água, como bem dizia o meu avô. No dia a dia das corporações, figuras “igualmente iluminadas” tendem a fazer os mesmos tipos de previsões. Todas baseadas no achismo.

É de fato impressionante como se ouve a expressão “eu acho que” nas reuniões e nos corredores do mundo corporativo. Em geral, vem seguidas de uma previsão ou de um diagnóstico totalmente embasado no seu próprio achismo. Para mim, ou se tem certeza do que está falando ou é melhor ficar de boca fechada. Como o futuro a Deus pertence, o que temos que fazer é analisar as tendências e traçar planos avaliando onde queremos chegar. E trabalhar duro para, com o radar ligado, chegar o mais próximo possível do alvo determinado.

Desconfio sempre de quem tem certeza absoluta das coisas. Principalmente quando essa certeza diz respeito a algo futuro. Na maioria das vezes, essas pessoas ou torcem para você esquecer que elas tinham certeza daquilo que acabou não acontecendo ou começam as conversas de explicação com o famoso “veja bem”. Ter certeza do em relação ao futuro, para mim, é escolher uma só porta para abrir e ignorar todas as outras possibilidades. A pessoa fica tão obcecada por confirmar a sua certeza que para de olhar em volta. Deixa ao mesmo tempo de experimentar novas opções como de aproveitar a viagem. O caminho sempre foi mais importante que o destino. É no caminho que se aprende. Ao destino só se chega.

Já perdi a conta das reuniões das quais participei e nas quais uma ideia (boa ou não, pois nem há tempo de ser mostrada) é morta a golpe de pancadas pelas “certezas absolutas” dos demais. Já abordei esse tema aqui de outras formas, mas sempre é bom repetir: na maioria das vezes, quanto mais novo for o profissional que dá a ideia, mas velhos serão aqueles que terão as certezas sobre o futuro. O engraçado é que serão essas mesmas pessoas, as das certezas, que depois tentam transformar os donos das ideias em futuros videntes corporativos. Esse é outro erro crasso. Não é porque alguém chegou mais perto da verdade que o fará com tanta precisão da próxima vez. O interessante de focar nas tendências é que elas dão o caminho, mas nem sempre a certeza de se chegar onde se quer.

O pior que se pode fazer com um profissional que apenas acertou mais do que os outros é colocá-lo no pedestal ou rotulá-lo de senhor do futuro. Isso porque, quanto mais alto for colocado, mais injusto será o mundo quando ele errar. E essa é a única certeza de que se pode ter: um dia ele vai errar. E, quando isso acontecer, passará a ser peça fora do baralho. Perde a sua credibilidade e passa para o hall daqueles que proferiram as frases acima.

O segredo é equilibrar seus acertos e seus erros. Funciona mais ou menos como a avaliação que o banco faz da sua conta corrente. O que vale é o “saldo médio” ao longo do tempo. É claro que se você ficar com a sua conta negativa em algum momento os juros correspondentes serão cobrados, mas a conta não será encerrada pois o banco sabe que ao longo dos anos você foi um bom cliente.

Só sei que todo dia rezo para encontrar menos “videntes” e mais avaliadores de tendências pela frente...

O Globo

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