12.09.2012

Israel enfrenta as Nações Unidas


Oriente Médio

O governo israelense retomou as obras em assentamentos nos territórios ocupados e reteve verbas do vizinho. Foto: Ahmad Gharabli/AFP
“Nada vai mudar”, pronunciou na quinta-feira 29, sem grande convicção o premier de ­Israel Benjamin Netanyahu, após 138 países votarem pelo reconhecimento da Palestina como Estado observador da Organização das Nações Unidas. Tratou-se de um passo crucial para a sonhada, ao menos do lado palestino, solução dos “dois Estados” baseado nas fronteiras de 1967.
Tudo não passou de um jogo de cena. Netanyahu logo voltou atrás e fez o contrário do prometido na ONU. Tomou medidas punitivas contra Mahmud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina que conseguiu a proeza nas Nações Unidas e agora é visto como um herói na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Um dia depois da votação em Nova York, o premier israelense anunciou a construção de 3 mil novas casas em Jerusalém Leste e na Cisjordânia, ou seja, em territórios ocupados da Palestina. Como se a medida não bastasse, no domingo 2 o governo israelense anunciou não pretender repassar aos vizinhos os fundos originários de impostos pagos pelos palestinos. Os 120 milhões de dólares que seriam repassados, informou Tel-Aviv, serão agora usados para amortizar uma dívida do outro lado com a companhia israelense de eletricidade.
Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, lembrou que os assentamentos são ilegais sob a ótica do direito internacional. “Isso (os assentamentos) representa um golpe fatal para as chances que permanecem para se chegar à solução de dois Estados”, acrescentou.
Os assentamentos têm sido erguidos em uma zona batizada de E1, entre Jerusalém e Maale Adumim, na Cisjordânia. Essa zona representa um ponto de passagem crucial entre o norte e o sul da Cisjordânia em direção a Jerusalém Leste. Se o plano de colonização de Netanyahu for concretizado, será o fim da possibilidade de criar um futuro Estado palestino em uma área contígua. Pior: o acesso a Jerusalém se tornaria um labirinto sem saída para os vizinhos.
“Netanyahu nunca foi favorável à solução de “dois Estados”, diz a CartaCapital Gal Levy, professor de Ciências Políticas da Open University, em Tel-Aviv. “Seu objetivo é sempre postergar decisões e não fazer nada a respeito.” Além disso, o premier está, diz Levy, em busca de votos da direita e extrema-direita nas próximas eleições legislativas, em janeiro. E, óbvio, esses eleitores não querem saber de compromissos com os palestinos.
Koby Huberman, cofundador da Israeli Peace Initiative, crê que, por ter buscado o reconhecimento da ONU e não ter dado continuidade a “negociações diretas”, os palestinos, na visão de Netanyahu “cometeram um erro” e por ele têm de “pagar”. Para o premier, as fronteiras de 1967, resultado da ­Guerra dos Seis Dias, “não são uma referência” e os territórios da Cisjordânia têm de ser disputados. “Donde sua visão de que a Palestina tem de ser um Estado desmilitarizado e sem contiguidade territorial.” Mais: a Palestina não tem direito a ter uma capital em Jerusalém Leste. Dividir para conquistar, como diz o velho jargão, sempre válido.
Magid Shihade, professor de Relações Internacionais na Universidade de Birzeit, na Cisjordânia, vai além em termos históricos. “A solução de dois Estados nunca fez parte da ideologia e prática sionista”, argumenta. “Embora Netanyahu seja uma pessoa desagradável, o problema é que o sionismo é uma ideologia colonialista que não enxerga a igualdade com o povo nativo.” Apoiado pelo Ocidente, afirma Shihade, “o sionismo tem uma natureza militar e racista”.
Netanyahu, apesar da vitória aparentemente certa em janeiro, é um falcão acuado. Seu reacionário e cada vez mais influente ministro do Exterior, Avidgor Lieberman, falou, ao se inteirar da decisão da ONU, em “terrorismo de Estado”. Terrorismo referendado por 138 Estados das Nações Unidas, supõe-se.
O voto pelo reconhecimento da Palestina foi um tabefe na truculência israelense e na diplomacia ambígua dos Estados Unidos. E demasiado forte para ser perdoado pelo governo israelense. Donde as retaliações contra a Palestina. Nesse quadro em que Israel encontra-se cada vez mais isolado, os governos da Itália, França e Espanha votaram pelo reconhecimento da Palestina. Por sua vez, o Reino Unido e a Alemanha se abstiveram – e mesmo a reação desses países foi difícil de engolir para Netanyahu. Houve, como sempre, um punhado de nações subservientes que votou contra a aceitação. A covardia as moveu.
Correram rumores de que embaixadores israelenses seriam expulsos da França e do Reino Unido. No final, foram apenas convocados para dar explicações, inclusive diplomatas israelenses em Copenhague, Dinamarca. De qualquer forma, a conjuntura foi humilhante para Israel.
Enquanto isso, Washington, as usual, fez jogo duplo. Votou contra a resolução da ONU e ao mesmo tempo demonstrou (ou fingiu?) inquietação com as retaliações israelenses contra a Palestina. Como diz Shihade, da Universidade de Birzeit, enquanto a “comunidade internacional” condenava as ações de Netanyahu, a Casa Branca “pedia” ao premier israelense para “reconsiderar” os assentamentos.
Segundo Huberman, Obama é muito mais próximo de Abbas do que de Netanyahu. De fato, Netanyahu fez campanha pelo seu amigo republicano Mitt Romney nas últimas eleições presidenciais norte-americanas. E os novos assentamentos após a resolução da ONU são constrangedores para Washington. Isso a despeito do apoio a Israel.
Tel-Aviv, ao dar início a uma nova ­onda de assentamentos, colocou ­Washington em outra saia-justa. Mas esse é o segundo mandato de Obama e em termos de política exterior seria mais fácil para o presidente avançar em negociações com o Irã e as emergentes democracias árabes para deixar um legado. Mais: Obama, sem possibilidade de mais uma reeleição, não precisa mais se preocupar com o lob­by judeu, fundamental para a vitória de qualquer candidato nos Estados Unidos.
Quais as perspectivas para o futuro da região? Para Shihade, “os Estados Unidos e a União Europeia não manterão sua hegemonia por muito tempo. Isso abrirá espaço para maiorias na África, Ásia e América Latina”. O acadêmico, acostumado com as tragédias na Palestina, sabe, porém, que sua previsão levará décadas, no mínimo

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