6.23.2013

Fim dos partidos politicos, fechamento do parlamento, estado de excessão

Com partido! Não dá pra eleger presidente por enquete do Facebook

Com o fim dos partidos, as políticas públicas, serão debatidas onde, no Instagram? E depois de derrubarmos a Dilma, vamos escolher o próximo presidente por enquete do Facebook?
Lino Bocchini
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Manifestantes na avenida Paulista na noite desta quinta-feira

Um senhor de seus 70 anos tentava caminhar pela avenida Paulista com uma bandeira vermelha do PCO na noite desta quinta-feira. Era hostilizado o tempo todo: “Sem Partido!” era o básico. O grito era direcionado a todos com qualquer bandeira ou camiseta de partido político. Sempre gritado em coro, e de forma pausada --“Sem par-ti-dooo!!”. Mais um pouco e um de grupo recém-saídos da adolescência começa a urrar em sua orelha, bem próximo, em uníssono: “O-por-tu-nis-taaa! O-por-tu-nis-taaa!”. O militante veterano teve mais sorte do que muitos outros que tiveram as bandeiras arrancadas de suas mãos e queimadas. “Só pode bandeira do Brasil!” foi a ordem determinada aos berros e que ecoou não apenas em São Paulo, mas em muitas outras cidades do país.

É surreal. E assustador. Achei que democracia fosse outra coisa. Esses garotos só podem protestar livremente agora justamente porque esse mesmo senhor, dentre tantos outros, foram às ruas dezenas de vezes, ajudando a restabelecer a democracia em nosso país. E fizeram isso muito antes desses garotos que o xingam nascerem. Milhares de pessoas foram torturadas e outros tantos morreram para garantir a liberdade de expressão desses que agora querem proibir os outros de se expressar.
E não pode bandeira de nada. Até as do movimento LGBT foram coibidas. Afinal, lembre-se, a regra do exército de patrioteens é clara: “só pode bandeira do Brasil”. Afinal o vermelho poderia macular a micareta da juventude da TFP que ocupou a avenida Paulista --e tantas outras Brasil afora-- nesta quinta.
“Aqui é São Paulo, porra!”
Um dia antes, na quarta-feira, assim que foi anunciada a redução das tarifas em São Paulo e no Rio, cerca de 3 mil pessoas correram para a mesma avenida Paulista para comemorar. Também estive lá. Em um dado momento, o grupo todo parou em frente a Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, um dos prédio mais emblemáticos da concentração de riqueza em nosso país. Por um segundo, me bateu uma esperança --“Vão xingar as grandes empresas”, pensei, iludido. Nada disso. Puseram a mão no peito e começaram a cantar o hino nacional, olhando para as luzes verde e amarelas da fachada, emocionados. Alguns o faziam de joelhos para a Fiesp. Literalmente.
Na boa... o que aconteceu com essa molecada? Que educação tiveram (ou não tiveram)? Em que momento da vida dessa garotada ideais de Plínio Salgado e o Olavo de Carvalho tornaram-se mais atraentes do que a rebeldia, a liberdade, o respeito às diferenças?
Pior: se o grosso da massa verde e amarela nem sabe quem é Olavo e quem foi Plínio, outros sabem muito bem: tinham grupos de ultra-direita organizados pelas ruas de São Paulo na noite desta quinta. Vários. Só pra citar meu exemplo pessoal, dentre tantos outros relatos, um elemento que tentei entrevistar leu meu nome no crachá de imprensa, me ameaçou, tentou arrancar o celular de minha mão e me empurrou quando tentei filmá-lo. Gritava exaltado, expelindo perdigotos na minha cara: “Aqui é São Paulo, porra!!”.
Criminosos à parte, estava nas ruas essencialmente uma massa que odeia partidos (qualquer um), e é contra tudo. Acham que todo político é igual –e corrupto-- e querem o impeachment de Dilma e de quem mais se lembrarem do nome. Pintam o rosto com as cores da bandeira, cantam o hino nacional louvando a Federação das Indústrias (ainda não acredito que vi isso) e nem se dão conta do absurdo da situação. Pior: acham lindo, emocionante.
E não é nada lindo, tampouco emocionante.
Acabar com partidos e tirar todos os políticos do poder é um absurdo e deveria ser obviamente uma sandice. Mas a gravidade do momento exige que certas obviedades sejam repetidas muitas vezes: se derrubarmos todos os políticos, fecharmos o Congresso e acabarmos com os partidos, quem assume a presidência, o Luciano Huck?
E as políticas públicas, serão debatidas onde, no Instagram? E depois de derrubarmos a Dilma provavelmente vamos eleger o próximo presidente por enquete do Facebook.
Os governantes que estão aí, por pior que sejam, foram eleitos. Muitos deles com seu voto, aliás. Parênteses: o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), na manhã desta sexta-feira, defendeu na tribuna do Senado o fim de todos os partidos. Inacreditável.
E, caro patriota, pense mais um pouco. Que tipo de gente você acha que está feliz com essa história toda? Se os diretores da Globo e da Veja e mais um bando de radicais conservadores estão marchando a seu lado, pode apostar: aí tem coisa.
Por mais jovem, descolado, bonito, bem nascido, bem vestido e até eventualmente bem intencionado que você seja, me desculpe. Sua postura é de um atraso inaceitável. Está servindo, mesmo que involuntariamente, a interesses perigosíssimos. Mais: você não “acordou” coisa nenhuma. Nessa história toda quem está na vanguarda e despertou há tempos é o tiozinho do PCO que você xingou.
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Lino Bocchini é editor de mídia on-line de CartaCapital

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