9.02.2013

Não é só xenofobia, é ignorância

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A vaia para os médicos cubanos é mais um sinal da xenofobia que o brasileiro insiste em negar que existe

Por Carmen Guerreiro

Campanha na Suíça contra negros (Foto: Reprodução/Carmen Guerreiro)
Não é só a vaia de recepção aos médicos cubanos. Está nas brincadeiras, nas insinuações, nos apelidos, nas conversas banais de muitos brasileiros. Brasileiros que ainda têm a coragem de se gabar, no exterior, de que no seu país “não existe racismo”. Por favor.
Me surpreende que essas pessoas não tenham senso de ridículo. Ridículo, mesmo. Não, seu racismo e sua xenofobia não são sua opinião. São sua ignorância. Ignorância histórica, cultural. Só não reconhece a hipocrisia porque é ignorante.
Gente que gosta de viajar para outro país e ser bem tratado. Que acha um absurdo ser discriminado lá fora por ser brasileiro. Que esquece quantos brasileiros foram e vão trabalhar em países desenvolvidos em busca de uma vida melhor. E esquece também que, há cem anos, seus avós e bisavós atravessaram o oceano para o Brasil com a mesma esperança. O Chico Buarque dá uma lição e tanto sobre esse racismo brasileiro em negação durante uma entrevista em vídeo.
Quem levanta a bandeira e aponta o dedo para “invasores” se esquece que somos todos invasores, se seguirmos essa lógica imbecil. A história da humanidade é feita de migrações, miscigenações, conquistas, guerras territoriais. O que faz uma pessoa achar que tem mais direito do que outra de estar naquele pedaço de terra? “Cheguei primeiro”? Achei que isso tinha terminado na dança das cadeiras, que eu gostava de brincar no jardim da infância.
Tem um vídeo muito bom retratando esse pensamento. Nele, um índio americano passa por um protesto contra a imigração ilegal nos Estados Unidos e grita para os manifestantes americanos: “Continuem com seus argumentos de araque! Nós somos os únicos legais aqui. Deveríamos ter mostrado essas faixas quando vocês chegaram! Vocês não querem ouvir a verdade! Sua bandeira representa todos os índios mortos para que suas casas fossem construídas aqui.”
Portanto, se não seguirmos essa lógica, ninguém é invasor e somos todas pessoas de um mesmo planeta, que deveriam poder transitar por todos os países e buscar as melhores condições de vida possíveis para si e para sua família. Por que fatos tão aleatórios e irrelevantes, como cor da pele e local de nascença, precisam determinar as oportunidades que temos na vida? E quem somos, o que fazemos, no que acreditamos, não conta?
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Em 2008 e 2009 estive na Europa e conheci de perto o monstro da xenofobia. Na Espanha, alguém me avisou: cuidado com os africanos. Na Suíça, meus amigos nativos estavam chateados e envergonhados com uma campanha xenófoba e racista do governo (veja as imagens). Uma delas mostra ovelhas brancas chutando uma negra, com os dizeres: “por mais segurança”. Outra ilustra diversas mãos pardas e negras pegando passaportes suíços, e o texto pede para “parar a naturalização em massa”.
 
É um medo irracional, mas, assustadoramente, parece ser instintivo. Parecem animais defendendo um território para que o outro não “roube” suas fêmeas e sua comida.
Para não terminar o post no baixo astral, existe um vídeo muito engraçado de comediantes americanos sobre esse tema, chamado “Que tipo de asiático é você?”. Um homem encontra uma mulher em uma pista de corrida e puxa conversa. Depois de falar sobre o tempo, ele questiona:
“De onde você é? Seu inglês é perfeito!”, diz, tentando ser super simpático.
“San Diego”, responde a mulher, desconfiada. “A gente fala inglês lá.”
Ele insiste: “Mas de onde você é?”
Ela: “Eu nasci em Orange County, mas não cheguei a morar lá.”
“Não, antes disso”, diz ele.
“Antes de eu nascer?”
“Não...”, ele muda de estratégia. “De onde é o seu povo?”
“Bom, minha bisavó era de Seul.”
“Coreana, eu sabia!” ele diz, contente. E começa a vomitar todos os estereótipos que ele conhece sobre a cultura coreana, o que deixa a mulher meio assustada, meio irritada. Então ela resolve dar o troco e pergunta de onde ele é.
Ele diz que é “só americano”. “Ah é mesmo? Você é um índio americano?” E ele explica que sua bisavó era inglesa. Então a mulher começa a imitar ingleses e falar de todas as coisas que ela gosta da cultura inglesa.
“Você é estranha”, ele diz no fim.
“Ah é mesmo? Eu sou estranha? Deve ser um negócio de coreano”, ela responde, e vai embora.
Por que um descendente de japonês é para sempre japonês, um descendente de chinês, coreano, árabe também, mas um italiano, português ou espanhol por aqui é simplesmente brasileiro, mesmo que o “japonês” tiver apenas bisavós ou tataravós nascidos no Japão e o italiano for filho de italianos?
E mais: por que os jovens europeus que tenho conhecido em São Paulo, que vêm para o Brasil para empreender e buscar melhores oportunidades do que nos seus países onde reina o desemprego, são tratados como reis pelos brasileiros, mas os bolivianos que fazem o mesmo são tratados como escória?
Essas ficam de lição de casa para pensar.
Enquanto isso, sejam bem-vindos, médicos cubanos! Que vocês recebam o respeito pelos profissionais e pessoas que são, não por sua nacionalidade. 

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