5.08.2019

'Os Bolsonaros têm relações com a esgotosfera do crime', diz Padilha

'Os Bolsonaros têm relações com a esgotosfera do crime', diz Padilha

O cineasta José Padilha escreveu um artigo no jornal Folha de S.Paulo no qual disse que Moro perdeu a independência política

Em 16 de abril, o cineasta José Padilha escreveu um artigo no jornal Folha de S.Paulo no qual reconhecia "o erro" que cometeu. Referia-se a Sergio Moro, que, segundo o diretor, perdeu a independência política, "finge não saber o que é milícia e hoje trabalha para a família Bolsonaro".Essa nova visão do ministro da Justiça e Segurança Pública não afetou o juiz Paulo Rigo, personagem da série "O Mecanismo" inspirado em Sergio Moro. "Estou contando uma história na qual, quando aconteceu, Moro tinha coisas positivas, independente de possíveis mudanças posteriores", diz Padilha, criador da série.
A estreia da segunda temporada acontece na próxima
 sexta (10), e Padilha se diz preparado para as críticas:
 "Sou antipetista, antipeessedebista e 
antipeemedebista. Mas só me criticam por ser
 antipetista. Acho que a Dilma sofreu um golpe,
 mas sempre achei que o PT roubou. E essas coisas
 são compatíveis, sim".
Leia abaixo os melhores trechos da entrevista que
 aconteceu na terça (7).
*Pergunta - Você disse que não pensou em mudar
 a representação do juiz Sérgio Moro na segunda
 temporada de "O Mecanismo". Mas haverá uma
 terceira, quarta, quinta temporada para mostrar isso?
 O que você planejou?
José Padilha - Eu não estou fazendo uma série sobre
 o Sergio Moro. Estou fazendo uma série sobre
 o mecanismo, que ele é real e opera 
independente do partido político. Serra foi 
denunciado, Temer foi preso, Lula está na cadeia.
 O mecanismo não tem ideologia, ele é a forma pela
 qual a política se estruturou no Brasil desde o 
primeiro governo democrático. Agora, eu não 
sei quem mais é o Moro. Eu vejo duas possibilidades:
 ele não olhou direito onde estava entrando e, 
como o Fernando Henrique, é muito vaidoso. 
Não se deu ao trabalho de olhar o histórico dos 
Bolsonaros. Os Bolsonaros têm relações com a 
esgotosfera do crime organizado carioca. Ele 
é de Curitiba, talvez não saiba. A outra possibilidade
 é que ele sabia o que estava fazendo e ele fez. 
Aí o Moro é totalmente diferente de quem eu pensei
 que ele fosse.
P - Mas há uma terceira temporada planejada?
JP - A gente não pode falar sobre isso. O Netflix
 me proíbe. Eu estou censurado, como se fosse
 o Toffoli [risos]. Mas é uma questão econômica.
 A nossa série é muito mais cara do que todas as 
outras séries do Netflix no Brasil. Então temos que
 olhar o resultado versus o custo.
P - Quanto custa cada episódio?
JP - Eu não posso te dizer... E a abertura dessa
 temporada, que mostra políticos como FHC, Lula,
 Temer e muitos outros enquanto toca a canção 
"se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão"?
 Essa é a abertura que eu tinha proposto para a
 primeira temporada. Mas tinha aquele pensamento
 com a série: "será que a gente vai ser processado
 por alguém? Por todos?". Aí resolvemos fazer
 uma abertura inócua, que foi ao ar na primeira
 temporada. E então começou a ser todo mundo
 preso, acusado, e não houve processos contra nós.
 Aí eu quis de novo usar a abertura e dessa vez deu certo.
P - Será que justamente essa nova abertura não
 vai dar processo?
JP - Não sei. Estou mostrando a história do 
Brasil, do presidencialismo democrático. Eu me dei
 ao trabalho de separar o refrão de forma que quando
 diz "se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão"
 só aparecem imagens de quem foi condenado. 
No resto da música aparecem os outros.
P - Os atores que representam políticos reais usam
 outro nome na série. Lula é Gino, Sérgio Moro é
 Paulo Rigo e por aí vai. Você pediu a eles que
 se inspirassem nos personagens ou, ao contrário,
 que não se inspirassem?
JP - Não precisei fazer isso, foi automático. Esses
 atores são todos faixa preta, não tem nenhum 
de primeira viagem. Não precisei falar nada. 
No final de "Tropa de Elite 2" (2010) tem aquela
 fala em Brasília... "Quem diria que a milícia iria 
parar em Brasília?". Fui uma bola de cristal 
desgraçada, mas eu nunca imaginei que isso fosse
 acontecer. Mas aconteceu. Na verdade, estava 
falando de deputados eleitos com votos de milícia.
 Não estava falando do Jair e do Flávio Bolsonaro, 
mas aconteceu.
P - Você acha que a transformação do capitão 
Nascimento em um herói contribuiu para tornar
 a direita menos envergonhada de se assumir?
JP - No "Ônibus 174" (2002), eu mostro como o 
estado produz criminosos violentos na figura do 
Sandro Nascimento [ex-menino de rua que 
sequestrou o ônibus]. Aí eu quis fazer o outro
 lado da moeda, como o Estado forma policiais 
violentos.
P - O "Tropa de Elite" (2007), certo?
JP - Sim. Aí eu vou dar o mesmo nome para o
 personagem, Nascimento. Ao fazer seu sucessor,
 porque ele vai ter um filho e não quer morrer, 
ele vai fazer um cara igual a ele. Vai pegar um cara
 legal e transformar nele.
Para mim, é claro que o Nascimento é um cara que
 tortura, eu mostro ele torturando. Para meu espanto, 
um número razoável de brasileiros achou aquilo ótimo.
 Mais ou menos o que o Scorsese disse quando viu seu
 "Taxi Driver" no cinema: "Caralho, os caras 
estão aplaudindo o cara!". Me disseram mesmo isso: 
"Tem muita gente de direita que saiu do armário 
por causa desse filme e agora a gente está vendo eles".
O texto é do jornalista Ivan Finotti

Um comentário:

Antonio Celso da Costa Brandão disse...

E as provas contra o preso político Lula? Qual o papel do moro nessa farsa?