R$ 1 trilhão é pouco?
No maior leilão da indústria
petrolífera global, o campo de Libra recebeu apenas uma oferta. Saiba
por que o resultado é mais favorável do que parece
Mariana Queiroz Barboza
A 183 quilômetros da costa do Rio de
Janeiro, no pré-sal da bacia de Santos, Libra é o maior campo de
petróleo já descoberto no Brasil e o maior encontrado no mundo desde
2008. O “tesouro” com até 12 bilhões de barris recuperáveis de óleo,
segundo estimativas da Agência Nacional do Petróleo, foi leiloado na
segunda-feira 21 pelo preço mínimo, mas suficiente para transferir R$ 15
bilhões ao Tesouro em até 30 dias (um alívio para o pagamento da dívida
pública) e dar o passo inicial de um projeto que deverá render R$ 1
trilhão à União nos próximos 35 anos – a maior parte destinada à
educação e à saúde, como enfatizou a presidenta Dilma Rousseff em cadeia
de rádio e tevê. Nas contas do governo, que considerou o preço atual do
barril de petróleo (ao redor de US$ 100), estão os royalties, o
excedente de óleo e os dividendos das ações da Petrobras. Para aqueles
que consideraram o leilão um fiasco, eis aqui uma comparação
interessante: R$ 1 trilhão equivale a todo o PIB da Argentina.
Quando gigantes do setor petrolífero, como as americanas Exxon Mobil e
Chevron e as britânicas BP e BG, começaram a desistir de fazer ofertas
pelo campo brasileiro, a atratividade de Libra foi questionada. O
apetite de estatais chinesas era interpretado por alguns analistas mais
como uma estratégia geopolítica de assegurar reservas do que como uma
oportunidade de lucrar com a exploração. Mas a entrada da
anglo-holandesa Shell e da francesa Total, ambas com ampla experiência
em águas profundas, no consórcio vencedor liderado pela Petrobras
simbolizou o respaldo que o governo precisava. “Essa é uma situação
ganha-ganha, porque o retorno será alto para as empresas e uma boa
quantia ficará no Brasil”, disse à ISTOÉ Manouchehr Takin, especialista
em petróleo do Centre for Global Energy Studies, de Londres. Para Pedro
Zalán, geólogo e consultor independente, a composição do consórcio
vencedor dá a garantia de que “a produção vai ser desenvolvida com as
tecnologias mais modernas”.
ARREMATE
Representantes da Petrobras, Shell, Total, CNOOC e CNPC
batem o martelo ao lado do ministro Edison Lobão
As estatais chinesas CNOOC e CNPC, que normalmente investem em ativos
já em produção, ficaram com 20% do total. Essa é a primeira vez que
elas colocam dinheiro no mercado brasileiro. Em entrevista por e-mail à
ISTOÉ, o presidente da CNOOC, Li Fanrong, explicou o que o motivou a
entrar no consórcio. “A participação no projeto de Libra é um reflexo de
nossa confiança na economia brasileira”, disse. Como o conhecimento da
China em petróleo é restrito a ambientes terrestres e águas rasas,
muitos acreditam que a experiência no pré-sal brasileiro ajudará o País
na exploração de blocos na África, onde já tem uma influência
importante.
Ao mesmo tempo em que a falta de concorrência mostra que o novo
modelo de partilha precisa de ajustes, os especialistas são unânimes em afirmar que esse não era um jogo para qualquer um.
Devido ao bônus de assinatura (no valor de R$ 15 bilhões, comprometido
antes do início da exploração), uma empresa que decidisse entrar com uma
fatia de 10% deveria desembolsar, portanto, R$ 1,5 bilhão logo na
assinatura do contrato. E o retorno não deve chegar em menos de seis
anos. A própria Petrobras, operadora única de todos os campos do
pré-sal, de acordo com a legislação atual, tem uma capacidade de
investimento limitada. Neste ano, sua produção e seu valor de mercado
caíram, enquanto a dívida subiu. Segundo o Bank of America, a Petrobras é
hoje a companhia de capital aberto mais endividada do mundo,
excluindo-se os bancos. “Se não houvesse a pré-definição da empresa
operadora nos próximos leilões, esse seria um fator adicional de atração
de outros consórcios”, diz o consultor Luiz Carlos Costamilan. “Esse
termo tem que ser revisto.”
CONTRA A PRIVATIZAÇÃO
Como em outras ocasiões, manifestantes entraram
em confronto com militares durante o leilão no Rio
O leilão de Libra, o primeiro no sistema de partilha, foi acompanhado
por protestos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Segundo os
manifestantes, Dilma teria quebrado uma promessa de campanha quando
declarou que não privatizaria “a Petrobras e o pré-sal”. Além de o
leilão concluído na semana passada não representar, nem de longe, uma
privatização (a Petrobras, afinal, é a controladora do consórcio), esse
tipo de discussão não traz benefícios. Atrair gigantes estrangeiros é
fundamental para o crescimento da economia – não só pelos recursos que
ingressam no País, mas pela expertise que os grupos internacionais podem
oferecer. Com o início da exploração da camada pré-sal, o Brasil
caminha para se transformar num dos maiores produtores e exploradores de
petróleo e derivados do mundo. Por mais que os críticos gritem,
embolsar R$ 1 trilhão, ou uma Argentina inteira, não faz mal a ninguém.
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