3.08.2014

Fardadas, vigilantes mantêm o lado 'mulherzinha' e falam de cantadas

'Todo mundo acha que a gente é lésbica ou sapatão', critica vigilante.
No Dia Internacional da Mulher, vigilantes afirmam que sofrem preconceito.

Mariane Rossi Do G1 Santos
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Egle tem cara de durona mas faz dança country e adora usar maquiagem e vestidos  (Foto: Mariane Rossi/G1)Egle tem cara de durona mas faz dança country e adora usar maquiagem e vestidos (Foto: Mariane Rossi/G1)
Duas mulheres resolveram encarar uma profissão bem masculina e realizar a segurança das agências bancárias de Santos, no litoral de São Paulo. Elas precisam driblar o preconceito de estarem em um ambiente característico dos homens, dizem que já receberam cantadas e que são julgadas por escolherem uma profissão perigosa. No dia das mulheres, elas vão contra todas as teorias, dizem que amam ser vigilantes e desempenham o trabalho tão bem quanto os homens. Elas mostram que, atrás da farda, mantém o lado feminino sempre vivo.
Há 17 anos, Neide da Costa é vigilante de uma agência bancária no bairro do Gonzaga. Após casar e ter filhos, ela tinha que ajudar o marido nas despesas de casa. “Eu tinha vontade de ser policial militar, mas como eu casei muito cedo e tive filhos, acabei não conseguindo. Eu optei por ser segurança. Fiz cursinho, fazia de noite e cuidava dos meus filhos durante o dia”, conta.
Neide virou vigilante bem jovem, quando a profissão era exercida apenas por homens, o que logo causou um preconceito por parte do próprio marido. “Ele não queria, achava que eu ia ter muito contato com homem e que não estava certo. Disse que eu teria que escolher entre a minha profissão e a minha família. Ele pensou que eu ia desistir, mas eu persisti e fiz o curso mesmo. Ele até ia me buscar, fazia aquela pressão, mas acabou aceitando”, diz.
Neide é vigilante de uma agência bancária em Santos (Foto: Mariane Rossi/G1) 
Neide é vigilante de uma agência bancária em
Santos (Foto: Mariane Rossi/G1)
Neide antes de entrar para o trabalho (Foto: Mariane Rossi/G1) 
Neide antes de entrar para o trabalho
(Foto: Mariane Rossi/G1)
O currículo mostrava que ela era mãe de quatro filhos e casada, o que dificultou a contratação como vigilante. “Eles disseram que não dava por causa dos filhos, que eu ia me atrasar, ia faltar. O meu primeiro patrão me deu um voto de confiança”, lembra Neide, que foi contratada por uma empresa que terceiriza vigilantes.
Ela passou a trabalhar na agência bancária que está até hoje e é conhecida e respeitada por todos. Apesar disso, assim como no início, ela continua sentindo as consequências de ter escolhido uma profissão exercida em grande maioria por homens. No dia a dia, ela já teve que provar que desempenha a função tão bem quanto os outros. “Entrou dois rapazes, roubaram o malote e, na hora, a moça do caixa gritou. Nós trancamos a porta, abordamos o rapaz, tiramos a arma e apontamos a arma para a cabeça dele. Não tenho um pingo de medo. Para esse lado eu sou muito forte. Eu ponho a roupa de vigilante e mudo”, conta.

De batom vermelho, Egle Tatiane Leandro, de 33 anos, é vigilante de uma agência bancária no centro de Santos. Ela largou o emprego como recepcionista para fazer o que realmente gostava. Assim como Neide, Egle sonhava em ser policial e trabalhar na área de segurança. “Era difícil. Meu pai falou para eu tentar como segurança em banco. Por isso fiz curso de vigilante”, conta.
Egle passou a trabalhar na agência bancária, armada e com colete a prova de balas. A escolha profissional a deixa realizada. “Eu adoro arma. Sou apaixonada por isso. Eu gosto de banco. Já pensei em fazer curso para trabalhar em carro forte. Eu gosto do risco, o risco me atrai”, afirma a jovem vigilante.
Egle trabalhando no agência bancária no Centro de Santos (Foto: Mariane Rossi/G1) 
Egle trabalhando no agência bancária no Centro de
Santos (Foto: Mariane Rossi/G1)
Quando entrou na profissão, Egle ganhou o apelido de pitbull por parecer durona. Ex-praticante de boxe tailandês e atuante no jiu-jitsu, Egle diz que muitos se enganam com sua personalidade e suas preferências. “A profissão é masculinizada. Todo mundo acha que a gente é lésbica ou sapatão. Tem muito disso. Já tive cantada tanto de homem como mulher. Meu pai acha um máximo, meus amigos também, alguns têm medo, alguns têm receio, falam que é perigoso, falam para eu sair, mas eu gosto”, fala.
Vigilante mostra os anéis, pulseiras e jeito feminino (Foto: Mariane Rossi/G1) 
Vigilante mostra os anéis, pulseiras e jeito feminino
(Foto: Mariane Rossi/G1)
Antes de entrar em ação, ela brinca e dá risada com os outros vigilantes do banco. Mas, quando veste a farda, tudo muda. “Eu sou brava na hora que eu tenho que ser. Abriu a agência, minha cara é fechada, dou pouca risada. Não é uma profissão que eu tenho que mostrar os dentes, senão o povo monta e não é assim que funciona”, diz Egle. Se um homem a desafia ou se é grosso com ela, a vigilante diz que responde a altura.

Apesar do jeito das duas vigilantes, elas não perdem a feminilidade. Neide e Egle pintam as unhas, andam com pulseiras, colares e não descartam a maquiagem no ambiente de trabalho. Neide custou a se acostumar com o uniforme igual ao dos homens. “No começo eu sofri muito. Eu relutei para usar colete e coturno. Mas se eu estava nessa, eu tinha que enfrentar”, conta ela. Quando entra ou sai da agência, ninguém imagina qual é a sua profissão. Neide sobe no salto, coloca a blusa rosa e sai de bolsa na mão.

Egle se transforma em vigilante nos banco e, nos finais de semana, vira dançarina nos palcos. A ‘pitbull’ é diretora de uma comitiva de dança sertaneja em Praia Grande. O country é outra paixão de sua vida. “Nos fins de semana nós viajamos e fazemos eventos. Eu tento estar sempre arrumadinha, sempre bonitinha. A música sertaneja é a minha paixão também. Jamais perco a minha feminilidade”, diz. Ela conta que muitos se espantam quando sabem que a mesma jovem que entra no ritmo da dança country, sorridente e descontraída, também consegue manter uma postura séria e lida com armas em seu dia a dia.

A verdade é que as vigilantes dizer amar a profissão que escolheram. Elas dizem que fazem questão de mostrar o valor da mulher, independente da função que escolheram um dia. Para elas, o preconceito ainda existe e, aos poucos, as pessoas estão aprendendo a respeitar o poder feminino no mercado de trabalho. “A mulher está no mesmo nível do homem, às vezes, até melhor. Eu, pelo menos, me orgulho do meu emprego, da minha condição. Eu não sou perfeita, mas acho que trabalho muito bem. A mulher está ganhando o mercado e tem que apostar nisso”, afirma Egle.
Mercado
Na mesma empresa de Neide e Egle, a Gocil, outras 1.121 funcionárias são mulheres que estão espalhadas por oito estados do Brasil. A mais nova delas tem 21 anos e a mais velha 63. Dessas mulheres, 828 tem filhos. De 2013 para 2014, a empresa praticamente dobrou o número de vigilantes mulheres.

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