Em seu recém-publicado “A era do humanismo está terminando”, Mbembe traça um quadro desafiador para a humanidade, ao refletir sobre a hegemonia global do capital financeiro em aliança com o poder tecnológico e militar. Nessa nova paisagem, ressalta ele entre tantos outros prognósticos, o culto à razão perde valor e o conhecimento será definido como conhecimento para o mercado.
Diz o historiador: “Outro longo e mortal jogo começou. O principal choque da primeira metade do século XXI não será entre religiões ou civilizações. Será entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo”. E alerta: “A crescente bifurcação entre a democracia e o capital é a nova ameaça para a civilização”.
Pensei que para falar sobre os desafios que 2017 nos apresenta, seria importante lembrar de Achille Mbembe. Pra mim está claro que vivenciamos no Brasil hoje a ameaça citada pelo autor. Ou seja, vemos claramente em nosso país o embate entre a democracia social e o capitalismo neoliberal, entre o governo das finanças e o governo do povo.
A partir da consumação do golpe que derrubou com falsos argumentos a presidenta Dilma, eleita legitimamente pelo povo brasileiro, ficou evidente que por trás da quartelada parlamentar estava o desmonte do Estado de bem-estar social mínimo construído ao longo dos últimos 30 anos, aprofundado nos governos de Lula e de Dilma. Nós erguemos apenas um degrau desse Estado, mas isso está sendo descontinuado em favor do capital financeiro, de se pagar juros estratosféricos da dívida e a favor de uma elite que vive de rendimentos e não tolera a ideia de termos um País desenvolvido e justo para todos, que não tem conceito nem projeto de Nação. É o nosso choque de valores.
Parte também dessa mesma elite o desejo intrínseco de entregar nossos bens e riquezas naturais ao capital internacional, como se ele fosse mais eficiente e sério para gerir nossas riquezas. Além de privilegiar companhias estrangeiras no segmento de petróleo e gás e preparar o caminho para a privatização da Petrobras, o governo ilegítimo que tomou o poder negocia a doação da base espacial de Alcântara, no Maranhão, aos norte-americanos. Estuda também transferir para empresas daqui e de fora a gestão da rede de telecomunicações usada pela Aeronáutica para a defesa, vigilância e controle do tráfego aéreo. Estaremos novamente submissos ao capital externo. É o entreguismo em sua forma mais despudorada.
Se não bastasse tamanha falta de patriotismo, o grupo que se aliou a Michel Temer nessa criminosa estratégia já colocou em prática a sua terceira maior ofensiva: a reforma da Previdência, pela qual querem reduzir ao mínimo possível os benefícios assistenciais que amparam a maioria da população, principalmente os mais pobres e ainda inviabilizar a aposentadoria dos trabalhadores aumentando prazo de contribuição. Para completar a maldade, logo entrará em pauta a reforma trabalhista.
Nós, parlamentares e pessoas comprometidas com a soberania do Brasil e com o bem-estar do povo brasileiro, temos um enorme desafio neste ano que se inicia. Grande parte do Congresso se aliou aos interesses dessa classe que tenta impor à Nação o que há de mais perverso no receituário do ultraliberalismo. Por isso, deputados e senadores que lutam contra esse modelo repudiado em boa parte do mundo precisam se aliar aos movimentos sociais e à população que está sendo diretamente atingida por essas medidas. Só o povo nas ruas e a intensa mobilização dos movimentos sociais serão capazes de impedir o Congresso de referendar a fúria destruidora dos golpistas. Sem essa ajuda, será difícil estancar tal atentado às conquistas populares e à própria democracia.
Como disse Achille Mbembe, outro longo e mortal jogo começou. Resta-nos, então, abraçar de corpo e alma essa luta.
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