10.09.2008

BULAS INCENTIVAM AUTOMEDICAÇÃO

Bulas incentivam automedicação, diz estudo
Os dados que acompanham os remédios são incompletos, aponta levantamento feito pelo Idec com 19 medicamentos

Versão genérica do Prozac (antidepressivo), por exemplo, omite alerta de que pacientes jovens podem ter comportamento suicida.

As bulas dos remédios vendidos nas farmácias brasileiras são incompletas e incentivam a automedicação, aponta um estudo recém-concluído do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Isso, diz a entidade, pode comprometer seriamente a saúde das pessoas.
O antidepressivo Prozac (da Eli Lilly), por exemplo, traz o alerta de que pacientes jovens podem ter idéias e comportamentos suicidas durante o tratamento. E avisa: "Os médicos devem ser consultados imediatamente se os pacientes de todas as idades relatarem quaisquer pensamentos suicidas". O Cloridrato de Fluoxetina (da EMS), uma das versões genéricas do Prozac, simplesmente não diz nada sobre esse risco.
O Idec se debruçou sobre as letras miúdas que acompanham 19 remédios (antidepressivos, calmantes, antiinflamatórios, vasodilatadores, anti-reumáticos e drogas contra pressão alta e para baixar o colesterol) e constatou que há diferenças significativas entre as informações dos medicamentos de referência (originais) e seus genéricos ou similares.
A entidade também comparou as bulas nacionais com as americanas. Nos Estados Unidos, os antiinflamatórios avisam -com destaque- do risco de morte por problemas cardiovasculares durante o tratamento. No Brasil, o Voltaren e o genérico Diclofenaco Sódico (ambos da Novartis) não trazem esse alerta.
A mesma diferença, na comparação com o produto americano, foi encontrada nas bulas do antiinflamatório Cataflam (da Novartis) e do genérico Diclofenaco Potássico (da Medley). Em 2004, o antiinflamatório Vioxx foi retirado do mercado no mundo inteiro após um estudo ter mostrado o aumento do risco de ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais.
"Essas irregularidades violam o direito do consumidor à informação correta e completa. Podem representar um risco à saúde. Existe muita intoxicação por remédios", diz Karen Lagen, a responsável do Idec pela pesquisa.

Automedicação
Há casos em que, na avaliação do Idec, as bulas incentivam que os pacientes façam uso de remédios sem acompanhamento médico. No antidepressivo Zoloft (da Pfizer), por exemplo, lê-se o seguinte: "Se você não responder à dose de 50 mg, pode aumentar a dose".
O estudo apontou ainda que muitos medicamentos não trazem orientações caso o paciente se esqueça de tomar uma dose. Supondo que deve tomar três doses ao dia e acidentalmente pulou a segunda, ele deve dobrar a terceira dose? Ignorar o esquecimento e tomar a terceira normalmente? Tomar a segunda dose imediatamente, não importando a hora? Segundo o Idec, 11 dos 19 medicamentos não sanam essa dúvida.
Para o médico sanitarista José Ruben de Alcântara Bonfim, coordenador da Sobravime (Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos), uma origem das falhas é o fato de as bulas não serem atualizadas periodicamente. "Como os médicos no Brasil não são obrigados a notificar os efeitos adversos dos medicamentos -apenas a indústria [farmacêutica]-, muitas bulas estão incompletas, desatualizadas."
Os laboratórios fabricantes dizem que apenas seguem as determinações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e que seus folhetos têm a aprovação da agência.
Para o Idec, a atuação da Anvisa está longe da ideal, pois permite que as bulas dos medicamentos de referência e as dos genéricos e similares sejam diferentes -embora o efeito no organismo deva ser, teoricamente, o mesmo. "A Anvisa deve ser mais rigorosa e melhorar a legislação", diz Karen Lagen.
A pesquisa do Idec chegou à Anvisa. A agência informou que as irregularidades apontadas serão investigadas.
"Se confirmadas, serão corrigidas e ensejarão medidas punitivas para os laboratórios infratores. O desrespeito às normas de registro de medicamentos constitui uma infração sanitária", disse Pedro Ivo Sebba Ramalho, da assessoria técnica da presidência da Anvisa.
As punições vão de uma advertência à apreensão dos produtos e à interdição das empresas. As multas podem chegar a R$ 1,5 milhão.
A agência informou ainda que está estudando fazer mudanças nas bulas para, "entre outros objetivos, viabilizar o direito à informação adequada e clara sobre produtos, em especial sobre os riscos".
Labels: FSP, pfizer, lilly, ems, prozac, fluoxetina, diclofenaco potássico, zoloft

Fonte: IDEC

2 comentários:

Antonio Celso da Costa Brandão disse...

O brasileiro tem apreço especial por um remedinho. Faz parte da nossa cultura receitar analgésico para os amigos, comprar a pomada prescrita pela manicure, o antibiótico que a avó recomendou ou as pílulas que o colega de trabalho usa para diminuir o stress. A proporção assustadora que o hábito da automedicação tomou deve-se, historicamente, à falta de fiscalização e repressão suficientes para evitá-lo. Mesmo sem receita, é fácil comprar remédios que exigem prescrição. Além disso, os baixos honorários e o despreparo de alguns médicos fazem com que as consultas sejam cada vez mais rápidas e a relação de cumplicidade do paciente para com o profissional de saúde, reduzida. Prefere-se muitas vezes outorgar ao massagista ou balconista de farmácia - outros profissionais vestidos de branco - a autoridade para prescrever medicamentos.
O mercado farmacêutico brasileiro é composto de quase 400 indústrias e cerca de 60 000 farmácias - o dobro do número máximo de estabelecimentos do tipo por habitante que a Organização Mundial de Saúde recomenda. As vendas diretas ao consumidor somam 5 bilhões de dólares anuais. A quantia confere ao Brasil o décimo lugar na lista dos países que mais vendem medicamentos no mundo, segundo a consultoria americana IMS Health. Os Estados Unidos são o líder, com quase 175 bilhões de dólares anuais. As empresas investem pesado em marketing. Calcula-se que até 20% do faturamento do remédio seja destinado a essa finalidade. Isso inclui várias frentes de trabalho, como as que atuam junto aos médicos e às farmácias, além da publicidade e propaganda direta ao consumidor, quando possível. A publicidade direcionada para médicos inclui de prosaicos jogos de canetas e blocos a viagens de primeira classe para o exterior, com direito a acompanhante e a hospedagem em hotéis cinco-estrelas.
Uma pesquisa realizada no fim do ano passado pela Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição é reveladora. Cerca de 15% das compras de remédios vendidos sem receita não foram planejadas. Ou seja, o consumidor sai da farmácia com mais remédios do que pensava em levar para casa quando entrou. Além disso, uma de cada quatro pessoas recorre à ajuda do balconista para escolher o melhor remédio para essa ou aquela doença. Aí entra em cena o jogo da "empurroterapia". Assim como ocorre com os médicos, muitos laboratórios oferecem prêmios aos atendentes que mais vendem seus produtos. Os brindes vão de simples sacolas a geladeiras. Juntam-se, assim, o balconista louco para vender e o brasileiro ávido por uma nova pílula. "O brasileiro precisa cultivar o autocontrole quando o assunto são medicamentos", diz o reumatologista Daniel Feldman, especialista em dor, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
A automedicação produz inúmeros riscos. De acordo com os especialistas, cerca de 40% das pessoas que tomam remédios o fazem desnecessariamente ou de maneira inadequada. Segundo estatísticas do governo federal, a cada 25 minutos uma pessoa sofre intoxicação por medicamentos. "Todas as substâncias contidas nos remédios oferecem riscos. Nenhuma droga é feita de água com açúcar", diz Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. "O ideal, portanto, é não tomar remédio para qualquer dorzinha ou probleminha de saúde. Deve-se usá-lo apenas quando é imprescindível e recomendado por um profissional especializado." Como dizia o médico suíço Paracelso (1493-1541), "a diferença entre o remédio e o veneno está na dose".
Apesar das críticas à indústria farmacêutica, é inegável sua enorme importância. Ela é a grande responsável pelo controle de centenas de doenças que poderiam dizimar populações inteiras e condenar milhões de pessoas ao sofrimento. "Os medicamentos mudaram a história natural das doenças", diz o nefrologista Decio Mion, professor da Universidade de São Paulo. Um dos maiores exemplos da revolução proporcionada pelos fármacos está no tratamento da hipertensão arterial. A pressão alta é responsável por 80% dos derrames e 60% dos infartos. Até a década de 40, porém, os médicos desconheciam os riscos da pressão alta e, por isso, não havia investimentos na descoberta de remédios que combatessem a doença. A partir da década de 80, o lançamento de anti-hipertensivos muito potentes e bem tolerados pelos pacientes inaugurou uma nova era no controle da doença. O resultado foi a queda pela metade das mortes causadas por infartos e derrames. Além de salvar vidas, a criação de novos remédios proporciona aos doentes uma melhora impressionante na qualidade de vida. Mulheres vítimas de câncer de mama dispõem hoje de quimioterápicos que não produzem tantos efeitos colaterais devastadores como os dos medicamentos do passado recente.
Para a formulação de substâncias cada vez mais potentes, os investimentos em pesquisas são astronômicos. Calcula-se que mais de 80% de todos os medicamentos desenvolvidos até hoje tiveram patrocínio integral ou parcial dos laboratórios farmacêuticos. As maiores indústrias farmacêuticas do mundo faturam, em conjunto, cerca de 500 bilhões de dólares anualmente. Estima-se que essas empresas gastem cerca de 40 bilhões de dólares por ano na pesquisa de moléculas inéditas ou em novas indicações para os produtos que já existem. Atualmente, o custo para que uma única nova substância chegue ao mercado ultrapassa 800 milhões de dólares.
Obviamente manter hábitos como uma dieta equilibrada, fazer exercícios físicos regulares, não fumar e evitar o stress é a chave para a vida saudável. Mesmo com os custos altos, os riscos e os efeitos secundários adversos, os medicamentos são um dos pilares da vida moderna. A grande questão é o que fazer para evitar que o remédio se transforme em veneno. Do ponto de vista do paciente a resposta é simples: bom senso. Em caso de dúvida, procure um médico ou um farmacêutico. Para os laboratórios e as autoridades de saúde, a receita é redobrar a vigilância.
Fonte: Veja

Antonio Celso da Costa Brandão disse...

Estamos tomando remédio demais?

A indústria farmacêutica se esforça para fazer produtos cada vez mais seguros e eficazes. Mas há sempre os perigos da automedicação e os riscos inerentes aos medicamentos.
O ano de 2004 foi um dos mais negativos para a indústria farmacêutica mundial. Dois episódios, em especial, macularam a imagem de alguns dos maiores fabricantes de remédios. O mais estrondoso deles ocorreu em setembro, quando o laboratório americano Merck & Co. baniu do mercado um de seus produtos mais conhecidos o antiinflamatório Vioxx. Descobriu-se que o consumo diário de 25 miligramas do medicamento, por mais de dezoito meses, dobraria os riscos de infartos e derrames. Os prejuízos financeiros decorrentes da suspensão do Vioxx chegaram a 30 bilhões de dólares. O outro episódio ocorrera sete meses antes. Naquela data, a FDA, a agência americana de controle de remédios e alimentos, alertou formalmente a comunidade médica sobre os riscos de suicídio entre crianças e adolescentes tratados com antidepressivos como o Prozac, o Zoloft, o Efexor e o Cipramil. Os fabricantes foram obrigados a imprimir na bula desses remédios advertências sobre o perigo oferecido por eles. Esses escândalos não causaram apenas prejuízos financeiros. Pior do que isso, a indústria passou a ser vista com desconfiança.
Um levantamento realizado recentemente pela consultoria Harris Interactive mostrou que a crença dos americanos nos laboratórios farmacêuticos despencou. Em 1997, 80% dos entrevistados defendiam o trabalho desenvolvido pela indústria e acreditavam que ela fazia o bem para a população. No ano passado, pouco mais de 40% dos americanos mantinham essa opinião. Para se ter uma idéia do ponto a que se chegou, segundo a mesma pesquisa, o índice de confiança nos produtores de cigarro foi de 30%. Isso nos Estados Unidos o maior mercado de remédios do mundo e o país onde fumar é quase um crime. Na esteira desses acontecimentos, passaram a fazer barulho movimentos como o "Un-Drugging of America". Seus seguidores pregam uma redução drástica no consumo de medicamentos.
Fonte: Veja