6.02.2010

Preparando a alma / Oração / Rebeldia / Da sombra do homem/ Dos defeitos/ Definição de Deus/ Fazendo o bem a si mesmo/ Cavalaria / Aluno e professor

Preparando a alma

Ernest Hemingway, o autor do clássico “O velho e o mar”, misturava momentos de dura atividade física com períodos de inatividade total.

Antes de sentar-se para escrever as páginas de um novo romance, passava horas descascando laranjas e olhando o fogo.

Certa manhã, um repórter notou este estranho hábito.

“Você não acha que está perdendo tempo?”, perguntou o repórter. “Você que é tão famoso, não devia fazer coisas mais importantes?”

“Estou preparando a minha alma para escrever, como um pescador prepara seu material antes de sair ao mar”, respondeu Hemingway. “Se ele não fizer isto, e achar que só o peixe é importante, jamais irá conseguir coisa alguma”.


Oração

Senhor, faça com que eu entenda que tudo que me acontece de bom na vida é porque eu mereço. Faça com que eu entenda que o que me move a buscar Tua verdade é a mesma força que moveu os santos, e que as dúvidas que eu tenho são as mesmas dúvidas que os santos tiveram, e que as fraquezas que sinto são as mesmas fraquezas que os santos sentiram. Faça com que eu seja humilde o suficiente para aceitar que não sou diferente dos outros, Senhor. Amém.


Da rebeldia
Em Moscou, Luiz Carlos Prestes, o mais importante líder comunista brasileiro, preparava-se para voltar ao Brasil depois de vários anos de exílio. Seu filho (que me contou esta história) resolveu documentar em filme a partida do pai.

Prestes proibiu-o de fazer isto. Mas, sabendo que estava diante de um acontecimento histórico importante, o filho levou o equipa­mento para o aeroporto e começou a registrar tudo. Em determinado momento, Prestes percebeu o que acontecia; largou os amigos que o cercavam e partiu para cima do filho.

“Eu pensei que fosse levar a maior descompostura pública da minha vida”, me conta Luiz Carlos Prestes Filho. “Mas ele chegou diante de mim, olhou-me nos olhos, e disse”:

“Parabéns. Você fez exatamente o que eu proibi, e isto mostra o seu valor. Espero que você mantenha sempre esta mesma firmeza com os outros”.

Insistindo no caminho errado

Em 1989, eu estava nos Pirineus quando vi um cartão postal: “capela de Gez”, dizia. Abri o mapa, notei que estava perto do monte Gez e resolvi escalá-lo para conhecer a igreja; enfiei na minha cabeça que a cidade ficava no alto – do outro lado da montanha.

Durante horas, subi pelos caminhos mais duros possíveis. Só quando estava próximo do topo, me dei conta de duas coisas: a) eu estava perdido; b) não havia cidade nenhuma em cima do monte (descobri mais tarde que a capela ficava lá embaixo).

Quase morri naquela tarde. De onde tirei a idéia da cidade? Por que não desisti quando vi que não havia nenhuma estrada?

Às vezes, cismamos com certas coisas e só descobrimos o erro tarde demais. Por isso, é sempre bom lembrar-se da frase de Goethe: “Ninguém consegue nos enganar melhor que nós mesmos”.


Da sombra do homem

Elie Wiesel, prêmio Nobel de literatura, escreve: “‘Deus é a sombra do homem. Assim como a sombra repete os movimentos do corpo, Deus repete os movimentos da alma.”

Desta maneira, sempre existe uma relação entre o que fazemos e o que recebemos em troca. Se somos generosos, a “sombra de Deus” repete os movimentos que fizemos em benefício do nosso próximo, e nos dá com generosidade dez vezes maior. Se somos cruéis, esta nossa crueldade se reflete no plano astral e também retorna.

Muita gente justifica sua própria infelicidade, argumentando que está pagando agora o que fez em vidas passadas. Existem alguns raros casos em que isto acontece, e – mesmo nestes casos – um verdadeiro ato de amor apaga qualquer culpa. Devemos nos concentrar em movimentos de harmonia, para que a sombra que projetamos no mundo espiritual seja sempre um ato de louvor a Deus.


Dos defeitos

“É curioso”, comenta o guerreiro da luz consigo. “Encontrei tanta gente que – na primeira oportunidade – tenta mostrar o pior de si. Escondia a força interior atrás da agressividade; mascara¬va o medo da solidão com o ar de independência. Não acreditava no próprio potencial, e vivia pregando aos quatro cantos suas vir¬tudes”.

O guerreiro lê estas mensagens em muitos homens e mulheres que se aproximam. Nunca se deixa enganar pelas aparências, e faz questão de permanecer em silêncio quando tentam intimidá-lo; ele sabe que sua força está no segredo. Mas usa a ocasião para corri¬gir suas falhas – já que as pessoas são sempre um bom espelho.

Um guerreiro aproveita toda e qualquer oportunidade para ensi¬nar a si mesmo.



Uma breve definição de Deus


Durante a feira do livro em Buenos Aires de 1995, conheci um jovem escritor chamado Gabriel Rugiero. Saímos para jantar com amigos, entre eles alguns que não acreditavam no mundo espiritual.

Algumas garrafas de vinho depois, uma destas pessoas desafiou Gabriel a definir Deus.

“Não se pode definir”, disse ele. “Mas eu diria que Deus é a poesia que deu origem aos versos. É sábio como a água do rio que conhece tudo, e paciente como o pescador que espera o momento certo. Deus é uma lanterna perdida, que – pouco a pouco – vai fazendo com que mais e mais pessoas se preocupem em buscá-la”.

“Não posso obrigar ninguém a acreditar Nele, mas posso pedir que tente escutar as palavras do próprio coração; ali dentro, está escondia a voz da Divindade; se fizer isto, irá com certeza escutar Sua voz”.



Fazendo o bem a si mesmo

Postado por Paulo Coelho em 26 de maio de 2010 às 00:16
Dois homens caminham pela praia. Um deles faz isto porque, em virtude de problemas no coração, o médico aconselhou os passeios matinais.

O outro está ali porque a caminhada é um dos grandes prazeres de sua vida.

O homem com problemas no coração comenta: “tomara que isto acabe logo! É chatíssimo andar na praia!”

O outro não entende o comentário; em seu mundo, as caminhadas são agradáveis.

O homem com problemas no coração podia tirar proveito do que lhe acontece na vida. Qualquer atividade tocada pelo amor é motivo de prazer e júbilo.

Mas ele não consegue; a caminhada é um tratamento médico, nada mais. Por isso, sua hora e meia de alegria se transforma em suplício e tormento.

Do “Breviário da Cavalaria Medieval”:

“A energia espiritual da Senda utiliza a justiça e a paciência para preparar teu espírito. Este é o caminho do cavaleiro. Um caminho fácil e ao mesmo tempo difícil, porque obriga a deixar de lado as coisas inúteis, e as amizades relativas. Por isso, no começo, sente-se tanta hesitação em segui-lo”.

“Mas, quem cumpre seu destino segue a lei da verdade. Deixa que se realizem nele os ideais e a manifestação dos justos”.

“Eis o primeiro ensinamento da cavalaria: tu irás apagar o que até então tinhas escrito no caderno de tua vida: inquietação, insegurança, mentira. E irás escrever, no lugar disto tudo, a palavra coragem. Começando a jornada com esta palavra, e seguindo com a fé em Deus, chegarás onde precisas”.


Alunos e professores

Nasrudin – o eterno personagem das lendas sufi – estava na soleira de sua porta, quando viu passar um professor com seus alunos.

“Aonde vão?”, perguntou.

“Rezar para que Deus acabe com a corrupção, já que ele sempre escuta a prece das crianças”, respondeu o professor.

“Uma boa educação já teria acabado com isso. Ensine os meninos a serem mais responsáveis do que seus pais e tios”.

O professor ofendeu-se: “eis um exemplo de falta de fé! A prece das crianças pode mudar tudo!”

“Deus escuta qualquer um que reza. Se Ele só escutasse as preces das crianças, não haveria uma só escola no país; não há nada que elas detestem tanto quanto um professor”.

PAULO COELHO

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