12.11.2010

Pesquisa em saúde

 Por que pesquisa em saúde?
A importância da saúde – e de quem é a responsabilidade
A saúde foi defi nida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência
de doença” (Organização Mundial da Saúde - OMS). Não é surpreendente, portanto, que a boa saúde esteja no topo da
lista de aspirações das pessoas em qualquer lugar. É apropriado que a saúde seja reconhecida como um direito humano
em diversas convenções e tratados globais, inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nas constituições
e políticas nacionais. Conseqüentemente, os formuladores de políticas em todos os lugares têm a responsabilidade
fundamental de proteger e promover a saúde dos indivíduos e populações a que eles servem. É também de seu próprio
interesse, uma vez que a negligência com a atenção à saúde e com a saúde pública está se tornando uma importante causa
de mudanças nos governos em países democráticos.
O mote para a ação de manter e melhorar a saúde é fortalecido pelo reconhecimento, que vem crescendo nos
últimos anos, das ligações íntimas que existem entre saúde e desenvolvimento. Até recentemente, as melhorias na saúde
eram vistas principalmente como uma conseqüência do desenvolvimento – um efeito benéfi co proveniente, para o
indivíduo, da diminuição da pobreza e do aumento das oportunidades por mais educação e melhores condições de vida.
Mais recentemente, desde 1993, tornou-se amplamente aceitável que uma saúde melhor é um elemento necessário ao desenvolvimento
e que os investimentos na saúde tornaram-se essenciais para as políticas de crescimento econômico que
buscam melhorar as condições de vida das pessoas mais pobres (WORLD BANK, 1993; WORLD HEALTH ORGANIZATION,
1996, 2001). De fato, os investimentos em saúde têm-se mostrado capazes de gerar taxas mais altas de retorno
do que virtualmente qualquer investimento que um governo possa fazer (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2001)
e de ser um componente indispensável de qualquer estratégia nacional que busque dar suporte ao alívio da pobreza e à
redução das desigualdades. A saúde, vista como um componente crucial do desenvolvimento humano, foi descrita mais
claramente por Amartya Sen em seu livro Development as Freedom (SEN, 2000).
Nesse contexto, as considerações sobre eqüidade de saúde (ligada mais ao conceito de “justiça” que ao de“igualdade”) são centrais, seja a saúde vista como um direito, seja como saúde pública ou em uma perspectiva de desenvolvimento
econômico. A promoção da eqüidade requer que se assegure a todas as pessoas, independentemente de sua
formação, etnia, gênero, local de moradia, raça ou posição social, a proteção adequada contra os fatores de adoecimento;
o acesso a conhecimentos, produtos e serviços que as habilitem a reduzir os fatores de risco e a obter aconselhamento e
tratamento; e a certeza de que não serão impedidas, por falta de recursos ou por outros obstáculos, de utilizarem o que
está disponível para que alcancem e mantenham a boa saúde e otimizem o desenvolvimento pessoal.
Esse conjunto de requisitos aponta para um aspecto crucial da saúde: seus determinantes não estão apenas no
setor saúde, e o alcance da boa saúde requer a atenção para um grande número de fatores que vão muito além da criação de conhecimentos, tecnologias e serviços que visam tratar doenças. Entre outros, os fatores que determinam níveis
elevados de educação e acesso a emprego, nutrição, transporte, água limpa e saneamento decentes e seguros, e proteção legal dos direitos são também todos de grande importância como determinantes da saúde, como são os macrofatores,
tais como boa gestão, sistemas democráticos e eqüidade e crescimento econômico. Assim, a responsabilidade pela saúde
não está apenas com os formuladores de políticas que trabalham diretamente no setor saúde, mas é partilhada por todos os formuladores de políticas no governo e nas agências internacionais que infl uenciam políticas globais em uma ampla gama de assuntos como mercado, meio-ambiente, propriedade intelectual, leis, direitos humanos, assistência e financiamento do desenvolvimento. Da mesma forma, os tomadores de decisão em setores não considerados normalmente como parte do setor saúde precisam pensar seriamente nas conseqüências de suas ações para a saúde. Os graves efeitos para a saúde, especialmente nas nações mais pobres, das políticas de ajuste estrutural desenvolvidas por instituições financeiras globais são um exemplo-chave de política de desenvolvimento sem consideração quanto ao impacto negativo na saúde
A pesquisa como componente central e indispensável de melhoria da saúde
Aplicando o que já é conhecido
Geralmente se diz que muitas doenças e milhares de mortes poderiam ser evitados “simplesmente” pela aplicação dos conhecimentos e ferramentas que já existem. Há consideráveis justificativas para essa afi rmação, como ressaltado nos exemplos seguintes:
• Em primeiro lugar, as políticas para a melhoria da saúde das populações devem adotar e implementar os conhecimentos e as ferramentas que já estão disponíveis – eliminando o espaço entre “o saber e o fazer” – e investir no tipo
de pesquisa necessária para entender os fatores que mantêm esse espaço aberto. Freqüentemente, apenas no âmbito dos países será possível identifi car esses fatores, devido à enorme variedade de sistemas, culturas, tradições, instituições políticas e capacidade de prestar assistência à saúde.
• O tipo de pesquisa necessária não requer recursos em escala comparável àquela necessária para o desenvolvimento de novas medicamentos. Ela requer, no entanto, capacidade de pesquisa quantitativa e qualitativa para engajar-se em uma variedade de métodos de pesquisa, incluindo pesquisas que investiguem a natureza e a extensão dos problemas
de saúde subjacentes e suas causas etiológicas (inclusive determinantes existentes dentro e fora do setor saúde); examinar a relevância e a capacidade de transferência do conhecimento e das ferramentas desenvolvidas em qualquer lugar;
realizar experimentos com adaptações às condições e contextos locais; explorar a dimensão de escala e a sustentabilidade
das intervenções; monitorar e avaliar a efetividade das intervenções e o seu grau de sucesso; medir a efi ciência e o custo-efetividade de todos os elementos no processo; e explorar os obstáculos sociais, econômicos, nacionais e internacionais
ao fechamento do espaço entre “o saber e o fazer” e tentar encontrar soluções.
A necessidade de mais pesquisas
O conhecimento e as ferramentas disponíveis nem sempre são adequados para resolver os problemas de saúde existentes
e há uma necessidade constante e sem fi m de gerar novas informações e desenvolver maneiras melhores, e mais efetivas, de
proteger e promover a saúde e de reduzir as doenças. Isso tem sempre gerado um dilema para os formuladores de políticas: o
de fi nanciar pesquisas que podem eventualmente levar a intervenções aperfeiçoadas e melhores resultados, desviando recursos
escassos da aplicação imediata do conhecimento existente. De tempos em tempos, a pesquisa tem demonstrado o seu valor no
longo prazo. Por exemplo, na epidemia global de pólio, nos anos 50, os formuladores de política em muitos países desenvolvidos
foram forçados a fazer planos para a construção de pulmões de aço e de instalações hospitalares para abrigá-los. Esta abordagem de longo prazo e altamente dispendiosa para atender pessoas com paralisia crônica tornou-se obsoleta com a invenção da
vacina antipólio, e a doença está agora – talvez – perto de ser globalmente erradicada. O mesmo se aplica à pesquisa feita para confi rmar a ligação entre o ato de fumar e o câncer de pulmão, o que leva agora a reduções grandes e sustentáveis da incidência
de câncer nos países desenvolvidos, enquanto a incidência do fumo em muitos países em desenvolvimento é crescente. Alguns
exemplos contemporâneos da contínua necessidade de pesquisa incluem:
• Crescimento da resistência microbiológica, por exemplo, em doenças como tuberculose e malária;
• Ausência de tratamentos efetivos para doenças como a dengue em países de baixa renda;
• Tratamento e prevenção do HIV/aids;
• Preparação para novas e emergentes infecções;
• Necessidade de novos conhecimentos sobre os fatores globais que infl uenciam a saúde;
• Necessidade de novos conhecimentos sobre os contextos locais, condições e prioridades de saúde;
• Necessidade de novos conhecimentos sobre os determinantes sociais, políticos, econômicos e ambientais da
saúde, especialmente na compreensão de como aumentar a eqüidade interna dos países e entre países;
• Pesquisas em sistemas e políticas de saúde – como fazer o sistema de saúde atuar melhor;
• Necessidade de entender e monitorar os impactos das políticas globais de comércio e da globalização na
saúde dos indivíduos, famílias, comunidades e países;
• Pesquisa em saúde ambiental, interação entre atividades econômicas e saúde humana e ambiental, que é cada
vez mais pertinente para os países em desenvolvimento;
• Necessidade de novos conhecimentos sobre o que as pessoas precisam para ser e permanecer saudáveis;
Necessidade de compreender como usar da melhor forma a pesquisa, não apenas para melhorias na saúde, mas também para o desenvolvimento social e econômico – de forma igualitária.
Essa lista está longe de ser exaustiva. Assim, por meio da adoção, adaptação e aplicação do conhecimento existente,
permanece uma necessidade substancial de pesquisa para criar novos conhecimentos e tecnologias e para traduzilos em intervenções efetivas que capacitarão as pessoas a serem saudáveis... em toda parte.
“Pesquisa em saúde” e “pesquisa para a saúde”
O espectro da pesquisa em saúde é amplo e inclui:
• pesquisa biomédica,
• pesquisa em saúde pública,
• pesquisa em sistemas e políticas de saúde,
• pesquisa em saúde ambiental,
• pesquisa em ciências sociais e comportamentais,
• pesquisa operacional e
• pesquisa em saúde como parte da pesquisa geral em “ciência e tecnologia”.
No entanto, considerando a defi nição de saúde usada anteriormente, é evidente que a gama de pesquisas necessárias
para “proteger e promover a saúde e reduzir a doença” é até maior que essa. De fato, é mais apropriado falar sobre
“pesquisa para a saúde” do que sobre “pesquisa em saúde” para reconhecer que os campos de interesse envolvem as
relações entre a saúde e, entre muitos outros, os fatores sociais, econômicos, políticos, legais, agrícolas e ambientais.
Como exemplo, pode-se olhar historicamente para o “período sanitário”, no qual foram possíveis rápidos ganhos
em saúde devido mais à engenharia civil (i. e. água, saneamento, moradia) que a medicamentos e atenção à saúde. Exemplos
mais recentes incluem a redução de mortes no trânsito a partir de pesquisas combinadas nos setores de transporte e de
saúde (trabalho e saúde, testes de visão, mas também melhorias na sinalização de estradas, aumento considerável na segurança
de carros e pneus, e limites de velocidade). A pesquisa em agricultura tem sido cada vez mais responsável não apenas
por novos produtos, mas por maneiras de aumentar a segurança alimentar. Pesquisas multidisciplinares, unindo medicina e
tecnologia, têm melhorado rapidamente as tecnologias de saúde e oferecido esperança para a detecção precoce de doenças
e equipamentos para reduzir o impacto das defi ciências. Em alguns casos, a pesquisa feita em países em desenvolvimento
para lidar com problemas locais específi cos encontrou aplicação no mundo desenvolvido, uma tendência que está crescendo
com a expansão da capacidade de pesquisa de nações em desenvolvimento progressivo.
Fica também claro por esses exemplos que nem a “pesquisa para a saúde” nem a “pesquisa em saúde” são necessariamente
tarefas do setor público: tanto as organizações privadas com fi ns lucrativos, quanto as não-governamentais
sem fi ns lucrativos deram contribuições em pesquisas para a saúde, para a eqüidade em saúde e para o desenvolvimento.
O fracasso e a promessa da pesquisa em saúde
No último século observou-se uma melhoria sem precedentes na saúde humana, pois metade do crescimento
total da expectativa de vida alcançado em milhares de anos ocorreu apenas nos últimos cem anos – como testemunhado
pela signifi cativa diminuição da mortalidade materna e infantil e em outros indicadores de saúde.
Mesmo existindo muitos fatores responsáveis por esse fenômeno, inclusive melhorias nas condições de vida e
nutrição, há também duas sucessivas revoluções no campo da saúde que tiveram uma infl uência maior. A primeira foi uma
transformação na saúde pública, resultante de novos conhecimentos sobre as ligações entre o meio ambiente, a higiene e
a doença, que conduziram a melhorias na qualidade da água, do saneamento e da moradia em países industrializados. A
segunda revolução, resultante de avanços em ciências como a física, a engenharia, a química, a bioquímica e a medicina,
foi na prevenção, detecção e tratamento de doenças por meio da aplicação de vacinas, diagnósticos e medicamentos.
Entretanto, os benefícios resultantes estão muito mal distribuídos. Um grande número de pessoas, nos países
menos desenvolvidos, tiveram até hoje pouco ou nenhum benefício com as ferramentas até agora criadas. Isso ocorre

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tanto pelo fato de os produtos serem difíceis de adquirir ou administrar em sistemas de saúde carentes e pouco desenvolvidos
quanto por causa da “não-criação”: produtos que são predominantemente ou exclusivamente necessários em
países pobres simplesmente não foram pesquisados e criados, mesmo que lá esteja a grande maioria da população do
mundo e a maior proporção de doenças e mortalidade. Como resultado da distribuição desigual dos benefícios, as desigualdades
de saúde (incluindo aspectos físicos, mentais e sociais) nas populações e entre populações aumentou em
algumas partes do mundo em desenvolvimento.
Esses desequilíbrios na distribuição global dos investimentos na atenção à saúde são – novamente, sem surpresa
– também encontrados em desequilíbrios nos investimentos e capacidades de pesquisa em saúde. Em 1990, a Comissão
de Pesquisa em Saúde para o Desenvolvimento apontou que a maioria das pesquisas em saúde têm sido conduzidas em
países mais ricos e para as necessidades de saúde desses mesmos países, tanto que a natureza e o foco das drogas, tecnologias
e conhecimentos têm sido menos relevantes para as necessidades dos países mais pobres. Entre os importantes
aspectos do trabalho da Comissão, três em particular são ressaltados aqui:
• A Comissão chamou atenção para a importância de cada país estabelecer uma capacidade de conduzir pesquisas
essenciais de relevância para suas próprias necessidades no campo da saúde. Em seguida, o COHRED, fundado
em 1993 como sucessor da Força Tarefa da Comissão, capitaneou a evolução da Pesquisa Nacional Básica de
Saúde (Essential National Health Reseach – ENHR) e apoiou trabalhos em mais de 60 países na organização
e priorização de pesquisas para dar suporte aos sistemas de saúde. O trabalho do COHRED na ENHR estimulou
uma maior atenção para a pesquisa, gerenciando e priorizando a pesquisa em saúde, e levou à evolução do
conceito de sistemas nacionais de pesquisa em saúde (National Health Research Systems - NHRS) como uma
moldura ampla para analisar, desenvolver e fortalecer a capacidade dos países de determinar prioridades em
pesquisa em saúde e decidir como direcioná-las.
• A Comissão fez o primeiro esforço sistemático para medir o fl uxo de recursos para a pesquisa em saúde em
escala global. Estimou-se que, para 1986, menos que 10% (de fato, perto de 5%) dos 30 bilhões de dólares que
o mundo gastou em pesquisa em saúde foi voltado para os problemas de saúde específi cos de países em desenvolvimento,
enquanto 90% das perdas evitáveis por morbidade deveriam encontrar-se nestes países. Isso levou
ao conceito conhecido como “ desequilíbrio 10/90” (10/90 gap) na pesquisa em saúde. O Fórum Global para
Pesquisa em Saúde (Global Forum for Health Research) foi criado em 1998 com a missão de ajudar a diminuir
esta lacuna. O Fórum Global continua a monitorar o fi nanciamento da pesquisa em saúde em nível global (mais
de cem bilhões de dólares gastos anualmente) e, em colaboração com o COHRED, em nível nacional, tanto
quanto encoraja o estabelecimento mais sistemático de prioridades e a focalização da atenção em pesquisas em
uma gama de doenças, populações e temas negligenciados.
• Reconhecendo a importância crítica de recursos, nos casos em que a pesquisa em saúde fosse capaz de cumprir
sua promessa, a Comissão recomendou que cada país em desenvolvimento deveria alocar cerca de 2% de seu
orçamento nacional para a saúde em pesquisa básica em saúde e fortalecimento da capacidade de pesquisa e que
isto deveria ser complementado por doadores, alocando 5% de sua assistência em saúde para apoiar essas áreas.
O progresso na implementação dessas recomendações tem sido desigual, mas acelerou-se recentemente. Uns
poucos países em desenvolvimento já alcançaram a marca de 2%, o que foi recentemente endossado ofi cialmente
pelo Encontro Ministerial sobre Pesquisa em Saúde, realizado na Cidade do México, em novembro de 2004, por
encontros subseqüentes da Assembléia Mundial da Saúde e da Secretaria Executiva da OMS e por ministros de 14
países africanos, em Gana, em junho de 2006 (OMS, 2006). Vários doadores estão contribuindo com mais de 5%
de seu orçamento para a saúde para apoiar pesquisas e fortalecer as capacidades de pesquisa nesse setor, e outros
estão se comprometendo a agir nessa direção.
Agendas de pesquisa incompletas e novas propostas de pesquisa
A necessidade de continuar expandindo a quantidade e a qualidade da pesquisa que enfoca os problemas de saúde
dos países mais pobres e das populações marginalizadas, inclusive pesquisas que são feitas dentro e por estes próprios
países, é direcionada por velhos e novos problemas:
• A persistência de doenças de notifi cação compulsória continua sendo um gasto desnecessário em muitos países
pobres. Isso inclui, em particular, doenças como a malária, que deixaram de ser problemas signifi cantes de saúde
pública em países ricos; um grupo de outras doenças parasitárias tropicais transmitidas por vetores, como a
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leishmaniose, a esquistossomose e as infecções por tripanossomo, que causam a doença do sono na África e a
doença de Chagas na América Latina; a dengue, outra infecção transmitida por mosquitos que está expandindo
seu impacto principalmente em países em desenvolvimento e para a qual não existe, ainda, vacina preventiva;
algumas infecções como a tuberculose (TB) que estiveram bem controladas, mas agora estão ressurgindo devido
à evolução de formas resistentes; e novas ameaças globais à saúde impostas por doenças surgidas recentemente
como HIV/aids, Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS) e gripe aviária.
• A lista de tais doenças é longa e elas partilham um número de fatores importantes. São causadas por vírus, bactérias
e parasitas, transmitidos diretamente por pessoas ou indiretamente, via hospedeiro animal. Particularmente
para esse grupo existem poucas ferramentas efetivas em forma de vacinas e medicamentos. As ferramentas disponíveis
estão freqüentemente falhando devido ao surgimento de formas resistentes (ex. malária, TB), são muito
caras para aplicação em países pobres sem a ajuda internacional massiva (por exemplo, drogas anti-retrovirais
para HIV/aids), ou são difíceis de administrar sem sistemas de saúde sofi sticados e com bom funcionamento
(ex. Tratamento Diretamente Observado de curto prazo – para TB, drogas anti-retrovirais para HIV/aids). Além
disso, o desenvolvimento de novas ferramentas tem sido freqüentemente pouco priorizado pelo setor privado, já
que não é percebido como um mercado sufi cientemente lucrativo para os produtos.
• Nas últimas décadas, uma transição epidemiológica massiva tem ocorrido globalmente. Doenças crônicas ou não
notifi cáveis, como doença cardiovascular, diabetes e câncer, que costumavam ser consideradas como doenças
características de países ricos, tornaram-se agora também doenças da pobreza em países de baixa e média renda.
Elas constituem pelo menos metade das perdas por doenças em muitos países em desenvolvimento (ex. Índia) e
pouco mais de três quartos na China.
• Essas condições crônicas, também identifi cadas freqüentemente como doenças causadas pelo estilo de vida, estão
associadas a uma gama de determinantes, que incluem dieta inapropriada, obesidade, falta de atividade física
e uso de tabaco. Geralmente, elas podem ser previstas. Uma vez adquiridas, a severidade do seu impacto pode ser
minimizada por uma combinação de mudanças de comportamento e tratamento – que freqüentemente precisa ser
por toda a vida – com medicamentos. Enquanto muitos países desenvolvidos conseguiram diminuir a incidência
dessas doenças em anos recentes, a adaptação de medidas efetivas de prevenção e tratamento às condições e
contextos de países mais pobres apenas começou. Serão necessários esforços substanciais para conseguir isso.
• Outra forma de ver isso é olhar para as mudanças populacionais ou para a transição demográfi ca. Os grupos de
idosos são, predominantemente, os grupos que crescem mais rapidamente nas populações, tanto nas nações em
desenvolvimento quanto nas desenvolvidas. As doenças crônicas e não notifi cáveis tendem, portanto, a se tornar
áreas-chave de preocupação em países pobres em futuro bem próximo.
• Os países pobres estão experimentando um grande e crescente prejuízo com os traumas, particularmente com o
transporte se tornando mais mecanizado, as taxas de traumas por acidentes de trânsito estão aumentando. Diferentemente
de países mais desenvolvidos, os traumas envolvem freqüentemente colisões entre veículos potentes
e ciclistas ou pedestres. Muitos países desenvolvidos têm sido capazes de reduzir substancialmente suas taxas de
traumas por acidentes de trânsito por introdução compulsória de cintos de segurança e capacetes, redução nos
limites de velocidade e endurecimento da legislação sobre o consumo de álcool por motoristas na direção. As mortes
e traumas permanentes causados por acidentes de trânsito também têm sido reduzidos pelo desenvolvimento de
atendimento e tratamento de emergência efetivo e rápido. Muito menos atenção tem sido dada à adaptação dessas
lições ou ao desenvolvimento de novas e diferentes abordagens que sejam relevantes para as diferentes condições
de tráfego e as limitações de recursos encontradas em países pobres.
• No mundo inteiro, a ênfase dos serviços e sistemas de saúde – e das pesquisas associadas a estes campos, tem
sido principalmente na prevenção e tratamento de doenças. Recentemente, começou a surgir uma nova conceitualização
da saúde global que está fi nalmente mais sintonizada com a defi nição mais ampla de saúde como
“um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença”. Enquanto, no
passado, geralmente falhamos em conceituar ou oferecer o que as pessoas necessitavam para se tornarem saudáveis,
novas abordagens estão agora começando a identifi car esta falha, como o trabalho da Comissão sobre os
Determinantes Sociais da Saúde da OMS e os princípios desenvolvidos na corrente das conferências e encontros
internacionais sobre promoção da saúde que começou em Ottawa, em 1986. Esses esforços estão contribuindo
para defi nir o que precisa ser feito para realmente promover a saúde, reconhecendo-se que deve haver uma responsabilidade
partilhada entre indivíduos, que podem ter, na realidade, muito poucas escolhas, e governos, que
precisam criar e apoiar as condições necessárias para a saúde de sua população.
• Esta nova agenda tem um duplo caráter. É global em seu escopo, na natureza dos princípios que a apóiam e em
algumas atitudes que precisam ser tomadas para regular, por exemplo, o transporte de substâncias perigosas,
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patógenos e práticas de manuseio. Ao mesmo tempo, é nos níveis nacional e local que as ações efetivas devem
ser tomadas para dar a cada indivíduo a oportunidade de alcançar a saúde e o bem-estar almejados. O desafi o
para a pesquisa, em ambos os níveis, global e nacional, é ajudar a descobrir, compreender e controlar os determinantes
relevantes e assegurar que a aplicação deste conhecimento seja eqüitativa e não crie novas falhas. Assim,
a nova conceituação emergente de saúde global está trazendo um reconhecimento importante da conectividade
entre os problemas de saúde globais e locais e da necessidade de ação trans-setorial em muitos campos, apoiada
por pesquisa. Cada vez mais se reconhece que a oferta de uma saúde melhor é responsabilidade não apenas do
setor saúde, mas de todo o governo e das comunidades, famílias, indivíduos e da sociedade civil organizada que
os representam, e requer o envolvimento ativo e a aceitação da responsabilidade partilhada pela saúde por todas
as autoridades de todos os setores.
Novas tendências na pesquisa em saúde: oportunidades e ameaças para a eqüidade na saúde
A revolução nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) lançou as bases para maiores avanços em
genoma e biotecnologia. A capacidade de ler, armazenar e comparar os milhões de pedaços de informação que formam
o genoma de cada organismo no planeta já resultou em um maior nível de entendimento dos processos das doenças.
Combinando com as novas técnicas emergentes para a exploração e manipulação da matéria em escala “nano”, novas
oportunidades são abertas para o desenvolvimento de tecnologias preventivas, diagnósticas e curativas, e de medicamentos
e métodos.
Essas novas tecnologias sustentam grande promessa de melhoria na saúde e de redução das desigualdades na
saúde das pessoas em qualquer lugar, mas isso só ocorrerá se elas forem desenvolvidas e aplicadas para os problemas de
todas as populações. Se os padrões do último século forem repetidos, elas trabalharão apenas para os mais ricos e privilegiados,
resultando no crescimento das desigualdades em uma mesma população e entre populações distintas. Algumas
possíveis aplicações das novas tecnologias também impõem ameaças potenciais para populações, grupos ou indivíduos
específi cos. Para evitar que isso aconteça, o tema deve ser explorado e debatido amplamente.
O sucesso ou fracasso dos movimentos e intervenções na saúde nas décadas recentes – inclusive a abordagem
primária da atenção à saúde, intervenções para o planejamento familiar e o controle populacional, Saúde para Todos e,
mais recentemente, a intervenção na pandemia de HIV/aids por meio do Fundo Global de Combate ao HIV/Aaids, Tuberculose
e Malária e a Iniciativa 3 por 5 – apontaram todos para o papel central que os sistemas de saúde desempenham
ao fazer funcionar tanto as já conhecidas, como as novas intervenções. Predominantemente, as intervenções mais novas
contra as condições globais estão se tornando cada vez mais “sistematizadas”. Elas provocam demandas substanciais
(que em geral competem entre si) nas capacidades dos sistemas de saúde, inclusive na capacidade de pesquisa em saúde.
Os sistemas de saúde oferecem a estrutura crucial para o melhor fornecimento de serviços de saúde e para torná-los mais
acessíveis e baratos – e os sistemas de saúde precisam ser mais fortemente apoiados por políticas de saúde, pesquisas
de sistemas e pesquisas operacionais. Além do mais, uma revisão recente feita pela Aliança para Políticas de Saúde e
Pesquisas de Sistemas apontou para um défi cit duplo: 1) o campo total de pesquisas de sistemas de saúde encontra-se
bastante defi citário; e 2) apenas uma pequena fração das pesquisas realizadas neste campo está sendo conduzida em ou
para as necessidades dos países menos desenvolvidos, mesmo que seja aí o lugar em que os sistemas e políticas são mais
frágeis e precisam de mais atenção.
A boa pesquisa em saúde precisa de bons sistemas de pesquisa em saúde
A pesquisa em saúde é obviamente um componente indispensável ao crescimento e desenvolvimento de povos e
nações. Sejam públicas ou privadas, com ou sem fi ns lucrativos, as pesquisas em saúde e médicas contribuem para a
saúde diretamente (a partir de terapias, intervenções, diagnósticos, tecnologias e melhoria da qualidade no fornecimento
da atenção à saúde que resultam da pesquisa) e indiretamente, por meio do impacto potencial da melhoria da saúde na
atividade econômica, devido aos benefícios econômicos prospectivos da própria pesquisa em saúde e ao fato de que ela
ajuda a criar e manter uma cultura da evidência e da razão.
A pesquisa em saúde é vista normalmente nos limites estreitos dos pesquisadores e instituições de pesquisa. O
fi nanciamento do setor público, se disponível, é normalmente repassado para instituições, que, por meio de vários mecanismos,
desembolsam os recursos a pesquisadores para que eles conduzam projetos específi cos. Existem poucos países
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e instituições onde o contexto mais amplo da pesquisa em saúde só é considerado quando há uma garantia dada pelo parlamento
ou por instituições políticas similares. No que se refere ao setor privado, em que o fi nanciamento está voltado
para o lucro, o lucro potencial é adicionado à lista de critérios pelos quais os recursos são alocados. E, no caso de pesquisa
privada sem fi ns lucrativos, o motivo específi co do fi nanciamento torna-se o critério adicional. Conseqüentemente,
a pesquisa em saúde, tanto em países ricos como em países pobres, torna-se com freqüência uma coleção de projetos
despropositados, muitos dos quais não têm talvez qualquer ligação direta com as prioridades de pesquisa em saúde do
país. A pesquisa relacionada à eqüidade na saúde ou a critérios de eqüidade e desenvolvimento na alocação de recursos
é rara e, conseqüentemente, mesmo as pesquisas em saúde que resultam em novas intervenções efi cazes são incapazes
de contribuir para a redução da desigualdade na sociedade, a não ser como um efeito colateral. Finalmente, mesmo que
a pesquisa dê respostas práticas para problemas de saúde, como novas drogas ou métodos de diagnóstico, tais achados
raramente têm impacto imediato na saúde dos pobres. De fato, todos nós sabemos muito bem que há terapias efetivas
para as condições que ainda estão causando a maioria da morbidade e mortalidade no mundo em desenvolvimento.
Além disso, está na alçada governamental o poder para coordenar os recursos da sociedade de modo a otimizar
a saúde e os benefícios econômicos da pesquisa em saúde e empregar tais recursos de forma eqüitativa. Os benefícios deveriam ser endereçados especifi camente para as necessidades de saúde dos grupos vulneráveis da população. A melhor
chance que um governo tem para otimizar o impacto da pesquisa em saúde e usar todo o seu potencial em saúde e
desenvolvimento é considerar pesquisadores, projetos de pesquisa e instituições de pesquisa no contexto dos NHRS. Só então os outros vários componentes necessários para fazer a pesquisa em saúde trabalhar para todos podem tornar-se mais explícitos, infl uenciados e avaliados.
Sistemas de pesquisa em saúde
O conceito de sistemas de pesquisa em saúde visa a prover uma ferramenta para o entendimento e orientação de
todos os esforços de pesquisa nas nações e sociedades. No seu sentido mais amplo, os sistemas de pesquisa em saúde incluem todos os esforços que estão diretamente interligados e têm um efeito no modo como a pesquisa é feita e no modo como ela tem impacto na saúde. Por exemplo, na visão tradicional dos pesquisadores, projetos de pesquisa e instituições
de pesquisa, os atores seguintes não são usualmente considerados ou são considerados apenas em um estágio tardio da pesquisa: a mídia (que traduz os achados das pesquisas em linguagem acessível ao público); a comunidade (especifi camente, a sociedade civil organizada);setores de desenvolvimento e negócios (para ação futura); o sistema de
saúde (quem deve implementar os achados?) e, com certeza, os responsáveis pelas políticas (cuja responsabilidade será
a de garantir a implementação dos serviços de saúde). Ver os esforços de pesquisa em e das sociedades como um sistema de pesquisa em saúde pode levar a uma análise mais compreensível dos componentes e ações necessárias para passar de
uma boa idéia de pesquisa a uma ação de saúde efetiva que contribua para melhorar a saúde e reduzir a desigualdade.
Tal sistema de pesquisa em saúde é complexo, fora do controle de qualquer agência ou entidade e com freqüência
mal defi nido. No ambiente da ciência e tecnologia, muito mais esforços têm sido feitos para defi nir e gerenciar tais sistemas complexos e para direcionar o esforço de pesquisa de uma nação para metas claramente defi nidas. Mais do que isso, tais metas estão ligadas ao fortalecimento de algumas partes da capacidade de pesquisa que dará ao país
uma vantagem tecnológica e econômica. Na pesquisa em saúde, poucos desses esforços têm sido feitos, em parte talvez porque os sistemas de pesquisa em saúde são mal defi nidos e porque o setor saúde é visto como diferente de outros setores mais importantes.
Componentes dos sistemas de pesquisa em saúde
O COHRED tentou uma primeira definição de sistemas de pesquisa em saúde nacionais propondo quatro funções genéricas para a Conferência Internacional em Pesquisa em Saúde para o Desenvolvimento, em 2000 acompanhar o sistema; pesquisar o sistema; 3) construir a capacidade para conduzir pesquisas essenciais; conduzir a própria pesquisa, que foi mais tarde dividida em geração e utilização do conhecimento.
Essa visão ampla foi reduzida pela seguinte definição de sistemas de pesquisa em saúde proposta pela OMS: “as pessoas, instituições e atividades, cujo objetivo é gerar conhecimento detalhado e confiável que será usado para promover, restaurar e manter o estado de saúde das populações. Nossa definição inclui todos os atores envolvidos primariamente na geração de conhecimento nos setores público e privado.” Um propósito desta definição é dar consistência ao sistema. No entanto, ao limitar o sistema de pesquisa apenas a estes conhecimentos
Por que pesquisa em saúde? gerados, a definição exclui as muitas outras partes do sistema que são requeridas para assegurar que o conhecimento gerado seja relevante e para fazer as conexões da geração de conhecimento com a ação de saúde efetiva.
Um melhor entendimento do formato dos NHRS é dado pela descrição de suas principais funções:
• acompanhamento e gestão,
• financiamento,
• construção de capacidade,
• geração ou tradução de conhecimento e
• utilização de conhecimento.
Uma estrutura que use estas várias funções do sistema como ponto de partida possibilitará um mapeamento mais claro das autoridades responsáveis, das atividades-chave, do núcleo do sistema, seus processos e resultados do que simplesmente considerando os produtores de conhecimento. Mesmo estando fora do escopo deste texto uma consideração detalhada dessas funções principais, está claro que uma abordagem sistemática para definir cada componente e suas atividades é mais apropriada para fazer da pesquisa uma das ferramentas disponíveis para os países melhorarem a saúde da população, a eficiência e o impacto do sistema de saúde, e o desenvolvimento em geral. Na tabela abaixo, algumas das partes cruciais de cada uma das funções do sistema de pesquisa são dadas como ilustração, não como uma lista exaustiva.
Acompanhamento e gestão
.. Existe uma política/estrutura/agência onde os dados sobre as atividades nacionais de pesquisa
em saúde sejam sistematicamente coletados, analisados e disseminados?
.. Quais são os “responsáveis”? Existe representação de usuários, comunidades, sociedade civil organizada?
Como eles alimentam a gestão dos recursos públicos? Como os interesses dos pobres
são representados? Como as pesquisas dos setores público e privado interagem?
.. Existe uma lista nacional de prioridades de saúde e de problemas do sistema de saúde? Essa
lista é estabelecida de maneira confi ável, atualizada, tornada pública ou divulgada e usada nasdecisões políticas?
.. Para quem os pesquisadores e as instituições de pesquisa prestam contas? Para os contribuintes,
para as comunidades vulneráveis?
.. Existem dados sobre o impacto na saúde e os benefícios econômicos potenciais da pesquisa
em saúde?
.. A criação de uma cultura de pesquisa nos países é parte importante do monitoramento efetivo.
Financiamento
.. Como a pesquisa em saúde é fi nanciada? Existe uma diferenciação entre pesquisa pública,
privada, estrangeira, local?
.. Existe um mecanismo de monitoramento para os gastos governamentais com pesquisa em saúde
(meta de 2% do orçamento público) e para os gastos em ajuda externa para pesquisa em saúde
(meta de 5% do orçamento público)?
.. São explorados mecanismos inovadores para a obtenção de fundos? Tanto locais quanto
internacionais?
.. Existem lacunas na atividade de pesquisa? Há uma focalização na falta de financiamento?
Se há, o que é feito para supri-la?
Construção de capacidade
.. A construção de capacidade pode ocorrer no nível dos indivíduos, das instituições, do sistema e
saúde e até do governo como um todo e do meio ambiente (inclusive, por exemplo, a capacidade
de governar a pesquisa nacional em saúde). Existe um lugar onde tais análises são sistematicamente feitas? Seus resultados são traduzidos em esforços de construção de capacidade?
.. Há um levantamento de necessidades e uma competência para atender essas necessidades, por
meio de recursos locais e internacionais?
.. Enquanto a geração de conhecimento acarreta novos conhecimentos, o conceito de “tradução
de conhecimento” indica a capacidade de um país de entender a importância da pesquisa feita
em qualquer parte e de usá-la em seu próprio benefício.
.. Existe um sistema de varredura sistemática e interação com organismos semelhantes em outras
partes do mundo para assegurar que os países produzam a maioria dos conhecimentos e especializações necessárias?
Utilização de conhecimento
.. Por fi m, o conhecimento precisa traduzir-se em ação de saúde signifi cativa. A ligação do conhecimento disponível com a implementação efetiva inclui muitos atores e todos contribuindo.
Sem eles, a ação pode ter um impacto reduzido ou até mesmo não acontecer. Da mídia (popularizando as publicações científi cas e o conhecimento) e instituições educacionais (assegurando um currículo continuamente atualizado e a capacidade de atualização dos estudantes)
à transformação do sistema de saúde para incluir novos protocolos/diretrizes/diagnósticos/
terapêuticas, ação política para mudança e muito mais: a menos que seja sistematicamente
mapeado e direcionado, o conhecimento disponível permanecerá sub-utilizado, acarretando
sofrimentos e mortes evitáveis.
Sistemas nacionais de pesquisa em saúde
É central para o conceito de sistemas de pesquisa em saúde que o controle efetivo sobre essa pesquisa possa realmente ser executado apenas em níveis nacionais, onde se encontram as autorizações políticas para os gastos e a ação
nacional. Apesar da conversa sobre “arquitetura global de pesquisa”, e da existência de serviços de saúde nacionais, com seus próprios institutos de pesquisa, e de um setor privado que tem pesquisas de custo, qualidade e efi ciência desenvolvidas regularmente, é no nível dos governos nacionais que a pesquisa em saúde pode ser levada a direcionar as melhorias na saúde para a população de baixa renda, a igualdade na saúde e o desenvolvimento, e para onde os esforços de pesquisa
podem ser direcionados (por meio de vários mecanismos de financiamento e legislações) no alcance de saúde, eqüidade ou de metas acordadas internacionalmente como as Metas de Desenvolvimento do Milênio.
Há um fator adicional de grande importância. Mesmo sendo a pesquisa freqüentemente retratada como neutra e objetiva, o conhecimento e o caminho que ele percorre até a ação de saúde efetiva certamente não o são. Por esta razão,
os sistemas de saúde precisam levar em conta a natureza específi ca, a cultura, a história, as capacidades e preferências
dos países. Em resumo, os sistemas de pesquisa são altamente específi cos para cada país. Não há sistema geral que funcione;
há apenas conceitos e valores que precisam de tradução para as realidades locais.
Os países em desenvolvimento têm outra razão crucial para construírem sistemas fortes de pesquisa em saúde.
Eles precisam de prioridades de pesquisa em saúde estabelecidas com credibilidade e atualizadas, uma estrutura de políticas de pesquisa em saúde, um mecanismo de gerenciamento de pesquisa em saúde e um sistema de comunicação
com doadores e patrocinadores de pesquisas. Só assim os parceiros dos países desenvolvidos podem ser capacitados e
encorajados a alinhar seus investimentos em pesquisa em saúde com as prioridades nacionais e harmonizar sua ajuda
com aquelas de outros para serem capazes de realçar o potencial de construir a capacidade e a sustentabilidade da pesquisa
para programas de saúde.
Daí nossa ênfase na importância de sistemas de pesquisa em saúde quando se considera a estimulação da pesquisa
em saúde nos ou para os países em desenvolvimento.
Reconhecemos que essa não é uma tarefa pequena, porque demanda uma abordagem coerente e planejada, dentro e além do setor de saúde, e envolvendo vários setores do governo, autoridades civis e parceiros para o desenvolvimentointernacional. O desafi o é que os governos desenvolvam políticas nacionais especialmente claras, que incluam
pesquisas para a saúde e tomem a iniciativa de estimular as autoridades relevantes a se engajarem nessa abordagem de caráter coletivo.
Por que pesquisa em saúde?

 Apesar da melhora nos últimos anos, o Brasil ainda tem um longo caminho a seguir para ser competitivo A pesquisa biomédica passou do amadorismo e voluntarismo à seriedade e ao profissionalismo necessários para projetar o Brasil no cenário mundial. Nenhum país que pretende ser potência mundial pode deixar de criar e ampliar seu parque científico. As pesquisas, em geral, e a biomédica, em particular, vêm se beneficiando da estabilidade econômica dos últimos 15 anos, além da criação dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia e da consolidação do financiamento estadual pelas fundações de apoio às pesquisas estaduais, a exemplo da Fapesp.Mas ainda falta muito. “Nos últimos oito anos, o volume de recursos do Ministério da Saúde vem aumentando progressivamente, aproxima-se dos 200 milhões de reais ao ano e influencia setores da pesquisa específicos e complementares àqueles que recebem o apoio tradicional das agências de fomento”, afirma José Eduardo Krieger, professor de Cardiopneumologia e diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração da USP. 

CartaCapital: Que tipo de projetos o Ministério da Saúde apoia atualmente?

 José Eduardo Krieger: Projetos interdisciplinares de inovação em saúde, como a pesquisa em células-tronco, e de transferência de tecnologia para o sistema de saúde, como os estudos da hipertensão arterial.

CC: O que falta para a ampliação desses e de outros projetos científicos?

 JEK: Infraestrutura adequada, formação e capacitação de redes envolvendo os hospitais universitários e acesso a equipamentos sofisticados como, por exemplo, sequenciadores de DNA de última geração, áreas que têm sido alvo de investimento por parte do Ministério da Saúde.

CC: Essa infraestrutura é exclusiva das instituições públicas?

JEK: Não. Essas medidas devem envolver a iniciativa privada, que é parte do complexo industrial da saúde e requer o funcionamento do sistema para desenvolver e testar novos agentes diagnósticos e terapêuticos. À medida que o sistema se moderniza, aumenta a articulação entre governo, academia e iniciativa privada.

CC: O que falta para maior avanço na pesquisa biomédica? 

JEK: O conjunto de medidas apontadas acima e o aumento dos recursos são positivos, mas evidenciaram as amarras do sistema. Nas universidades, o financiamento dirigido diretamente ao pesquisador gerou enormes dificuldades. A Fapesp, que desembolsa somas vultosas para financiar pesquisa, já sinalizou às universidades paulistas que elas devem prover maior apoio na gestão de projetos para que o foco do pesquisador seja a pesquisa, e não processos de compras e prestação de contas.

CC: A velocidade de aquisição e atualização da infraestrutura de pesquisa no Brasil é adequada? 

JEK:  Somos reféns de uma estrutura de importação/exportação de bens e serviços não concebida para atender às necessidades de pesquisa. A competitividade não depende apenas de se chegar a um certo ponto, mas de quão rápido se chega lá.  Compatibilizar a função de vários órgãos ligados a diferentes ministérios e as demandas da pesquisa é fundamental

CC: Isso é possível? 

JEK: Sim. Experiências recentes com participação de representantes do Ministério da Saúde, da academia, da Anvisa e da Receita Federal mostram que é possível simplificar os processos sem comprometer o papel dos diferentes órgãos.

CC: Como a pesquisa médica é vista no Brasil, em relação aos países desenvolvidos?

JEK: A pesquisa clínica, indispensável para o desenvolvimento de novas intervenções diagnósticas e terapêuticas, não é percebida como de interesse público, prejudicando a competitividade do País. A criação de marcos legais e instrumentos para que o Estado exerça o seu papel regulador é fundamental.

CC: Como está a nossa legislação? 

JEK: A lei que orienta a pesquisa animal, Lei Arouca, foi recentemente aprovada, criando o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. Mas a pesquisa clínica ainda aguarda regulamentação da lei que orienta suas atividades. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) ocupa-se, principalmente, com os aspectos éticos das pesquisas que envolvem humanos.  A regulamentação da lei ligando a Conep diretamente ao Ministério da Saúde permitiria ampliar as atribuições da entidade para observar, além dos aspectos éticos, os aspectos científicos importantes para o desenvolvimento das atividades, contribuindo para aumentar a competitividade do País nesse setor.

Fonte: Carta Capital

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