Economizem seu dinheiro comprando planos privados que lhes darão acesso apenas aos verdadeiros gargalos do sistema: exames e internações eletivas
Inspirado no modelo inglês, o Sistema Único de Saúde (SUS) é um excelente exemplo de sistema universal, gratuito no uso e com cobertura de uma ampla cesta de serviços. Além destes atributos, outro princípio fundamental do sistema é a igualdade na assistência à saúde, tornando inaceitáveis “preconceitos ou privilégios de qualquer espécie”. Tudo muito bem até aí, mas um pequeno detalhe escapou aos formuladores que desenharam o SUS e materializaram seus princípios na lei: faltou-nos importar os ingleses!
A aristocrática e hierárquica sociedade brasileira, sempre ciosa por demarcar a posição social de seus indivíduos, é frontalmente avessa a politicas igualitárias. Entre nós, o exercício de privilégios é tão “natural” e cotidiano que passa despercebido e inocente no dia a dia: está na invisibilidade do limpador de rua ou do porteiro, ou em anacrônicas profissões como engraxates ou ascensoristas, que ainda grassam em certos cantos. Daí foi um passo para aprendermos a olhar para o SUS como um sistema para os pobres. Usá-lo é um estigma da pobreza e faz com que a classe média nutra por este sistema a mesma repulsa que tem de se imaginar pobre. E assim é que ter plano de saúde torna-se, antes de tudo, um sinal de status e uma ilusão de ascensão social.
Mas há um caminho que pode tornar o SUS atraente à classe média. Pois, se há algo que nós, brasileiros, rejeitemos mais do que o estigma de ser um “igual”, um qualquer, um joão-ninguém, é fazermos o papel de idiota. Na sociedade da malandragem e esperteza, perder dinheiro comprando um serviço de que não necessitamos remete, por sua vez, ao estigma do otário. Antes miseráveis a otários! Convenhamos, pagar um seguro para cobrir um risco barato como a assistência ambulatorial, cujo custo pode ser até mesmo menor do que o a da mensalidade do plano, não faria sentido em lugar algum do mundo. No Brasil, em particular, torna-se o cúmulo da estupidez, já que o acesso gratuito a uma consulta básica num centro de saúde em qualquer bairro de classe média é uma opção concreta. Vale destacar que a realidade de um centro ou posto de saúde — ambiente geralmente de grávidas, crianças de colo e alguns idosos — em nada se assemelha às imagens que denunciam hospitais por falta de insumos e materiais, equipamentos ociosos e pacientes no chão. Unidades básicas do SUS são espaços simples, onde a experiência de um usuário/cliente é bastante similar à de se usar um transporte público como o metrô.
Gestores do SUS, a classe média ficará feliz em substituir as consultas que paga pelo plano de saúde por um atendimento similar e gratuito no sistema se puder agendar suas visitas ao posto de saúde por telefone, internet ou mesmo usando um aplicativo no celular. É preciso dar a carteirinha do “plano” SUS e mostrar o caminho da porta de entrada do sistema pela atenção básica para este grupo da sociedade.
Consumidores, economizem seu dinheiro comprando planos privados de saúde que lhes darão acesso apenas aos verdadeiros gargalos do SUS: exames diagnósticos e internações eletivas. O seu médico da atenção básica do SUS — que é rigorosamente o mesmo do seu plano de saúde — fará os pedidos e encaminhamentos que necessitar gratuitamente!
Agência Nacional de Saúde, planos que ofereçam cobertura hospitalar, mas que também incluam exames fora da internação fariam sentido no contexto de integração do SUS com a Saúde Suplementar. Trata-se de uma opção para os consumidores de planos e pode reconciliar a classe média com o SUS.
Heitor Werneck é sanitarista
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