O BANQUEIRO E OS CRIMES
Os auditores do BC encontraram indícios de lavagem de dinheiro e evasão de
divisas no Cruzeiro do Sul, presidido por Luis Octavio Azeredo Indio da Costa
Na última semana, ISTOÉ teve acesso a um relatório exclusivo da
Comissão de Inquérito do Banco Central com novas revelações sobre a
bilionária fraude do Banco Cruzeiro do Sul, que sofreu intervenção em
junho do ano passado e foi liquidado três meses depois. O documento de
247 páginas revela que o esquema criminoso montado pelos banqueiros Luis
Felippe Indio da Costa e Luis Octavio Azeredo Indio da Costa, pai e
filho, foi ainda maior do que a Polícia Federal e o Ministério Público
tinham conseguido apurar. O banco contou ainda com a omissão de grandes
empresas de consultoria e até com um aparato de arapongagem que garantia
acesso a informações privilegiadas.
Na documentação, obtida com exclusividade por ISTOÉ, pareceres e
notas jurídicas revelam a incrível variedade de crimes cometidos e o
tamanho do golpe. Segundo o relatório, foram feitas 682 mil operações de
empréstimos fictícios – o dobro do que a PF e o Ministério Público
imaginavam. Os auditores do BC também concluíram que houve desvio de
recursos por triangulação e encontraram indícios veementes de lavagem de
dinheiro e evasão de divisas. O rombo deixado pela gestão fraudulenta
dos Indio da Costa, que era estimado em R$ 1,3 bilhão, ultrapassa os R$
2,2 bilhões, conforme o relatório do BC. Agora, a Polícia Federal quer
saber se o dinheiro da fraude teve como destino paraísos fiscais, contas
de laranjas ou campanhas políticas, como a do tucano José Serra. Nas
eleições de 2006, 2008 e 2010, o Cruzeiro do Sul doou quase R$ 12
milhões para políticos de diversas legendas. O partido mais beneficiado
foi o PSDB. Em 2010, o Cruzeiro do Sul injetou R$ 1,2 milhão na
campanha do vice de Serra, Indio da Costa, primo do presidente do banco.
Também doou R$ 1,8 milhão diretamente para o diretório nacional do
PSDB, principal cofre da campanha serrista. Outro R$ 1,3 milhão foi
distribuído para diretórios tucanos empenhados na campanha de Serra. A
instituição buscava proteção financiando políticos e mantinha uma boa
relação com os tucanos. Ainda não é possível afirmar, no entanto, que o
dinheiro que acabou nas campanhas eleitorais tenha vindo direto das
operações fraudulentas dos banqueiros. Mas a PF já investiga essa
possibilidade.
DETIDO
Fundador do banco Cruzeiro do Sul, Luis Felippe Indio da
Costa teve prisão decretada em novembro de 2012
Uma cópia da papelada do BC chegou no fim da última semana à mesa da
procuradora da República Karen Louise Kahn e será anexada à ação penal. O
resultado do inquérito levou a Procuradoria-Geral do BC a pedir
ingresso como assistente de acusação contra os ex-controladores e
ex-administradores do Cruzeiro do Sul. Na petição recebida por Karen, o
procurador-geral Isaac Sidney Ferreira classifica de “gravíssimas” as
acusações imputadas aos réus. As irregularidades, de acordo com
Ferreira, envolvem a celebração de cessões de direitos creditórios em
condições artificiais, a contabilização de operações de créditos
inexistentes e o falseamento de demonstrações financeiras. Segundo o
procurador-geral do BC, as operações irregulares (saiba no quadro ao
lado como os golpes eram aplicados) são indicativos dos crimes de gestão
fraudulenta, indução em erro de sócios, depositantes, investidores e o
próprio ente fiscalizador e inserção de elementos falsos em
demonstrativo contábil. “Não podem ser ignorados os possíveis efeitos
deletérios das condutas descritas na denúncia sobre o funcionamento e a
credibilidade do Sistema Financeiro Nacional”, escreve Ferreira. O
procurador defende a minuciosa apuração dos fatos e punição dos
responsáveis. No âmbito das responsabilidades, o relatório do BC apontou
para a omissão das auditorias KMG e Ernest&Yong, que acompanhavam a
saúde financeira do Cruzeiro do Sul e não identificaram as
irregularidades. A prática será investigada agora pelo Ministério
Público Federal, que poderá determinar se houve erro de procedimento ou
conivência dos auditores.
A Polícia Federal investigará também o monitoramento telefônico de
fiscais do BC por parte da cúpula do Cruzeiro do Sul. Foi justamente
essa suspeita que levou o Ministério Público a pedir, no ano passado, a
prisão dos banqueiros. Em depoimento ao delegado federal Milton
Fornazari e em ofício encaminhado à procuradora Karen, até agora
inéditos, o presidente da Comissão de Inquérito do Banco Central, Clovis
Vidal Poleto, diz que descobriu o grampo quando examinava os registros
telefônicos dos operadores de mesa do Cruzeiro do Sul. Embora essas
“gravações de box” (como são chamadas pelos fiscais do BC) sejam
obrigatórias pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), Poleto
encontrou escutas que não tinham relação com as operações e até
telefonemas efetuados pelos membros da Comissão de Inquérito, o que
configuraria “quebra de sigilo das operações invetigadas”. Poleto
considerou o fato como “de extrema gravidade”, pois as investigações e a
apuração das responsabilidades dos administradores poderiam ficar
comprometidas. À PF, Poleto disse ainda que fiscais do Banco Central já
vinham sendo monitorados havia algum tempo. Ele analisou gravações de
conversas entre o então superintendente de operações e contratos de
empréstimos, Horácio Martinho Lima, e o presidente do banco Cruzeiro do
Sul, Luis Octavio, em que ambos discutiam “o teor de e-mail trocado
entre analistas do BC que à época estavam dentro das instalações físicas
do banco, realizando fiscalização em momento anterior à decretação da
intervenção”.
BENEFICIÁRIOS
O banco fraudulento doou R$ 4 milhões para o PSDB e à campanha de Serra, em 2010,
cujo vice era o deputado Indio da Costa (à dir.), primo do presidente do Cruzeiro do Sul
Apesar de ter conseguido a liberação de seus clientes, o advogado
Roberto Podval alega que a acusação de grampo não faz sentido. “Havia um
sistema que gravava automaticamente todas as conversas da mesa
telefônica. Ou por erro do sistema ou por procedimento automático,
conversas de fora da mesa estavam gravadas. Mas elas faziam prova contra
o próprio banco”, afirma. Podval reclama também que ainda não teve
acesso às informações do Banco Central e alegou desconhecer totalmente o
conteúdo do relatório da Comissão de Inquérito do Banco Central. Diante
do empenho do BC em investigar o Cruzeiro do Sul, Roberto Podval avalia
que seus clientes são alvo de perseguição política. “Não tenho dúvida
de que esse tratamento diferenciado é por conta das ligações do banco
com a oposição ao governo do PT”, alega Podval. O argumento carece de
respaldo, uma vez que a Procuradoria do BC atua hoje como assistente de
acusação em 55 ações penais. Dessas, 27 são sobre crimes contra o
sistema financeiro e 20 envolvem ex-administradores e ex-controladores
de bancos liquidados. Antes do Cruzeiro do Sul, o BC também entrou no
recente caso do PanAmericano.
As relações políticas dos banqueiros, porém, chamam a atenção,
especialmente a partir de 2006. Naquele ano eleitoral, Luis Octavio
Indio da Costa, Marcelo Xandó e Marcio Serra Dreher – indiciados agora
junto a 14 executivos do banco – comemoravam o sucesso da Verax Serviços
Financeiros, gestora do Cruzeiro do Sul. A empresa, então com apenas
três anos de vida, atingia R$ 1 bilhão em recursos administrados. O foco
do negócio eram os chamados Fidcs, mais conhecidos como fundos de
recebíveis. Os mesmos que foram usados posteriormente para maquiar
resultados e engordar dividendos, segundo o BC.
Em 2006, os Indio da Costa injetaram oficialmente R$ 500 mil nas
campanhas do DEM (então PFL), do PSDB e do PPS. O montante de R$ 100 mil
ajudou na eleição para deputado federal de Pedro Indio da Costa, primo
do banqueiro. Em 2010, quando o esquema de fraudes estava no auge, o
banco derramou uma quantia dez vezes maior para a oposição. José Serra,
candidato presidencial, chamou Indio da Costa para ser o vice na chapa. A
articulação não agradou a todos, mas garantiu doações milionárias à
campanha. Mesmo sendo um banco médio, o montante do Cruzeiro do Sul foi
equivalente ao doado por gigantes do setor, como Itaú e Bradesco.
O procurador do BC Issac Ferreira defende a minuciosa
apuração dos fatos e a punição dos responsáveis
Com acesso político a chefes de governos estaduais e gestores de
algumas autarquias federais, os diretores do Cruzeiro do Sul firmaram
237 convênios e chegaram a uma carteira de crédito consignado de R$ 500
milhões. Órgãos públicos de Alagoas, Pará, Goiás, Roraima e Tocantins,
Estados comandados por governadores do PSDB, permitiram que o banco
explorasse até 30% da folha de pagamento de seus servidores. Em 2009,
quando o então senador Heráclito Fortes (DEM-PI) ocupava a
primeira-secretaria do Senado, o banco firmou convênio para a exploração
do crédito consignado dos dez mil servidores.
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