11.17.2010

Nanotecnologia

Fármacos e Medicamentos


Juliano A. Bonacin
Nanotecnologia como Inovação a Fármacos e Medicamentos
Conceito de nanotecnologia
A nanotecnologia compreende um novo paradigma na ciência, em que as dimensões e as propriedades dos materiais são tratadas na escala nanométrica. Tais materiais passam a apresentar novos comportamentos ou propriedades diferentes daquelas observadas em escala macroscópica.
O prefixo “nano” vem do grego “anão” e é utilizado para designar um  parte em um bilhão, ou seja, um nanômetro (1 nm ou 10−9 -m) e corresponde a um bilionésimo de um metro. Para se ter uma  idéia desse tamanho, 1 nm corresponde a cerca de 10 átomos enfileirados ou ao diâmetro de um nanotubo de carbono. Uma molécula de DNA tem uma dimensão de cerca de 100 nm, um pouco menor que um vírus, por exemplo. Fazendo uma comparação mais simples, pode-se verificar que o diâmetro de um fio de cabelo é 0,1 mm ou cerca de 100.000 nanômetros.
Analisando em termos tecnológicos, uma primeira motivação para o desenvolvimento dessa tecnologia está associada ao fato de que um número cada vez maior de possibilidades venha a ser reunido em sistemas de dimensões muito pequenas, aumentando assim sua compactação, capacidade de operação e eficiência. No entanto, mais que a procura pelo simples benefício direto da redução de tamanho, a grande motivação para o desenvolvimento de objetos e dispositivos nanométricos reside no fato de que novas propriedades físicas e químicas, antes ausentes no material macroscópico, são observadas.
Na verdade, a alteração das propriedades de um material ao atingir a escala nanométrica se deve à combinação de dois fatores: de um lado os efeitos quânticos, oriundos das dimensões nanométricas, e de outro os efeitos superficiais, ocasionados pelo aumento na razão entre a área e o volume. Com isso, a nanotecnologia busca um melhor aproveitamento das novas propriedades desses nanomateriais que são obtidas por meio do controle de propriedades, tamanho e formas adequadas 1, 2.
Toda essa revolução nas propriedades intrínsecas dos novos materiais abre um grande mercado a ser explorado em nanotecnologia. Praticamente todos os segmentos industriais de grande porte podem se beneficiar e aproveitar dessas vantagens competitivas em seus produtos, podendo-se destacar as indústrias de polímeros, têxteis, resinas, semicondutores, dispositivos eletrônicos, sensores de precisão, energia, produtos químicos, alimentos, cosméticos e fármacos. O potencial desta nova tecnologia criou um clima de competição científica e tecnológica, movendo recursos humanos e financeiros na indústria mundial. Estima-se que a produção industrial anual excederá a um trilhão de dólares entre 2010 e 2015 e que cerca de 15% dos produtos vendidos apresentarão algum componente que envolva nanotecnologia, requerendo aproximadamente dois milhões de profissionais especializados 3.
Indústria farmacêutica e oportunidades
Uma das indústrias que mais pode se beneficiar com o advento da nanotecnologia é, indubitavelmente, a indústria farmacêutica. Na Figura 1 pode ser observado um estudo sobre a evolução da indústria química nos últimos anos no Brasil e nesse estudo constata-se uma crescente ascensão no faturamento líquido do complexo químico brasileiro e um aumento da participação do setor farmacêutico. O faturamento do setor farmacêutico, em 2007, foi de aproximadamente 15 bilhões de dólares e, para manutenção desse valor e aumento das receitas, o setor investe altos montantes em pesquisa e desenvolvimento.
Atualmente, o gasto com o desenvolvimento de um novo fármaco é de cerca de meio bilhão de dólares e o tempo empregado para tal desenvolvimento é de dez a 20 anos. Além disso, não se pode esquecer que pesquisa e desenvolvimento envolvem certos riscos, embora em alguns casos estes sejam controlados ou minimizados. Uma das alternativas utilizadas pelas empresas para minimizar custos, prazos de desenvolvimento e risco é o desenvolvimento incremental de fármacos já existente e de eficácia comprovada. Com isso, é possível despender valores entre 50 a 100 milhões de dólares e diminuir o tempo de pesquisa para aproximadamente cinco anos 4. Além disso, abre espaço para o patenteamento de novas apresentações e novas formulações, oferecendo ao desenvolvedor vantagens competitivas no mercado. Aliando-se ao conceito de desenvolvimento incremental, outro aspecto importante na
minimização dos riscos de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) é o desenvolvimento em conjunto com institutos de pesquisa e, principalmente, com empresas de desenvolvimento de base tecnológica. Uma perspectiva para o desenvolvimento incremental de fármacos consiste na elaboração de uma nova apresentação baseada em Sistemas de Liberação Controlada (SLC) ou drug delivery systems. Os SLC são um exemplo inteligente de como a nanotecnologia efetivamente contribui para a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação no setor.
Sistemas de Liberação Controlada (SLC)
Os SLC, utilizados no campo farmacêutico, apresentam outras aplicações em diferentes segmentos, por exemplo, no setor alimentício, que utiliza este conceito para adição de agentes flavorizantes, estabilizantes, conservantes e mascarantes de sabor. A indústria cosmética tanto emprega essa tecnologia para aumento do tempo de vida de componentes ativos instáveis como  também para melhorar sua penetração na pele.
Dentre os SLC empregados na indústria farmacêutica, pode-se destacar as tecnologias que estão atingindo o estado da arte como as nanoesferas, as nanocápsulas, os hidróxidos lamelares, os dendrímeros e associações com ciclodextrinas. .
 As nanoesferas apresentam-se como partículas menores que 1 μm e de composição polimérica em que o fármaco ou o princípio ativo do medicamento encontra-se uniformemente distribuído no interior da matriz polimérica. Já as nanocápsulas apresentam um sistema do tipo reservatório em que o fármaco está solubilizado em um solvente, ou não, no interior da cápsula, cuja parede pode ser formada por um ou mais polímeros. A membrana ou parede vai se rompendo e liberando o conteúdo de acordo com a alteração do ambiente. Esta tecnologia permite uma liberação programada ajustar a tal parâmetro as variações de temperatura, força iônica, pressão, atrito e até mesmo choque de pH 5, 6.
Outros sistemas interessantes são os hidróxidos lamelares ou hidróxidos duplos lamelares, que promovem processos de intercalação de alguns fármacos entre suas lamelas. Com isso, nesse tipo de SLC o indivíduo pode ingerir via oral o novo medicamento e, ao entrar em contato com o suco gástrico, este sofre um processo ácido-base tendo sua lamela dissolvida. Esse sistema é interessante em casos de tratamento por fármacos que atacam a mucosa gastrointestinal ou substâncias que estimulam a produção excessiva de suco gástrico, pois a dissolução das lamelas alcalinas, além de auxiliar na neutralização do sistema digestório, promove a liberação do fármaco 7. No caso dos dendrímeros, os fármacos estão distribuídos entre suas cadeias orgânicas e sofrem processo de liberação à medida que encontram um ambiente químico apropriado. Os SLC baseados em ciclodextrinas consistem em uma interação supramolecular do tipo hóspede-hospedeiro entre as moléculas de ciclodextrina e os fármacos. Esse efeito promove uma melhor solubilização do fármaco em água (no caso de fármacos insolúveis) e uma liberação posterior no organismo durante a solubilização do sistema. Para interação entre ciclodextrinas e fármacos, as moléculas ativas têm que apresentar estruturas ou cadeias hidrofóbicas que possam interagir com a cavidade interior de ciclodextrina 8.
Desempenho dos SLC
A tecnologia de liberação controlada de fármacos representa uma das fronteiras da ciência e da nanotecnologia e envolve aspectos multidisciplinares, podendo contribuir inequivocamente para uma melhoria na saúde humana. O objetivo dos SLC é manter a concentração do fármaco dentro do nível terapêutico por um determinado tempo de tratamento, utilizando-se de uma única dosagem ou um número bem reduzido. Um fármaco convencional apresenta oscilações no nível plasmático e por isso torna-se necessário ingeri-lo várias vezes durante o tratamento. A diferença de concentração plasmática efetiva em função do tempo, comparando-se sistemas convencionais  aos de liberação controlada, pode ser melhor visualizada na Figura 3.
Esse processo de liberação lenta, gradativa ou controlada oferece inúmeras vantagens quando comparado ao tratamento com fármacos ou medicamentos convencionais. Dentre essas vantagens destacam-se:
▪▪ Utilização de fármacos de todas as formas, características ou solubilidade variadas;
▪▪ Especificidade de atuação nos alvos, sem a necessidade de sistemas carreadores complexos;
▪▪ A eficácia terapêutica, com liberação controlada e progressiva do fármaco, a partir da desestruturação ou solubilização da matriz;
▪▪ Diminuição significativa dos efeitos colaterais e aumento do tempo de permanência na circulação;
▪▪ Minimização da quantidade de fármacos utilizados, ou seja, maior eficiência ou eficiência equivalente com quantidade reduzida;
▪▪ Aumento da estabilidade de fármacos hidrolisáveis ou facilmente oxidáveis.
Regulamentação e ética profissional
Os SLC apresentam-se como uma revolução no setor farmacêutico no aspecto econômico. Contudo, sua maior contribuição está no tratamento de doenças, no alcance de alvos específicos  ou na minimização dos efeitos colaterais. Além disso, a utilização de uma quantidade menor de princípios ativos e um aumento de eficiência pode proporcionar minimização de custos de produção e promover economia de átomos e energia.
Com vistas a isso, os SLC podem dar início a um grande passo rumo ao desenvolvimento sustentável e à utilização dos conhecimentos de química verde (green chemistry). Por se tratar de uma tecnologia emergente, são necessários estudos avançados e responsáveis para uma maior compreensão dos benefícios apresentados e eventuais problemas. Não existe qualquer  tecnologia, sistema ou processo que não apresente vantagens e desvantagens, daí a importância de estudos sérios e não tendenciosos. Torna-se indispensável a participação do governo na regulamentação dos procedimentos, normas, estudos e no fomento de pesquisa e incentivos à inovação. Mas o governo não pode caminhar sozinho e por isso é fundamental o diálogo com institutos de pesquisa, Universidades, empresas de tecnologia e a própria indústria.

A nanotecnologia, diferentemente de outras tecnologias, não surgiu primeiro do empirismo e posteriormente voltou para o estudo e o entendimento. Essa (nano)tecnologia surgiu do pensamento de cientistas, das idéias de visionários que vislumbravam um mundo melhor. Primeiramente, a nanotecnologia surgiu no “papel” e posteriormente foi para a “bancada”.
Atualmente, a nanotecnologia está sendo conduzida por profissionais, por pesquisadores, por cientistas e por empresários que despendem anos de dedicação ao estudo e aprimoramento desses conceitos. Por isso, a nanotecnologia está sendo lapidada por profissionais. Caso contrário, na mão de amadores, poderia haver inúmeros problemas. Um trabalho sério somente é realizado por profissionais qualificados, com apoio governamental, estudos isentos e, principalmente,  fundamentado na ética profissional.
Considerações finais e perspectivas
As indústrias que estiverem mais atentas a essa tecnologia e mais bem preparadas poderão encontrar um mercado pouco explorado pela frente, tendo condições de realizar avaliação de mercado adequada, pesquisa, desenvolvimento e inovação diferenciada. Com isso, é possível se tornar líderes de mercado no Brasil e no restante do mundo. Essas perspectivas também estão abertas aos profissionais: químicos, engenheiros, farmacêuticos, bioquímicos, enfermeiros, médicos, pesquisadores etc. São estes os protagonistas desse desenvolvimento. Além disso, também se observa um grande espaço no mercado para novas empresas de desenvolvimento, P&D e de alta tecnologia, assim como para start up, do tipo spin off ou spin out.
Espera-se que a atuação da nanotecnologia no setor farmacêutico traga novos fármacos ou novas
apresentações destes, com maior eficiência e menores efeitos colaterais. Acredita-se que seja possível a liberação dos princípios ativos em regiões específicas ou atuação sinergística entre dois ou mais fármacos, o que não seria possível com química tradicional. Além disso, com um maior entendimento e estudo dos SLC espera-se uma maior segurança nos produtos encontrados no mercado e uma melhora na qualidade dos tratamentos.
Pode-se ir além, utilizar a imaginação e a criatividade e, quem sabe, em um futuro não muito distante, exista algum produto no mercado com características once a week, ou seja, se tomaria uma única dose por semana e não ocorreria o esquecimento e a conseqüente interrupção do tratamento, de maneira que os maiores beneficiados dessa tecnologia seríamos todos nós.
Referências Bibliográficas1. Mundo Nanométrico. Editora Oficina de Textos, São Paulo, SP, 2004.
2. Bonacin JA. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2009.
3. Roco MC. International St rategy for Nanotechnology Research and Development. Journal of Nanoparticle Research, v. 3, p. 353-360, 2001.
4. Verma RK. Garg S. Current Status of Drug Delivery Technologies and Future Directions. Pharmaceutical Technology On-Line, v. 25, n. 2, p. 1-14, 2001.
5. Schaffazick SR, Guterres SS. Caracterização e Estabilidade Físico-Química de Sistemas Poliméricos Nanopartidoutorado culados para Administração de Fármacos. Química Nova, v. 26, n. 5, 726-737, 2003.
6. Benoit JP, Couvreur P, Devissaguet JP, Fessi H, Puisieux F, Boblottreupel L. Drug Targeting - A New Way for Drug Delivery. Journal de Pharmacie de Belgique, v. 41, n. 5, p. 319-329, 1986.
7. Choy JH, Choi SJ, Oh JM, ParkT. Clay Minerals and Layered Double Hydroxides for Novel Biologica Application. Applied Clay Science, v. 36, p. 122-132, 2007.
8. Loftsson T, Duchêne D. Ciclodextrins and Their Pharmaceutical Application. International Journal of Pharmaceutics, v. 329, p. 1-11, 2007.

Saiba ainda

A utilização de nanotecnologia em medicamentos

 A notícia  parece ser futurista, a utilização de nano-partículas em medicamentos. A nanotecnologia tem invadido o mundo da biomedicina na última década, com os cientistas cada vez mais usando nanopartículas como veículos potenciais para entregar drogas aos tecidos específicos. 

 A. CAVANAGH, WELLCOME IMAGENS
O grande problema encontrado é a produção ou compreensão como reproduzir-las fora do ambiente de pesquisa dos laboratórios. Este assunto foi discutido em Londres,  no I Workshop Internacional  de nanotecnologia em  medicamentos realizada pela European Medicines Agency (EMA), agência responsável pelo controle de medicamentos na Europa, o equivalente a FDA americana.    

Segundo Simon Holland, diretor da empresa farmacêutica Glaxo Smith Kline  entender como se apresenta esta particula quando as caracteristicas básicas como tamanho, forma e superfície são um  dos maiores desafios para a área. 

Talvez o futuro tenha chegado, só não o soubemos interpretar o suficiente bem para fazer ele sob demanda de nossas necessidades. Até para desvendar a caixa preta do sistema circulatório ou celular, que estão muito mais na promessa do que realidade. 

Há um imenso espaço para evoluir nos estudos, mas até conseguir caracterizar com certeza como cada nano-particula afeta nossa saúde ou a falta dela. Sem isto nenhuma agência reguladora aprovará a medicação e muito menos o tratamento.


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