Percentual de homens que tem buscado por ajuda já oscila entre 10% e 15% do total de pacientes
Gustavo Uribe
SÃO PAULO - No início deste ano, o estudante L.M.R., de 14 anos,
estava insatisfeito com a sua aparência física e decidiu emagrecer. O
adolescente de Santo André (SP) reduziu drasticamente a alimentação:
consumia em torno de 600 a 700 calorias por dia. Em três meses e meio,
perdeu 22 quilos. Na época, passou de 75 para 53 quilos e ficou com
apenas 2% de gordura corporal. O jovem sofreu quatro crises de
hipoglicemia, o que o assustou.
— Eu tenho medo de engordar até hoje, eu tive crises de hipoglicemia e fiquei com um pouco de medo. Agora, eu quero ficar forte — afirmou o garoto, que, aos poucos, tem se alimentado melhor, mas ainda em pequenas quantidades.
A mãe do adolescente já tentou levá-lo a um psicólogo, mas ele não quer. O garoto não acredita sofrer de anorexia, mas ela tem opinião diferente.
— Eu considero que ele teve quadro de anorexia e precisa da ajuda de um psicólogo. Ele realmente está com um transtorno alimentar — afirmou.
O caso do garoto, que anos atrás era considerado um episódio isolado, tem deixado de ser uma exceção no país. Nos últimos anos, tem aumentado a procura de adultos e adolescentes do sexo masculino por tratamento a transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, que deixaram de ser problemas associados apenas ao universo feminino. O percentual de homens que tem buscado ajuda ainda é bastante inferior ao de mulheres, mas já oscila entre 10% e 15% do total de pacientes que buscam serviços especializados de tratamento. A relação é superior em grupos em que a imagem corporal e a forma física são relevantes na esfera profissional, como atletas, modelos e bailarinos: é de cerca de um homem para cada seis mulheres.
A carência de dados, tanto em âmbito nacional como em internacional, e a resistência na busca de ajuda médica, por se tratarem de problemas associados ao mundo feminino, dificultam um retrato exato da incidência de transtornos alimentares em homens. Segundo psiquiatras e especialistas, contudo, tem ocorrido um aumento perceptível nos últimos seis anos na procura por tratamento nos serviços especializados. Em São Paulo, até 2007, o Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulim) do Hospital das Clínicas de São Paulo havia atendido apenas três rapazes. Com o aumento da procura, foi aberto um ambulatório específico para o sexo masculino, que, atualmente, atende entre 15 e 16 pacientes.
O coordenador do ambulatório para homens do Ambulim, Alexandre de Azevedo, estima que os atendimentos a pacientes do sexo masculino representam 10% do total. Já o coordenador-geral da mesma entidade, Táki Cordás, calcula que, por semana, a unidade médica recebe de 45 a 50 pacientes dos dois sexos, tanto novos como usuais. Segundo ele, há atualmente uma fila de espera grande, o que dificulta a abertura de novas triagens.
— Há dez anos, eu não via homens buscando ajuda aqui. Esse número de homens, mesmo pequeno, é significativo. A literatura médica mostra que transtornos alimentares estão crescendo em algumas áreas que estavam razoavelmente protegidas, como homens, crianças e mulheres depois dos 40 anos — avaliou.
No Rio, o percentual de homens entre os pacientes atendidos com diagnóstico de anorexia ou de bulimia oscila entre 10% e 15% nos ambulatórios do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares (Gota) do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede) e do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub-UFRJ). A psiquiatra Silvia Freitas, fundadora e coordenadora do Gota, observa que houve um aumento na procura de homens por tratamento nos últimos dois anos. A equipe médica do Gota atende por mês uma média de cem pacientes com transtornos alimentares em geral.
— Não há dados sobre transtornos alimentares em homens no Brasil, e a literatura mundial também é muito restrita em relação a eles. Vários fatores dificultam a procura por tratamento, especialmente a concepção de que são doenças que ocorrem apenas nas mulheres — considerou.
O aumento da busca por tratamento também tem sido observado entre meninos e adolescentes. Em Porto Alegre, a busca por ajuda aumentou nos últimos cinco anos no setor de transtornos alimentares do Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência (Ceapia). Os homens já correspondem a 15% do total de pacientes que apresentam bulimia ou anorexia.
Os psiquiatras observam que o aumento da busca de homens por ajuda pode ser resultado tanto da maior incidência dos transtornos alimentares como da maior divulgação do seu tratamento, o que tem ajudado a diminuir o preconceito.
Com um histórico de crises de bulimia desde a adolescência, o zootecnista Daniel Dutra, de 29 anos, decidiu tomar uma decisão importante em maio deste ano: desistiu do doutorado que cursava desde o ano passado em São Paulo para dedicar-se ao tratamento.
O mineiro de Juiz de Fora, que tinha sobrepeso na adolescência, lembra que, durante a juventude, chegou a vomitar “de três a quatro vezes por dia”. Ele conta que tentava disfarçar o transtorno alimentar de amigos e parentes. Em 2012, contudo, o quadro se agravou.
— No doutorado, as crises aumentaram, tive deficiência de cálcio, comecei a ter cãibra. Procurei médicos, e por fim chegou o diagnóstico de que tinha um problema de bulimia — relatou o zootecnista, que passa por acompanhamento médico e cujas crises estão atualmente controladas.
A iniciativa de procurar por ajuda para enfrentar um transtorno alimentar também foi tomada pelo estagiário de Marketing Cesar Fonseca, de 21 anos, que sofria na adolescência de anorexia. O paulista, como o mineiro, tinha sobrepeso na adolescência. Ele chegou a emagrecer 23 quilos e passou um dia inteiro com apenas uma maçã.
— Hoje estou melhor. É um transtorno alimentar que se trata. Há algumas recaídas, mas não graves. Não paro de comer por um longo período de tempo, porque sei que faz mal e não quero passar por tudo de novo — contou.
Homens com transtorno alimentar costumam ter histórico de sobrepeso
A bulimia e a anorexia costumam aparecer de maneira mais tardia em homens do que em mulheres, entre 16 e 28 anos. O perfil da maioria dos pacientes é de homens que atuam em áreas profissionais nas quais a imagem corporal é essencial e que têm histórico de sobrepeso. Eles também apresentam baixa autoestima, são perfeccionistas e sensíveis às opiniões dos outros.
Os sintomas são semelhantes aos que se manifestam nas mulheres: fixação na perda de peso, controle excessivo das calorias dos alimentos, uso de medicamentos para emagrecimento e exagero da prática de exercícios físicos. As principais consequências da diminuição drástica de peso são a redução dos níveis de testosterona e da capacidade de procriação, sintomas de fraqueza, desidratação e aumento da depressão.
O tempo de tratamento varia de paciente para paciente, mas psiquiatras alertam para a necessidade de um acompanhamento constante por uma equipe médica, uma vez que situações de estresse podem contribuir para recaídas. O apoio da família também é essencial.
— Eu tenho medo de engordar até hoje, eu tive crises de hipoglicemia e fiquei com um pouco de medo. Agora, eu quero ficar forte — afirmou o garoto, que, aos poucos, tem se alimentado melhor, mas ainda em pequenas quantidades.
A mãe do adolescente já tentou levá-lo a um psicólogo, mas ele não quer. O garoto não acredita sofrer de anorexia, mas ela tem opinião diferente.
— Eu considero que ele teve quadro de anorexia e precisa da ajuda de um psicólogo. Ele realmente está com um transtorno alimentar — afirmou.
O caso do garoto, que anos atrás era considerado um episódio isolado, tem deixado de ser uma exceção no país. Nos últimos anos, tem aumentado a procura de adultos e adolescentes do sexo masculino por tratamento a transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, que deixaram de ser problemas associados apenas ao universo feminino. O percentual de homens que tem buscado ajuda ainda é bastante inferior ao de mulheres, mas já oscila entre 10% e 15% do total de pacientes que buscam serviços especializados de tratamento. A relação é superior em grupos em que a imagem corporal e a forma física são relevantes na esfera profissional, como atletas, modelos e bailarinos: é de cerca de um homem para cada seis mulheres.
A carência de dados, tanto em âmbito nacional como em internacional, e a resistência na busca de ajuda médica, por se tratarem de problemas associados ao mundo feminino, dificultam um retrato exato da incidência de transtornos alimentares em homens. Segundo psiquiatras e especialistas, contudo, tem ocorrido um aumento perceptível nos últimos seis anos na procura por tratamento nos serviços especializados. Em São Paulo, até 2007, o Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulim) do Hospital das Clínicas de São Paulo havia atendido apenas três rapazes. Com o aumento da procura, foi aberto um ambulatório específico para o sexo masculino, que, atualmente, atende entre 15 e 16 pacientes.
O coordenador do ambulatório para homens do Ambulim, Alexandre de Azevedo, estima que os atendimentos a pacientes do sexo masculino representam 10% do total. Já o coordenador-geral da mesma entidade, Táki Cordás, calcula que, por semana, a unidade médica recebe de 45 a 50 pacientes dos dois sexos, tanto novos como usuais. Segundo ele, há atualmente uma fila de espera grande, o que dificulta a abertura de novas triagens.
— Há dez anos, eu não via homens buscando ajuda aqui. Esse número de homens, mesmo pequeno, é significativo. A literatura médica mostra que transtornos alimentares estão crescendo em algumas áreas que estavam razoavelmente protegidas, como homens, crianças e mulheres depois dos 40 anos — avaliou.
No Rio, o percentual de homens entre os pacientes atendidos com diagnóstico de anorexia ou de bulimia oscila entre 10% e 15% nos ambulatórios do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares (Gota) do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede) e do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub-UFRJ). A psiquiatra Silvia Freitas, fundadora e coordenadora do Gota, observa que houve um aumento na procura de homens por tratamento nos últimos dois anos. A equipe médica do Gota atende por mês uma média de cem pacientes com transtornos alimentares em geral.
— Não há dados sobre transtornos alimentares em homens no Brasil, e a literatura mundial também é muito restrita em relação a eles. Vários fatores dificultam a procura por tratamento, especialmente a concepção de que são doenças que ocorrem apenas nas mulheres — considerou.
O aumento da busca por tratamento também tem sido observado entre meninos e adolescentes. Em Porto Alegre, a busca por ajuda aumentou nos últimos cinco anos no setor de transtornos alimentares do Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência (Ceapia). Os homens já correspondem a 15% do total de pacientes que apresentam bulimia ou anorexia.
Os psiquiatras observam que o aumento da busca de homens por ajuda pode ser resultado tanto da maior incidência dos transtornos alimentares como da maior divulgação do seu tratamento, o que tem ajudado a diminuir o preconceito.
Com um histórico de crises de bulimia desde a adolescência, o zootecnista Daniel Dutra, de 29 anos, decidiu tomar uma decisão importante em maio deste ano: desistiu do doutorado que cursava desde o ano passado em São Paulo para dedicar-se ao tratamento.
O mineiro de Juiz de Fora, que tinha sobrepeso na adolescência, lembra que, durante a juventude, chegou a vomitar “de três a quatro vezes por dia”. Ele conta que tentava disfarçar o transtorno alimentar de amigos e parentes. Em 2012, contudo, o quadro se agravou.
— No doutorado, as crises aumentaram, tive deficiência de cálcio, comecei a ter cãibra. Procurei médicos, e por fim chegou o diagnóstico de que tinha um problema de bulimia — relatou o zootecnista, que passa por acompanhamento médico e cujas crises estão atualmente controladas.
A iniciativa de procurar por ajuda para enfrentar um transtorno alimentar também foi tomada pelo estagiário de Marketing Cesar Fonseca, de 21 anos, que sofria na adolescência de anorexia. O paulista, como o mineiro, tinha sobrepeso na adolescência. Ele chegou a emagrecer 23 quilos e passou um dia inteiro com apenas uma maçã.
— Hoje estou melhor. É um transtorno alimentar que se trata. Há algumas recaídas, mas não graves. Não paro de comer por um longo período de tempo, porque sei que faz mal e não quero passar por tudo de novo — contou.
Homens com transtorno alimentar costumam ter histórico de sobrepeso
A bulimia e a anorexia costumam aparecer de maneira mais tardia em homens do que em mulheres, entre 16 e 28 anos. O perfil da maioria dos pacientes é de homens que atuam em áreas profissionais nas quais a imagem corporal é essencial e que têm histórico de sobrepeso. Eles também apresentam baixa autoestima, são perfeccionistas e sensíveis às opiniões dos outros.
Os sintomas são semelhantes aos que se manifestam nas mulheres: fixação na perda de peso, controle excessivo das calorias dos alimentos, uso de medicamentos para emagrecimento e exagero da prática de exercícios físicos. As principais consequências da diminuição drástica de peso são a redução dos níveis de testosterona e da capacidade de procriação, sintomas de fraqueza, desidratação e aumento da depressão.
O tempo de tratamento varia de paciente para paciente, mas psiquiatras alertam para a necessidade de um acompanhamento constante por uma equipe médica, uma vez que situações de estresse podem contribuir para recaídas. O apoio da família também é essencial.
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