- kA banalização da violência pode ser uma das causas do aumento desse tipo de problema
Muitas famílias convivem com um problema grave de violência, mas poucas têm a coragem de denunciá-lo às autoridades ou procurar ajuda: a agressão de filhos contra seus próprios pais.
A vergonha e o sentimento de culpa evitam que eles falem a respeito do assunto. No entanto, alguns já admitem o problema.
"Ela me agrediu. Minha filha me jogou no chão, não podia respirar e (ela) quebrou o dedo da avó que tentou me ajudar", disse à BBC Mundo Mariángeles (nome fictício), uma mãe de 42 anos que mora em Madri, na Espanha.
Psicólogos e sociólogos analisam o fenômeno, que não é novo, mas aumentou nas últimas décadas.
É uma forma de violência dentro das famílias na qual os filhos abusam verbal, emocional, econômica e fisicamente dos pais ou tutores para assumir o controle.
Segundo um estudo feito recentemente pela União Europeia, estima-se que, nos Estados Unidos e na Espanha –dois países observados pela pesquisa–, 10% das famílias sofram com esse tipo de agressão, que não diferencia nível socioeconômico e muito menos modelo familiar. Os principais agressores, no entanto, costumam ser os adolescentes e as vítimas, as mães.
"(Muitos) pensam que acontece em famílias desestruturadas, com problemas econômicos, mas não é assim. Há muita variedade e (acontece em) muitas (famílias que) têm uma posição mais cômoda", disse à BBC Mundo a psicóloga Esther Roperti.
"Ela me agrediu. Minha filha me jogou no chão, não podia respirar e (ela) quebrou o dedo da avó que tentou me ajudar", disse à BBC Mundo Mariángeles (nome fictício), uma mãe de 42 anos que mora em Madri, na Espanha.
Psicólogos e sociólogos analisam o fenômeno, que não é novo, mas aumentou nas últimas décadas.
É uma forma de violência dentro das famílias na qual os filhos abusam verbal, emocional, econômica e fisicamente dos pais ou tutores para assumir o controle.
Segundo um estudo feito recentemente pela União Europeia, estima-se que, nos Estados Unidos e na Espanha –dois países observados pela pesquisa–, 10% das famílias sofram com esse tipo de agressão, que não diferencia nível socioeconômico e muito menos modelo familiar. Os principais agressores, no entanto, costumam ser os adolescentes e as vítimas, as mães.
"(Muitos) pensam que acontece em famílias desestruturadas, com problemas econômicos, mas não é assim. Há muita variedade e (acontece em) muitas (famílias que) têm uma posição mais cômoda", disse à BBC Mundo a psicóloga Esther Roperti.
Brasil e outros países
No Brasil, os números da violência de filhos contra pais também são relevantes, de acordo com dados compilados pelo Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, feito a partir dos registros catalogados por profissionais em postos de saúde da rede pública.
Diante de uma suspeita de caso de violência doméstica, sexual e/ou outras violências envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos, o agente de saúde é obrigado a registrar oficialmente.
Em 2012, foram 4.289 casos registrados de violência de filhos contra pais. Em 2013, 5.559 e, em 2014, 4.454. Um total de 14.302 agressões de filhos contra progenitores em apenas três anos.
De acordo com os dados, organizados e analisados por Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, 70,4% das vítimas da violência dos filhos foram as mães e 29%, os pais.
E o tipo de violência preponderante, segundo esses dados, é a física. Mas também há incidência de "violência psicológica ou moral e a negligência/abandono (...) provavelmente acompanhando a violência física".
Apesar dos números altos e detalhados, Waiselfisz afirma que essa pode ser apenas a "ponta do iceberg".
"Esses são os casos de violência daquelas pessoas que já tiveram de ir ao posto de saúde. Ninguém vai ao posto por causa de uma ameaça", afirmou.
Para Waiselfisz, os relatos talvez sejam apenas 80% das ocorrências de violência física que levam os pais a procurar os serviços de saúde. Ele calcula que 20% desses episódios extremos acabem na rede de saúde particular, onde o registro não é obrigatório.
Outra limitação apontada por Waiselfisz é que não existem dados a respeito dos filhos, apenas das vítimas da violência, os pais.
A falta de precisão e até de registro desse tipo de violência é uma situação que se repete em muitos países da América Latina, onde não há diferenciação nas estatísticas entre a ocorrência de violência de filhos contra pais e outros de violência doméstica.
Na Argentina, por exemplo, "não existem estatísticas, pois não está tipificado como delito e esse tipo de violência é englobada no nível geral, como violência familiar", afirmou à BBC Mundo Gabriel Bertino, advogado e participante do Congresso Internacional de Violência Filho-Paternal e Violência de Gênero, realizado em 2013 no país.
Por outro lado, na Colômbia, a agressão de filhos contra pais representou 11% das 15.829 ocorrências de violência dentro da família registrados em 2013.
Diante de uma suspeita de caso de violência doméstica, sexual e/ou outras violências envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos, o agente de saúde é obrigado a registrar oficialmente.
Em 2012, foram 4.289 casos registrados de violência de filhos contra pais. Em 2013, 5.559 e, em 2014, 4.454. Um total de 14.302 agressões de filhos contra progenitores em apenas três anos.
De acordo com os dados, organizados e analisados por Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, 70,4% das vítimas da violência dos filhos foram as mães e 29%, os pais.
E o tipo de violência preponderante, segundo esses dados, é a física. Mas também há incidência de "violência psicológica ou moral e a negligência/abandono (...) provavelmente acompanhando a violência física".
Apesar dos números altos e detalhados, Waiselfisz afirma que essa pode ser apenas a "ponta do iceberg".
"Esses são os casos de violência daquelas pessoas que já tiveram de ir ao posto de saúde. Ninguém vai ao posto por causa de uma ameaça", afirmou.
Para Waiselfisz, os relatos talvez sejam apenas 80% das ocorrências de violência física que levam os pais a procurar os serviços de saúde. Ele calcula que 20% desses episódios extremos acabem na rede de saúde particular, onde o registro não é obrigatório.
Outra limitação apontada por Waiselfisz é que não existem dados a respeito dos filhos, apenas das vítimas da violência, os pais.
A falta de precisão e até de registro desse tipo de violência é uma situação que se repete em muitos países da América Latina, onde não há diferenciação nas estatísticas entre a ocorrência de violência de filhos contra pais e outros de violência doméstica.
Na Argentina, por exemplo, "não existem estatísticas, pois não está tipificado como delito e esse tipo de violência é englobada no nível geral, como violência familiar", afirmou à BBC Mundo Gabriel Bertino, advogado e participante do Congresso Internacional de Violência Filho-Paternal e Violência de Gênero, realizado em 2013 no país.
Por outro lado, na Colômbia, a agressão de filhos contra pais representou 11% das 15.829 ocorrências de violência dentro da família registrados em 2013.
Problema moderno
O Ministério Público da Espanha afirma que, junto com roubos violentos, a violência de filhos contra pais é o crime que mais leva a detenções e medidas cautelares contra menores de idade naquele país. Em 2013, ocorreram 4.659 denúncias.
A Europa realizou, em 2013, o primeiro estudo sobre o problema, o relatório "Abuso Oculto dos Filhos Contra os Pais", elaborado pela Universidade de Brighton, no Reino Unido, e financiado pelo Programa Daphne III, que combate a violência que envolve menores de idade.
"É a forma mais escondida, incompreendida e estigmatizada de violência familiar. Milhares de pais vivem com medo, mas ainda é um tema tabu", disse Paula Wilcox, pesquisadora que participou do estudo.
O estudo acadêmico avaliou a eficácia dos modelos para tratar a violência dos filhos contra os pais na Bulgária, Irlanda, Espanha, Suécia e Inglaterra. Um dos modelos trabalha com grupos paralelos de pais e jovens ensinando técnicas para lidar melhor com as emoções, enquanto outro modelo se concentra diretamente em como melhorar a vida dos pais.
Mariángeles teve de denunciar a filha devido ao caso de violência em casa.
"Não quer dizer que (a violência de filhos contra pais) não existia, mas só agora alcança uma grande dimensão, que chama atenção", disse à BBC Mundo Roberto Pereira, vice-presidente da Sociedade Espanhola para Estudo da Violência Filho-Paternal, pioneira no setor.
A Europa realizou, em 2013, o primeiro estudo sobre o problema, o relatório "Abuso Oculto dos Filhos Contra os Pais", elaborado pela Universidade de Brighton, no Reino Unido, e financiado pelo Programa Daphne III, que combate a violência que envolve menores de idade.
"É a forma mais escondida, incompreendida e estigmatizada de violência familiar. Milhares de pais vivem com medo, mas ainda é um tema tabu", disse Paula Wilcox, pesquisadora que participou do estudo.
O estudo acadêmico avaliou a eficácia dos modelos para tratar a violência dos filhos contra os pais na Bulgária, Irlanda, Espanha, Suécia e Inglaterra. Um dos modelos trabalha com grupos paralelos de pais e jovens ensinando técnicas para lidar melhor com as emoções, enquanto outro modelo se concentra diretamente em como melhorar a vida dos pais.
Mariángeles teve de denunciar a filha devido ao caso de violência em casa.
"Não quer dizer que (a violência de filhos contra pais) não existia, mas só agora alcança uma grande dimensão, que chama atenção", disse à BBC Mundo Roberto Pereira, vice-presidente da Sociedade Espanhola para Estudo da Violência Filho-Paternal, pioneira no setor.
Drogas
No caso de Mariángeles –citada no início da reportagem–, a violência começou a se manifestar depois do divórcio, há seis anos, e piorou depois que ela se mudou para Madri com as duas filhas. A mais velha, que pediu para ser identificada com o nome fictício de Lucía, foi a que passou por mudanças mais difíceis e reconhece que se afastou da mãe.
Aos 17 anos, a jovem começou a usar drogas e foi expulsa do colégio onde estudava. Os professores e orientadores do colégio sugeriram que a mãe a denunciasse à polícia, mas Mariángeles preferiu procurar ajuda.
A mãe afirma que seu erro foi não conversar com as filhas sobre as mudanças que viriam e também não impor limites.
Para especialistas, parte do problema é que que as famílias não têm claro o conceito de autoridade e o sistema educativo é permissivo. "São mais amigos do que pais e criam adolescentes caprichosos, que não toleram a frustração", diz a psicóloga Esther Roperti.
"A falta de limites gera angústia e ansiedade, é como atravessar uma rua sem semáforo", afirmou a psicóloga.
Aos 17 anos, a jovem começou a usar drogas e foi expulsa do colégio onde estudava. Os professores e orientadores do colégio sugeriram que a mãe a denunciasse à polícia, mas Mariángeles preferiu procurar ajuda.
A mãe afirma que seu erro foi não conversar com as filhas sobre as mudanças que viriam e também não impor limites.
Para especialistas, parte do problema é que que as famílias não têm claro o conceito de autoridade e o sistema educativo é permissivo. "São mais amigos do que pais e criam adolescentes caprichosos, que não toleram a frustração", diz a psicóloga Esther Roperti.
"A falta de limites gera angústia e ansiedade, é como atravessar uma rua sem semáforo", afirmou a psicóloga.
Segredo e denúncia
Muitos pais dizem acreditar que seja uma fase passageira, e que seus filhos os agridem porque é apenas um aspecto da personalidade dos jovens.
Mas especialistas afirmam que, muitas vezes, a violência é indicador de uma necessidade de limites ou de uma separação indispensável para que o filho possa se desenvolver como indivíduo. Por isto, esse comportamento ocorre mais na adolescência.
Muitas vezes, a necessidade de intervenção deve se materializar na forma de uma denúncia para as autoridades. Uma medida –segundo os terapeutas– que protege os pais e pode ajudar para que esses filhos possam se relacionar sem violência.
Depois de passar um ano frequentando o centro El Laurel, Lucía se reconciliou com a mãe, Mariángeles
Mas tomar a decisão e fazer a denúncia também não é fácil devido às consequências legais envolvidas.
A advogada María José Parras afirma que, às vezes, é um vizinho quem chama a polícia e começa todo o processo até o julgamento.
"É importante assessorar bem os pais, porque denunciar também implica uma ordem de restrição. O filho não pode se aproximar da casa nem falar com os pais, se não cumprir a ordem, será um delito", afirmou.
A denúncia pode levar os jovens a centros de menores.
Mesmo assim, Mariángeles afirma que é preciso denunciar, "para ajudar outras famílias". "Tenham muita paciência e não percam a esperança", acrescentou.
Lucía, a filha de Mariángeles, passou três meses em liberdade vigiada e quase um ano em um centro de menores.
"Impactou-me ver histórias mais fortes. Abri os olhos e valorizei mais minha mãe", disse.
Mas especialistas afirmam que, muitas vezes, a violência é indicador de uma necessidade de limites ou de uma separação indispensável para que o filho possa se desenvolver como indivíduo. Por isto, esse comportamento ocorre mais na adolescência.
Muitas vezes, a necessidade de intervenção deve se materializar na forma de uma denúncia para as autoridades. Uma medida –segundo os terapeutas– que protege os pais e pode ajudar para que esses filhos possam se relacionar sem violência.
Depois de passar um ano frequentando o centro El Laurel, Lucía se reconciliou com a mãe, Mariángeles
Mas tomar a decisão e fazer a denúncia também não é fácil devido às consequências legais envolvidas.
A advogada María José Parras afirma que, às vezes, é um vizinho quem chama a polícia e começa todo o processo até o julgamento.
"É importante assessorar bem os pais, porque denunciar também implica uma ordem de restrição. O filho não pode se aproximar da casa nem falar com os pais, se não cumprir a ordem, será um delito", afirmou.
A denúncia pode levar os jovens a centros de menores.
Mesmo assim, Mariángeles afirma que é preciso denunciar, "para ajudar outras famílias". "Tenham muita paciência e não percam a esperança", acrescentou.
Lucía, a filha de Mariángeles, passou três meses em liberdade vigiada e quase um ano em um centro de menores.
"Impactou-me ver histórias mais fortes. Abri os olhos e valorizei mais minha mãe", disse.
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