9.01.2012

A combinação correta dos alimentos

A combinação correta dos alimentos aumenta nossa capacidade de aproveitar o melhor de seus nutrientes. As novas regras para uma dieta saudável

NATÁLIA SPINACÉ E MARGARIDA TELLES
Houve um tempo em que, se alguém dizia que uma comida era boa, queria dizer que sentia prazer na refeição. Hoje, quando alguém fala em comida boa, em geral quer dizer que faz bem à saúde. Parece que, depois de 2.500 anos, finalmente estamos prestando atenção ao que o grego Hipócrates, pai da medicina, pregava: “Faça do seu alimento seu remédio”. E tome alho para resfriado, abacate para a pele, feijão para controlar o nível de ferro... Se você é dessas pessoas (e quem não é?) que vivem prestando atenção aos efeitos dos alimentos que consomem, prepare-se: a lista acaba de crescer. Segundo estudos recentes em culinária e saúde, os alimentos não têm efeito isolado. Eles agem em conjunto. Ingerir dois ingredientes juntos surte efeitos diferentes de consumi-los em separado. Isso porque, em seu corpo, eles interagem. No pior dos casos, fazem você passar mal. No melhor, facilitam a absorção de seus nutrientes e podem ajudar no tratamento de doenças como alergias, insônias e até alguns tipos de câncer. Antes, para comer bem, bastava procurar alimentos saudáveis, como frutas, verduras, legumes, cereais integrais e carnes com pouca gordura. De preferência, de boa procedência. Agora, os pesquisadores de alimentos afirmam que é preciso pensar em como combinar esses ingredientes.
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Vem daí a nova moda no mundo da culinária saudável: o poder da combinação dos alimentos. De acordo com ela, comer dois ingredientes cria reações superpoderosas. “Ao somarmos um mais um podemos obter quatro. O total é maior que a soma das partes individuais”, diz Elaine Magee, nutricionista da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e autora de 25 livros sobre nutrição, incluindo o Food sinergy (Sinergia da comida). “Está provado que alguns componentes produzem grandes resultados quando consumidos juntos.” Essas combinações podem ser feitas em nossa casa. Uma série de estudos mostra que ampliar a potência de um nutriente é simples. A maior parte usa alimentos comuns à mesa do brasileiro, como alface, rúcula, tomate, laranja, ovos e peixes. As combinações são especialmente valiosas para quem precisa repor algum tipo de nutriente ou usar a alimentação como forma de reforçar terapias.
A importância da combinação entre alimentos voltou a ganhar força nos últimos anos com o aumento do número de estudos. “A eficácia de certas combinações é comprovada”, afirma Steven Schwartz, pesquisador de ciência dos alimentos na Universidade de Ohio. “Um exemplo é a união do tomate ou da cenoura com a gordura presente em comidas como o abacate. Quando consumidos juntos, esses alimentos reduzem a ação das substâncias chamadas radicais livres, que aceleram o envelhecimento das células.” Diferentemente de outras dietas famosas, que ainda levantam polêmica sobre sua eficácia para a saúde, a sinergia entre alimentos é apoiada por diferentes linhas de pesquisa. Médicos e nutricionistas concordam que, em muitos casos, comer dois nutrientes numa mesma refeição aumenta o aproveitamento de um deles. “Alguns alimentos precisam necessariamente de outros para ser absorvidos”, diz Renata Cintra, professora do instituto de biociências da Unifesp.
A ciência da combinação dos alimentos começa a chegar às mesas de restaurantes. Foi criado nos Estados Unidos, no fim do ano passado, um selo para cozinhas que investem em misturas saudáveis, o SPE, abreviação do latim Sanitas per escam (algo como “saúde por meio da comida”). Seu criador, o belga Emmanuel Verstraeten, pesquisou durante dez anos combinações de alimentos na cozinha de seu restaurante, o Rouge Tomate, em Bruxelas. Ao levar seu restaurante para Nova York, Emmanuel se uniu aos pesquisadores Eric Rimm, de Harvard, Jeffrey Blumberg, da Escola de Medicina de Tufts, e John Foreyt, da Escola de Medicina de Baylor, ambas nos EUA, para criar combinações que ajudem os nutrientes dos pratos e tenham menos gordura, sal e açúcar. Ele conseguiu montar um cardápio sem descuidar do sabor. Seu Rouge Tomate está entre os restaurantes recomendados pelo conceituado guia de gastronomia Michelin. De quebra, Emmanuel criou um novo negócio: presta consultoria para restaurantes que queiram ajustar seus menus às combinações propostas pelo selo. Ele cobra, em média, R$ 600 por prato. Nos EUA, mais seis restaurantes conseguiram o certificado, e outros 15 estão com o processo em andamento.
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No restaurante The Living Room, em Nova York, um dos primeiros a aderir ao SPE, o frango assado passou por modificações para conseguir o certificado. A manteiga foi trocada por uma quantidade reduzida de óleo, que deve permanecer no prato para auxiliar a absorção da vitamina A. As batatas assadas com a casca são ricas em fibra e em vitamina C. Entraram no lugar do purê de batatas. A couve-de-bruxelas deu lugar às folhas de dente-de-leão, fonte de minerais como potássio e cálcio e das vitaminas A, B6 e C. O resultado foi uma diminuição em 39% das calorias totais, e o prato passou a ter 25% do total de vitaminas e minerais recomendados durante um dia. “Já seguíamos essa filosofia da comida saudável, mas o certificado legitimará isso”, afirma James Carpenter, chef do The Living Room.
No Brasil, ainda não existe iniciativa parecida com o SPE. A última tentativa de estimular a adoção de escolhas mais saudáveis nos restaurantes falhou. Em 2009, o Conselho de Nutricionistas de São Paulo criou um certificado para restaurantes com um nutricionista na equipe. “A maioria dos donos de restaurantes acha um custo desnecessário”, diz Maria Lúcia Tafuri Garcia, presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição. O certificado foi abolido no ano passado.

Mas há restaurantes que cuidam da combinação de nutrientes. A chef Tatiana Cardoso, formada pela Natural Cookery School, em Nova York, é uma delas. “Pensar em combinar os nutrientes adequados é nutrição básica. Mas quase ninguém se lembra disso”, afirma. Tatiana comanda as cozinhas do Moinho de Pedra e do Natural com Arte, em São Paulo. O paulistano Renato Caleffi, chef do Le Manjue Bistrô, conta com a ajuda de um nutricionista para montar seus pratos. O arroz amazônico, um dos mais pedidos, mistura pirarucu em cubos grelhado com três tipos de arroz: cateto, vermelho e negro integral. Leva ainda pequi, espinafre, castanha-de-caju, salsa, tomate-cereja e azeite. O ferro do espinafre é absorvido com a ajuda da vitamina C da salsa; o licopeno do tomate, com o auxílio do azeite; e a gordura do pirarucu ajuda a diluir as vitaminas da castanha e do pequi. “A comida precisa ser pensada como uma forma de obter saúde”, diz Renato.
TERAPIA ALIMENTAR
Uma combinação campeã são alimentos ricos em gordura (como azeite, castanhas e abacate) com as fontes de vitaminas A (do agrião), E (do brócolis), D (do salmão) e K (da couve-flor). São ingredientes que muitas vezes andam juntos nas receitas do dia a dia. Além de gostosa, agora se sabe que a combinação também é boa para a saúde. “Essa mistura é eficaz porque essas vitaminas precisam ser dissolvidas na gordura para uma melhor absorção pelo intestino”, diz Linda Antinoro, nutricionista do hospital Brigham and Women’s, em Boston. Muitas dessas duplas de alimentos parecem eficazes no combate às células cancerígenas. Diferentes estudos sugerem que sua ingestão é aconselhável para quem trata algum tipo de câncer ou tenha predisposição à doença. A ingestão de um nutriente presente nas maçãs (a quercetina) aumenta a capacidade de outro encontrado nas framboesas (o antioxidante elágico) para destruir células cancerígenas. A combinação de uma substância presente no chá-verde (a catequina) com a vitamina C encontrada no suco de limão tem efeito similar. A vitamina C também pode fazer par com outra substância. Quando consumida com aveia ou cenoura (ricos em ácido fenólico), atua de forma mais rápida e eficaz para combater o colesterol ruim, que pode entupir as artérias (LDL). Isso é importante para pessoas com doenças coronárias ou histórico de derrames.
Um desses estudos, conduzido pela Universidade de Illinois e publicado na revista científica Cancer Research, trata dos benefícios da combinação de tomates e brócolis para quem tem câncer de próstata. Os cientistas de alimentos John Erdman e Kirstie Canene-Adams alimentaram ratos com células cancerígenas com uma dieta composta de 10% de tomate e 10% de brócolis. Outros ratos comeram esses alimentos separados, ou apenas suplementos com seus princípios ativos. Depois de 22 semanas, os ratos com dieta combinada de brócolis e tomate tinham os menores tumores. “Homens mais velhos com câncer de próstata que optaram por observar a evolução da doença antes da químio ou da radiação devem considerar seriamente a inclusão de mais brócolis e tomate em suas dietas”, afirma Kirstie. As pesquisas sobre combinações de alimentos consideram apenas os ingredientes naturais, não suplementos nem vitaminas em cápsulas. Os estudos do pesquisador David Jacob, da Universidade de Minnesota, mostram por quê. Ele afirma que a interação existe até mesmo dentro de um único ingrediente. “Cada alimento tem milhares de componentes. Eles são digeridos pelo corpo em sequências que ajudam na absorção dos nutrientes, ou para evitar componentes ruins”, diz. Como as nozes, ricas em propriedades antioxidantes que protegem contra as gorduras do próprio alimento.
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A nutricionista Márcia Barletta, de 57 anos, se curou de uma diarreia crônica que persistia por dez anos com a ajuda de uma alimentação regrada e das combinações certas. Ela teve uma peritonite, infecção de uma membrana que reveste o abdome. Fez cirurgia e ficou 60 dias internada, tomando antibióticos. Quando recebeu alta, seu intestino não era mais o mesmo. “Tinha dores de barriga todos os dias. Mal acabava de comer e corria para o banheiro.” Márcia teve desnutrição e chegou a pesar 38 quilos. Foi quando procurou a ajuda de uma nutricionista funcional, especializada em tratamentos com alimentos. “Desenvolvi alergia ao glúten e à lactose”, diz. A alimentação de Márcia mudou. Sua fonte de cálcio passou a ser o suco de couve com alguma fruta ácida. A acidez da fruta aumenta a do estômago – e isso favorece a absorção dos minerais da couve. “Ela passou a comer mais frutas, legumes e cápsulas de lactobacilos, para recompor a flora intestinal”, diz a nutricionista Gisela Savioli, que tratou Márcia.
A melhora na dieta pode auxiliar na cura de outras doenças. A analista de sistemas Carla Adriana Nogueira Cirilo, de 39 anos, sentia dores por todo o corpo, tinha ínguas e foi diagnosticada com fibromialgia, um tipo de reumatismo caracterizado por dores generalizadas. Mesmo com o tratamento com um reumatologista, as dores persistiam. Carla procurou uma nutricionista para tratar outro problema, a intolerância à lactose, e acabou com as dores da fibromialgia. “É uma doença relacionada ao estado emocional do paciente. Essa mudança na alimentação e a solução para a intolerância podem ter tido um impacto nas dores”, diz Roberto Heymann, reumatologista da Universidade Federal de São Paulo. Carla passou a comer mandioca ou batata-doce e suco verde (couve com maçã) no café da manhã. As raízes são ingeridas com azeite ou óleo de coco, para que essa gordura segure o alimento por mais tempo no estômago e, dessa forma, a liberação da glicose seja mais lenta. No café da tarde, Carla toma sopa de abobrinha e come polpa de coco. A gordura do coco ajuda a absorver as vitaminas da sopa. Com o corpo nutrido da forma correta, Carla resolveu outro problema, a insônia. “Passei a ter sono às 21h30. A alimentação correta e nutritiva mudou minha vida”, diz.
Apesar do grande número de pesquisas acumulado nos últimos anos, há ainda algumas divergências em torno de algumas misturas específicas. É o caso das fontes de ferro, um nutriente importante para nosso metabolismo. Há duas fontes principais de ferro em nossa alimentação: as carnes vermelhas e os vegetais (legumes e verduras). O ferro da carne é abundante e facilmente absorvido por nosso organismo. O ferro que vem dos vegetais é mais difícil de ser aproveitado por nosso corpo. Isso é um desafio para quem mantém uma dieta estritamente vegetariana. Uma das soluções é misturar esses vegetais ricos em ferro com outros bem dotados de vitamina C. Um estudo da Universidade de Syracuse, em Nova York, mostrou que a vitamina C aumenta em 30% a absorção desse ferro. Ninguém discorda que essa combinação funciona. A polêmica gira em torno de alguns vegetais.
Segundo pesquisadores, o espinafre, apesar da concentração de ferro que inspirou o personagem Popeye, não pode ser considerado boa fonte desse nutriente. Tudo por causa de uma substância do próprio espinafre, chamada ácido oxálico. Ela dificulta a absorção do ferro por nosso organismo. Para alguns médicos e nutricionistas, o espinafre não é boa fonte de ferro, mesmo com a ajuda da vitamina C. De acordo com Anita Sachs, nutricionista do núcleo de medicina preventiva da Unifesp, comer espinafre pode atrapalhar até a absorção de ferro de outras fontes. “Para quem precisar de ferro, o melhor é recorrer às carnes”, afirma Anita. O ácido oxálico existe em outras fontes de ferro, como beterraba e feijão.
COMBINAÇÕES QUE EMPOBRECEM
Assim como as pesquisas descobriram combinações boas para o organismo, também detectaram algumas que devem ser evitadas. Consumir bebidas com cafeína com comidas gordurosas é uma delas. Estudos da Universidade de Guelph, Canadá, afirmam que os níveis de açúcar na corrente sanguínea, que disparam quando alguém ingere comidas gordurosas, dobram quando acompanhados de alguma bebida com alta dose de cafeína. Nos casos estudados na pesquisa, as taxas de açúcar no sangue de alguns aumentaram 65% após duas xícaras de café. As bebidas ricas em cafeína, como chás-pretos, também atrapalham na absorção do ferro dos vegetais. Outro cuidado importante para os vegetarianos: quem tem anemia provavelmente precisa cortar o café após as refeições. Pessoas com problemas específicos de saúde devem ter cuidados extras.
Há outras combinações suspeitas. Um composto ácido presente no vinho e no café (o tanino) reduz a absorção tanto do cálcio como do ferro. Outra substância (o ácido fítico) encontrada no tofu, na linhaça, no farelo de aveia e no milho tem interação semelhante e prejudica a absorção do cálcio, do ferro, do magnésio e do zinco.

O aposentado Horácio Falvela, de 65 anos, desenvolveu diabetes tipo 2 há dez anos. Parou de fumar, começou a praticar exercícios e, com a ajuda de uma nutricionista, descobriu que adicionar alimentos com fibras solúveis (das frutas secas, da aveia e do grão-de-bico) em todas as refeições auxilia no controle glicêmico. “Quando ingeridas com os carboidratos, que se tornarão glicose, as fibras solúveis retardam a absorção dessa glicose e reduzem a concentração do açúcar no sangue”, diz Celeste Elvira Viggiano, nutricionista da Sociedade Brasileira de Diabetes. “Minha glicemia, que sempre estava alta, agora está controlada”, afirma Horácio.
A combinação de nutrientes pode ser uma boa forma de multiplicar o efeito de substâncias indispensáveis para o corpo, como vitaminas, ferro ou cálcio. Mas não faz milagres. É preciso ter uma alimentação equilibrada e hábitos saudáveis. “Não adianta comer molho de tomate com azeite todos os dias para prevenir câncer de próstata se você continuar ingerindo muito açúcar, gordura e fumando”, afirma Nathaly Russo, nutricionista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “É preciso ter hábitos saudáveis para aproveitar os benefícios da alimentação.”
Revista Época

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