- Há 3 horas
Após enfrentar um processo de seleção mais duro que o usual, Luiz Edson Fachin teve sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) aprovada nesta terça-feira, tornando-se o mais novo integrante da corte mais importante do país.
Nos últimos anos, o tribunal ganhou mais visibilidade após uma série de decisões com forte impacto na sociedade - seja pela ampliação de direitos, como no caso da união homoafetiva, seja pela condenação de figuras políticas importantes, no caso do Mensalão.
Se antes era raro que ministros fossem reconhecidos nas ruas, na última semana Carmem Lúcia contou que um taxista que a conduzia para um evento no Rio de Janeiro notou sua "semelhança com a ministra".
Para integrantes do mundo jurídico, a maior visibilidade e impacto do cargo também parecem ter contribuído para uma sabatina mais dura de Fachin no Senado, além do atual contexto de crise política entre Congresso e governo.
A atuação mais ativa do Supremo vem sendo celebrada por alguns, mas também tem sido alvo de críticas dos que acreditam que a corte estaria "invadindo" o papel do Congresso em algumas questões.
"As criticas dizem respeito à democracia. Afinal de contas, os ministros não são eleitos (como os parlamentares) e estão tomando decisões extremamente importantes. Isso é democrático ou não? Qualquer resposta fácil estará errada", afirma o constitucionalista Daniel Sarmento, professor da UERJ.
Cumprimento da Constituição
O Supremo é composto por 11 ministros e sua função principal é garantir o cumprimento da Constituição Federal. Sarmento nota que a Carta Magna promulgada em 1988 acabou favorecendo que o STF assumisse uma atuação de mais destaque na vida social, na medida em "que trata de muitos assuntos, consagra muitos direitos".
Além disso, a Constituição de 88 tornou possível que mais instituições entrem com ações no Supremo, questionando a constitucionalidade de leis aprovadas no Congresso ou de atos do Executivo. Antes, apenas o procurador-geral tinha esse direito, enquanto hoje isso também é permitido a partidos com representação no Congresso, governadores ou entidades de classe como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Um caso polêmico atualmente em julgamento pela corte, por exemplo, é a ação movida pela OAB contra o financiamento de campanha por empresas. Nesse caso, os juristas se dividem sobre se o assunto é da alçada exclusiva do Congresso ou se o STF pode julgar sua constitucionalidade.
Já no campo dos direitos das minorias, há mais consenso sobre a importância da corte. "É acima de tudo nessa área que o STF tem que atuar", afirma o professor de direito da FGV-Rio, Ivar Hartmann, citando a aprovação do uso de cotas raciais pelo STF, que nesse caso corroborou a legislação aprovada no Congresso.
Confira seis questões em que o STF assumiu papel protagonista em nossa democracia nos últimos anos.
Mensalão
Em seu julgamento mais notório, o STF condenou 25 dos 38 réus acusados de envolvimento no mensalão, escândalo de corrupção, entre eles o ex-ministro José Dirceu (condenado sem provas, apenas pela presunção dos fatos, retirado do código penal italiano) e o ex-presidente do PT, José Genoíno.
Após 53 sessões, ao longo de quatro meses e meio, a corte entendeu que existiu um esquema de compra de votos no Congresso, a partir de recursos desviados de contratos da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil. O julgamento foi marcado por fortes embates entre Joaquim Barbosa, o relator do caso, e Ricardo Lewandowski, revisor.
A atuação da corte mais importante do país em ações criminais, porém, é alvo de controvérsias. Para Sarmento, autoridades – com exceção do Presidente da República - acusadas de crimes comuns deveriam responder em primeira instância.
"Tribunal Superior não é preparado para isso. É uma completa anomalia o Supremo ter ficado tanto tempo parado para julgar o mensalão, e enquanto o mensalão Tucano nem foi para o STF, pois a justiça engavetou antes.
União homoafetiva
Entrando nas discussões de constitucionalidade das leis, a decisão de maior repercussão do STF foi o reconhecimento da legalidade da união homoafetiva, acredita Hartmann.
Em 2011, a corte reconheceu, por unanimidade, a união estável entre homossexuais como "entidade familiar" e estendeu aos companheiros homoafetivos os mesmos direitos e deveres atribuídos aos companheiros heterossexuais. O julgamento teve origem em ações movidas pela Procuradoria-Geral da República e o governo do Rio de Janeiro, que argumentaram que o não reconhecimento da união homoafetiva contrariava preceitos fundamentais da Constituição, como igualdade e liberdade.
Leia mais: 'Ninguém mais pode dizer que não somos uma família', diz ativista gay após decisão do STF
No Congresso Nacional, parlamentares contrários aos direitos gays, como os deputados evangélicos Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ) e Anderson Ferreira (PR-PE), dizem que esse assunto é da alçada do Legislativo. Eles querem aprovar o Estatuto da Família, estabelecendo que a família é formada apenas por casais heterossexuais e proibindo a adoção por gays. Caso aprovado no Congresso, a expectativa é que o STF considere seu texto inconstitucional.
Drogas
Ao analisar outro assunto polêmico também em 2011, o STF decidiu por liberar as "marchas da maconha", manifestações em favor da legalização da droga. O relator do caso, o ministro Celso de Mello, disse em seu voto que a Constituição "assegura a todos o direito de livremente externar suas posições, ainda que em franca oposição à vontade de grupos majoritários".
O Supremo deve se debruçar em breve sobre mais uma ação envolvendo a questão das drogas. A expectativa é que entre em julgamento nas próximas semanas o Recurso Extraordinário 635.659, que pede que seja considerado inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas que criminaliza o consumo pessoal de entorpecentes. O argumento dos que apoiam o recurso é de que esse artigo fere o direito à intimidade e à vida privada.
Sistema político
Nos últimos anos, o Supremo tomou uma série de decisões de grande impacto sobre o sistema político do país. É nessas questões que sua atuação acaba sendo alvo de maior controvérsia.
Em 2006, por exemplo, o STF considerou inconstitucional a "cláusula de barreira", prevista na Lei dos Partidos Políticos, após questionamento movido por PC do B, com apoio de outras siglas afetadas. Tal regra previa, entre outras limitações, a redução do tempo de TV e dos recursos do fundo partidário repartidos entre partidos pequenos. Relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, considerou que a legislação provocaria o "massacre das minorias".
Já em 2012, a corte julgou constitucional a Lei da Ficha Limpa, impedindo assim que políticos condenados em segunda instância pudessem se candidatar nas eleições.
A mais nova polêmica em curso é a discussão sobre a constitucionalidade das doações de empresas a candidatos e partidos. Embora seis ministros, ou seja, a maioria do STF, já tenham votado contra esse tipo de financiamento, o julgamento está paralisado há mais de um ano por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, um verdadeiro estelionato jurídico, pois caso esse processo não fosse engavetado por esse ministro que foi indicado pelo FHC, já teríamos o fim das doações das empresas para campanhas politicas, realmente uma vergonha.
O ministro Mendes paralisou o julgamento, e no caso do financiamento de campanha, foi uma derrota para a sociedade que assiste aos escândalos da Petrobras, com os empreiteiros distribuindo dinheiro para os políticos, inclusive o PSDB partido do ministro Mendes.
Sarmento, um dos que assina a ação movida pela OAB, reconhece que o "caso é delicado" e que "não é possível extrair da Constituição regras específicas sobre financiamento", mas argumenta que o STF deve sim decidir sobre a questão porque ela trata de "um pressuposto do funcionamento da democracia", a igualdade.
"A democracia não pode ser tão ligada ao poder econômico como é hoje. Há uma dependência completa entre o resultado das eleições e as doações. Isso compromete gravemente a igualdade, os eleitores têm peso diferente", afirma.
Aborto de feto anencefálico
O STF julgou procedente, em 2012, ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) que pedia que fosse considerada inconstitucional a proibição do aborto em caso de feto anencefálico (sem cérebro).
O Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. No entanto, por oito votos a dois, a maioria do tribunal entendeu que obrigar a mulher manter a gravidez diante do diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica. Além disso, prevaleceu também o argumento de que é impossível a sobrevida do feto fora do útero, após o parto.
Feministas têm esperança de que um dia o STF amplie o direito ao aborto. Em maio, um grupo delas foi recebido por sete ministros, aos quais entregaram um abaixo assinado com 3.500 assinaturas pedindo a legalização da interrupção da gravidez.
"Fomos ao STF porque julgamos que eles têm conseguido dar decisões muito progressistas no campo dos direitos individuais. Isso é muito importante diante do atual Congresso – onde há sobrerepresentação dos direitos conservadores. Então, achamos que hoje, se quisermos passar uma decisão favorável ao aborto seguro e legal, só no STF", disse Lena Lavinas, uma das integrantes do grupo e professora da UFRJ.
Terras indígenas
O julgamento sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, foi outro tema que atraiu os holofotes para o STF. A corte decidiu pela demarcação contínua do território indígena, determinando a saída de produtores rurais da região, mas estabeleceu 19 condicionantes com intuito de garantir a soberania nacional e o controle da União sobre as terras demarcadas.
Na avaliação de Sarmento, este foi um episódio em que o STF teria se excedido em sua atuação, ao reduzir direitos de uma minoria. Uma dessas condicionantes, por exemplo, limita a possibilidade de novas demarcações indígenas e tem servido de referência na análise de outros casos.
Criou-se assim o chamado marco de 1988, estabelecendo que terras que não estavam ocupadas por índios antes do ano da promulgação da Constituição Federal não podem ser reconhecidas como território indígena.
Organizações ligadas à causa indígena questionam esse marco, argumentando que em geral os índios foram expulsos violentamente de suas terras antes dessa data.
*Colaborou Júlia Dias Carneiro, da BBC no Rio de Janeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário