Saiu do armário
O apartamento claro e arejado tem imensas janelas que são molduras para vários cartões-postais da cidade: Cristo Redentor, Lagoa Rodrigo de Freitas, Jardim Botânico. E ainda tem várias coberturas e varandas para serem observadas. Lugar ideal para uma refilmagem de “Janela indiscreta”, de Alfred Hitchcock.
Mas o feliz proprietário desse imóvel não é lá um praticante do voyeurismo, apesar de ser um observador pleno da vida. Luiz Fernando Guimarães nos recebe de chinelos, calça folgada, camisa polo. Atrás dele, Topete, um simpático basset de 4 anos, que não larga seu dono. “Ele não vai sossegar enquanto não derem atenção a ele. Está no cio esse cachorro, não é possível”, brinca o ator, que tem como vizinhos de prédio Débora Bloch, que mora em cima; Bruno Mazzeo e Moreno Veloso: “Tem muito artista aqui”.
O ar-condicionado jamais é desligado. Luiz gosta assim, nos 17 graus. Como também faz questão de frisar que seu nome é com “Z”. “Muita gente confunde, é sempre bom avisar”, explica ele, que a partir de amanhã terá seu nome — na grafia correta —abrindo os créditos de “Acredita na peruca”, novo humorístico do Multishow.
Pela primeira vez, Luiz vai viver uma mulher em cena. Algo que causou certo desconforto de início. “O projeto veio de um monólogo para o teatro. A personagem era só mais uma. Mas para a TV ela virou o centro. Queria fazer algo no universo masculino, com aquelas mulheres gostosas, os homens caracterizados. Gosto de uma coisa Rui e Vani, sabe? E as pessoas se identificam, mas, enfim, aceitei... Topete não dá!”, justifica ele, entrecortando a fala para dar uma bronca no cão de estimação que atenta a maquiadora.
" Não mudo voz, ela é meio masculinizada, porque eu mesmo sou bruto. Pareço um rinoceronte, quebro as coisas, tropeço"
Maria Eleonora Monteiro de Alcântara é uma senhora de seus 60 e poucos anos, dona de um salão de beleza, aristocrata falida e preconceituosa até o último fio de cabelo. “Ela fala coisas absurdas. Minha mãe era meio assim. Quando li o texto, logo me veio ela. Ela dizia: ‘Esse pessoal além túnel tem que ficar lá mesmo, na Zona Sul já tem gente demais’. E eu tinha primos pobríssimos. Fui criado em Laranjeiras, minha família era bem dividida”, recorda ele, que não espera que o público queira ver uma mulher de verdade em cena: “Pedi para tirar bunda e peito. Ali é o Luiz fazendo uma mulher. Não mudo voz, ela é meio masculinizada, porque eu mesmo sou bruto. Pareço um rinoceronte, quebro as coisas, tropeço. Se bem que a Claudia Raia é mulher e também é assim”.
Ao entrar no universo feminino, Luiz Fernando diz que está tendo a chance de entender como as mulheres funcionam. “Não tenho nenhum saco para mulher. E elas sabem disso. Mas convivo. O que me irrita é a oscilação, se bem que também sou assim. De manhã até o meio-dia a mulher já teve vários rompantes”, observa ele, que tem como grandes companheiras Regina Casé, Fernanda Torres e a vizinha Débora: “Regina e Fernanda são bem masculinizadas, a Débora é mais feminina. Fernanda eu chamava de colegão”.
Vírus melancólico
Luiz acaba exercendo sua “mulherzice” na sensibilidade, na organização de festas memoráveis ( “Às vezes, acho que trabalho só para fazer festas”) e em certa melancolia. “Sou antagônico. O que me deixa melancólico é o mundo, as coisas que eu vejo, eu reparo muito. Me entristeço com o planeta, com o desdém das coisas, com política, como a coisa está desleixada”, enumera ele.
"Acho um saco. Acho que todo mundo sabe da minha preferência sexual, nunca ninguém me perguntou sobre isso"
A entrevista é cortada, mais uma vez, por Topete. “Adriano, chega aqui. O Topete vai transar com a maquiadora desse jeito!”. Adriano é o companheiro de Luiz Fernando. O papo agora é sobre solidão e filhos. “A solidão independe de você estar casado ou estar com 300 pessoas e se sentir só. É um estado de espírito. A gente é casado, e não mora junto. Nunca falei sobre isso porque não vou levantar bandeirinha. Acho um saco. Acho que todo mundo sabe da minha preferência sexual, nunca ninguém me perguntou sobre isso, não tenho a menor vontade de conversar sobre porque o nome disso é intimidade. Porque vira o assunto principal e tenho tantas outras coisas para serem ditas. Aí você vai botar o que eu disse e eu vou falar que não falei nada disso”, diz, entre risos.
Luiz Fernando, de fato, construiu uma imagem que passa longe da fanfarronice ou do esquema midiático. “Montei a minha vida para ser um ator que não protagoniza escândalos em capa de revista. Direcionei para isso, para que ninguém entre na minha intimidade. Se deixar de ser intimidade, vira casa da sogra”. A entrevista termina, Luiz quer fazer uma foto com a equipe. Na mesma tarde, o registro está postado em seu perfil no Facebook: “Gosto do social”.
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