8.11.2010

COCAÍNA

COCAÍNA
A cocaína é uma substância natural, extraída das folhas de uma planta encontrada
exclusivamente na América do Sul, a Erythroxylon coca, conhecida como coca ou
epadu, este último nome dado pelos índios brasileiros. A cocaína pode chegar até
o consumidor sob a forma de um sal, o cloridrato de cocaína, o “pó”, “farinha”,
“neve” ou “branquinha”, que é solúvel em água e serve para ser aspirado (“cafungado”)
ou dissolvido em água para uso intravenoso (“pelos canos”, “baque”), ou sob a
forma de base, o crack, que é pouco solúvel em água, mas que se volatiliza quando
aquecida e, portanto, é fumada em “cachimbos”.
Também sob a forma base, a merla (mela, mel ou melado), um produto ainda
sem refino e muito contaminado com as substâncias utilizadas na extração, é preparada
de forma diferente do crack, mas também é fumada. Enquanto o crack
ganhou popularidade em São Paulo, Brasília foi a cidade vítima da merla. De fato,
pesquisas mostram que mais de 50% dos usuários de drogas da Capital Federal
fazem uso de merla, e apenas 2% de crack.
Por apresentar aspecto de “pedra” no caso do crack e “pasta” no caso da merla, não
podendo ser transformado em pó fino, tanto o crack como a merla não podem ser
aspirados, como a cocaína pó (“farinha”), e por não serem solúveis em água também
não podem ser injetados. Por outro lado, para passar do estado sólido ao de vapor
quando aquecido, o crack necessita de uma temperatura relativamente baixa (95oC),
o mesmo ocorrendo com a merla, ao passo que o “pó” necessita de 195oC; por esse
motivo o crack e a merla podem ser fumados e o “pó” não.
Há ainda a pasta de coca, que é um produto grosseiro, obtido das primeiras
fases de extração de cocaína das folhas da planta quando estas são tratadas com
álcali, solvente orgânico como querosene ou gasolina, e ácido sulfúrico. Essa pasta
contém muitas impurezas tóxicas e é fumada em cigarros chamados “basukos”.
Antes de se conhecer e de se isolar cocaína da planta, a coca (planta) era muito
usada sob forma de chá. Ainda hoje esse chá é bastante comum em certos países da
América do Sul, como Peru e Bolívia, sendo em ambos permitido por lei, havendo até
um órgão do Governo, o “Instituto Peruano da Coca”, que controla a qualidade
das folhas vendidas no comércio. Esse chá é até servido aos hóspedes nos hotéis.
Acontece, porém, que, sob a forma de chá, pouca cocaína é extraída das folhas; além
disso, ingerindo (toma-se pela boca) o tal chá, pouca cocaína é absorvida pelos intestinos
e, ainda, por essa via ela imediatamente já começa a ser metabolizada. Através
do sangue, chega ao fígado e boa parte é destruída antes de chegar ao cérebro. Em
outras palavras, quando a planta é ingerida sob a forma de chá, muito pouca cocaína
chega ao cérebro.
Todo mundo comenta que vivemos hoje em dia uma epidemia de uso de cocaína,
como se isso estivesse acontecendo pela primeira vez. Mesmo nos Estados
Unidos, onde, sem dúvida, houve uma explosão de uso nesses últimos anos, já existiu
fenômeno semelhante no passado. E no Brasil também, há cerca de 60 ou 70
anos utilizou-se aqui muita cocaína.
Há hoje em nossa cidade muitos filhos de família cujo grande
prazer é tomar cocaína e deixar-se arrastar até aos declives mais perigosos deste vício.
Quando... atentam... é tarde de mais para o recuo.
Tanto o crack como a merla também são cocaína; portanto, todos os efeitos provocados
no cérebro pela cocaína também ocorrem com o crack e a merla. Porém, a
via de uso dessas duas formas (via pulmonar, já que ambos são fumados) faz toda
a diferença em relação ao “pó”.
Assim que o crack e a merla são fumados, alcançam o pulmão, que é um órgão
intensivamente vascularizado e com grande superfície, levando a uma absorção instantânea.
Através do pulmão, cai quase imediatamente na circulação, chegando
rapidamente ao cérebro. Com isso, pela via pulmonar, o crack e a merla “encurtam”
o caminho para chegar ao cérebro, surgindo os efeitos da cocaína muito mais rápido
do que por outras vias. Em 10 a 15 segundos, os primeiros efeitos já ocorrem,
enquanto os efeitos após cheirar o “pó” surgem após 10 a 15 minutos, e após a injeção,
em 3 a 5 minutos. Essa característica faz do crack uma droga “poderosa” do
ponto de vista do usuário, já que o prazer acontece quase instantaneamente após
uma “pipada” (fumada no cachimbo).
Porém, a duração dos efeitos do crack é muito rápida. Em média, em torno de 5
minutos, enquanto após injetar ou cheirar, duram de 20 a 45 minutos. Essa certa
duração dos efeitos faz com que o usuário volte a utilizar a droga com mais freqüência
que as outras vias (praticamente de 5 em 5 minutos), levando-o à dependência muito
mais rapidamente que os usuários da cocaína por outras vias (nasal, endovenosa) e
a um investimento monetário muito maior.
Logo após a “pipada”, o usuário tem uma sensação de grande prazer, intensa
euforia e poder. É tão agradável que, logo após o desaparecimento desse efeito (e
isso ocorre muito rapidamente, em 5 minutos), ele volta a usar a droga, fazendo isso
inúmeras vezes, até acabar todo o estoque que possui ou o dinheiro para consegui-la.
A essa compulsão para utilizar a droga repetidamente dá-se o nome popular de “fissura”,
que é uma vontade incontrolável de sentir os efeitos de “prazer” que a droga
provoca. A “fissura” no caso do crack e da merla é avassaladora, já que os efeitos
da droga são muito rápidos e intensos.
Além desse “prazer” indescritível, que muitos comparam a um orgasmo, o crack e
a merla provocam também um estado de excitação, hiperatividade, insônia, perda de
sensação do cansaço, falta de apetite. Esse último efeito é muito característico do usuário
de crack e merla. Em menos de um mês, ele perde muito peso (8 a 10kg) e em
um tempo maior de uso ele perde todas as noções básicas de higiene, ficando com um
aspecto deplorável. Por essas características, os usuários de crack (craqueros) ou de
merla são facilmente identificados. Após o uso intenso e repetitivo, o usuário experimenta
sensações muito desagradáveis, como cansaço e intensa depressão.
Efeitos tóxicos
A tendência do usuário é aumentar a dose da droga na tentativa de sentir efeitos
mais intensos. Porém, essas quantidades maiores acabam por levar o usuário a
comportamento violento, irritabilidade, tremores e atitudes bizarras devido ao
aparecimento de paranóia (chamada entre eles de “nóia”). Esse efeito provoca um
grande medo nos craqueros, que passam a vigiar o local onde usam a droga e a ter
uma grande desconfiança uns dos outros, o que acaba levando-os a situações extremas
de agressividade. Eventualmente, podem ter alucinações e delírios. A esse
conjunto de sintomas dá-se o nome de “psicose cocaínica”. Além dos sintomas
descritos, o craquero e o usuário de merla perdem de forma muito marcante o interesse
sexual.
Efeitos sobre outras partes do corpo
Os efeitos provocados pela cocaína ocorrem por todas as vias (aspirada, inalada,
endovenosa). Assim, o crack e a merla podem produzir aumento das pupilas
(midríase), que prejudica a visão; é a chamada “visão borrada”. Ainda pode provocar
dor no peito, contrações musculares, convulsões e até coma. Mas é sobre o sistema
cardiovascular que os efeitos são mais intensos. A pressão arterial pode elevarse
e o coração pode bater muito mais rapidamente (taquicardia). Em casos extremos,
chega a produzir parada cardíaca por fibrilação ventricular. A morte também
pode ocorrer devido à diminuição de atividade de centros cerebrais que controlam
a respiração.
O uso crônico da cocaína pode levar a degeneração irreversível dos músculos
esqueléticos, conhecida como rabdomiólise.
Aspectos gerais
Como ocorre com as anfetaminas (cujos efeitos são em parte semelhantes aos da
cocaína), as pessoas que abusam da cocaína relatam a necessidade de aumentar a
dose para sentir os mesmos efeitos iniciais de prazer, ou seja, a cocaína induz tolerância.
É como se o cérebro se “acomodasse” àquela quantidade de droga, necessitando
de uma dose maior para produzir os mesmos efeitos prazerosos. Porém, paralelamente
a esse fenômeno, os usuários de cocaína também desenvolvem sensibilização,
ou seja, para alguns efeitos produzidos pela cocaína, ocorre o inverso da
tolerância, e com uma dose pequena os efeitos já surgem. Mas para a angústia do
usuário os efeitos produzidos com pouca quantidade de droga são exatamente
aqueles considerados desagradáveis, como, por exemplo, a paranóia. Dessa forma,
com o passar do tempo, o usuário necessita aumentar cada vez mais a dose de cocaína
para sentir os efeitos de prazer, porém seu cérebro está sensibilizado para os efeitos
desagradáveis, ocorrendo como conseqüência do aumento da dose uma intensificação
de efeitos indesejáveis, como paranóia, agressividade, desconfiança etc.
Não há descrição convincente de uma síndrome de abstinência quando a pessoa
pára de usar cocaína abruptamente: não sente dores pelo corpo, cólicas, náuseas
etc. Às vezes pode ocorrer de essa pessoa ficar tomada de grande “fissura”,
desejar usar novamente a droga para sentir seus efeitos agradáveis e não para diminuir
ou abolir o sofrimento que ocorreria se realmente houvesse uma síndrome de
abstinência.
Usuários de drogas injetáveis e Aids
No Brasil, a cocaína é a substância mais utilizada pelos usuários de drogas injetáveis
(UDIs). Muitas dessas pessoas compartilham agulhas e seringas e expõem-se ao
contágio de várias doenças, entre estas hepatites, malária, dengue e Aids. Essa prática
é, hoje em dia, um fator de risco para a transmissão do HIV. Porém, os UDIs têm
optado por mudança de via, assim, hoje em São Paulo, muitos antigos UDIs utilizam
o crack por considerarem mais seguro, já que por essa via não compartilham
seringas e agulhas. Entretanto, principalmente mulheres usuárias de crack, prostituem-
se para obter a droga e geralmente o fazem sob efeito da “fissura”. Nesse estado,
perdem a noção do perigo, não conseguem proceder a um sexo seguro, expondo-
se a doenças sexualmente transmissíveis (DST) e, ainda, podendo transmitir o
vírus a seus parceiros sexuais. Essa prática demonstra que o crack diante das
DST/Aids não é tão seguro quanto se suponha inicialmente.
Segundo dados do “Projeto Brasil”, estudo epidemiológico realizado entre 1995
e 1996 com 701 UDIs, envolvendo vários centros do País, e coordenado pelo
Instituto de Estudos e Pesquisas em Aids de Santos (Iepas), as taxas de prevalência
de infecção pelo HIV entre usuários de drogas injetáveis chegavam a 71% em Itajaí,
64% em Santos e 51% em Salvador.
No âmbito nacional, 21,3% dos casos de Aids registrados até maio de 1997 referiam-
se à categoria de usuário de drogas injetáveis.
As campanhas do Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Nacional de DST/Aids, têm reduzido muito o número de infectados por essa via. Porém, iniciam-se agora campanhas que venham coibir a transmissão de DST/Aids por crack.

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