8.26.2011

Terra sem lei

Laísa Santos

"Estou jurada de morte"
Na mira de criminosos, irmã de líder extrativista assassinada no Pará diz que se sente desprotegida e clama por socorro
por Adriana Nicacio

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RECADO
"Aqui, quando um tronco de palha de coco é atravessado no caminho
de alguém, significa que está sendo feita uma ameaça"
, diz ela
Por vários meses, pistoleiros rondaram a residência dos líderes extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em Praia Alta Piranheira (PA), disparando tiros. Era o recado de que as constantes denúncias de irregularidades nas áreas de preservação no sul e sudeste do Pará seriam cobradas com sangue. O casal pediu proteção policial, mas não conseguiu. Nem por isso recuou nas queixas à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao Ibama sobre os crimes ambientais que encontraram na Amazônia. No dia 24 de maio, quando José e Maria saíram de casa, a 390 quilômetros de Belém, no Pará, foram executados a tiros.Agora, três meses depois, a história começa a se repetir. Na alça de mira dos criminosos desta vez está a extrativista Laísa Santos Sampaio, 45 anos, irmã de Maria do Espírito Santo. Na quarta-feira 17, desconhecidos invadiram a casa onde ela vive com o marido e quatro de seus oito filhos, também em Praia Alta Piranheira. Horas depois, na madrugada, os dois cachorros da família foram atingidos por balas de espingarda. “Estou com medo. Minha irmã e meu cunhado pediram socorro até a última hora e não houve investigação”, disse Laísa em entrevista exclusiva à ISTOÉ. A extrativista conta que se tornou o novo alvo por ser companheira de luta da irmã e não aceitar o fim do inquérito que investigou o assassinato de José Cláudio e Maria. Até agora ninguém foi preso pelo crime. E Laísa se sente desprotegida. “Estou jurada de morte”, denuncia.
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"Desta vez, vamos reivindicar a federalização do
caso de José Cláudio e Maria do Espírito Santo"
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"Adotamos a frase de Chico Mendes: Queremos que a Amazônia
seja preservada, mas que também seja economicamente viável"
Istoé - Por que a sra. acredita que será a próxima vítima da lista da luta agrária do Pará?
Laísa Santos -
Na quarta-feira 17, o meu marido, José Maria Gomes Sampaio, saiu do assentamento Praia Alta Piranheira para fazer umas compras. Quando ele retornou, percebeu que, pelos rastros no terreno, alguém tinha ido até a nossa casa. Mas o aviso verdadeiro foi um tronco de palha de coco que deixaram atravessado na estrada, mais ou menos a 150 metros da nossa casa. Na minha região, quando um tronco desses é atravessado no caminho de alguém, significa que está sendo feita uma ameaça. Fizeram a mesma advertência quando mataram minha irmã e meu cunhado. Não há dúvida: estamos jurados de morte.
 
Istoé - Os rastros não poderiam ser de seus vizinhos?
Laísa Santos -
Desde que minha irmã e meu cunhado morreram, ninguém vai à nossa casa. A vizinhança tem medo. O tronco estava onde o meu marido passaria com a moto. É um tronco muito pesado, o vento não consegue carregar. Depois, tarde da noite, entre duas e três horas da madrugada, José Maria acordou com um barulho muito forte. Ele não saiu, porque a gente não sabe quem pode estar lá fora. De manhã, nenhum dos meus dois cachorros apareceu na porta da cozinha, como sempre fazem. Um deles, o Canguçu, tinha oito rastros de espingarda no corpo. E duas perfurações grandes. Por sorte não morreu. Mas ficou manco. Eu estava em Belém e o meu marido ficou apavorado. Como não vamos lembrar o que aconteceu com a minha irmã e o meu cunhado? Eles pediram socorro até a última hora.
 
Istoé - A sra. se sente repetindo os passos da sua irmã?

Laísa Santos -
Exatamente. Primeiro, deixaram o sinal de que tinham ido até a casa da Maria e do José Cláudio. A diferença é que escreveram que o dia deles tinha chegado. Na segunda vez, atiraram no cachorro deles. A terceira vez foi a emboscada fatal em Nova Ipixuna. Eu já tive meus dois avisos. E pessoas do acampamento vieram me alertar que não era para ninguém da família do José Cláudio ou da Maria continuar no assentamento. E, com um sinal desses, o nosso medo só aumenta.
 
Istoé - Diante da ameaça de morte, por que a sra. não vai embora do assentamento?

Laísa Santos -
É muito difícil responder essa pergunta. Moramos há dez anos em Praia Alta Piranheira. E nós dedicamos grande parte de nossa vida ao extrativismo. Eu faço parte do Grupo de Trabalhadoras Artesanais Extrativistas. A gente produz fitocosméticos e fitoterápicos das oleaginosas, da andiroba, do cupuaçu, da castanha e do babaçu. Então é uma utopia de vida que nós passamos a ter. É uma questão de valores mesmo. Eu também, como professora, trabalho a questão ambiental no processo educativo e pedagógico na escola da região. São coisas tão importantes na nossa vida que ainda temos motivo para lutar e para querer ficar lá no assentamento, o lugar que escolhemos para viver e para construir nosso paraíso.  
Istoé - Neste momento, a sra. está morando lá ou mudou-se provisoriamente para Belém?

Laísa Santos -
Olha... Nós estamos em outra cidade. A gente tem ido até o assentamento, mas prefiro não revelar onde estou ficando por uma questão de segurança.
 
Istoé - Sua irmã e seu cunhado foram executados pela posição de liderança contra a exploração ilegal de madeira na Floresta Amazônica. O José Cláudio chegou a ser comparado a Chico Mendes por suas atitudes. E, no seu caso, qual seria a razão das ameaças?

Laísa Santos -
Os motivos são outros. Eu e a Claudelice, irmã de José Cláudio, estamos em busca de justiça. Eles sabem que nós sabemos demais e, no momento, estão se sentindo vencedores porque até agora ninguém foi preso. Então, estão se achando no direito de botar para correr quem eles querem.
 
Istoé - Quem são eles? A sra. já identificou os autores das ameaças?

Laísa Santos -
Pela nossa vivência nas lutas da Amazônia, sabemos que não são só os madeireiros. Maria e José Cláudio defendiam a questão madeireira, cajueira e agrária. Eles questionavam todas essas práticas de irregularidade e ilegalidade, denunciavam e iam para o enfrentamento. No sul e no sudeste do Pará, é comum a criação de consórcios para praticar crimes. Quando decidem quem vai morrer, o processo se inicia. Um idealiza, o outro financia e um terceiro executa.
 
Istoé - Antes de ser assassinado, José Cláudio dizia que se sentia vivendo com uma bala na cabeça. É assim que a sra. se sente?

Laísa Santos -
É essa mesma sensação horrível que eu e o meu marido estamos vivendo. Nesta semana eu fui a Belém para reivindicar os nossos direitos na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.
 
Istoé - A sra. procurou a polícia? Está em busca de proteção?

Laísa Santos -
A polícia encerrou as investigações sobre a morte da Maria e do José Cláudio e pediu o mandado de prisão. Mas houve a resistência por parte do juiz local. Por duas vezes o juiz negou antes de conceder o mandado, só que até agora ninguém foi preso.
 
Istoé - A polícia pediu a prisão de quem?

Laísa Santos -
Pediu para o mandante. O José Rodrigues, um pequeno fazendeiro, e o Lindon Johnson, irmão dele, que executou o crime.
 
Istoé - A sra. concorda com a conclusão do inquérito policial?
Laísa Santos -
Penso que sim. Mas, se me perguntassem se é preciso investigar mais, eu diria que sim. Não concordo que as investigações tenham acabado como acabaram, com esses resultados. O meu desejo é que acabassem com todo o grupo que está por trás do assassinato dos nossos familiares. É preciso que toda a trama seja elucidada. Não adianta apontar só uma pessoa. Se ao final de uma investigação mais longa e rigorosa, descobrirem que realmente só havia o José Rodrigues envolvido, tudo bem. A gente ficará satisfeita. Mas é preciso investigar mais.
 
Istoé - O que fazer para levar a investigação adiante?
Laísa Santos -
Eu e a Claudelice não paramos sequer um minuto. Nesta semana, além de ir a Belém, decidimos escrever uma carta para a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. E estamos indo a Brasília na próxima semana.
 
Istoé - Vão falar com a ministra Maria do Rosário?
Laísa Santos -
Nós já falamos com ela e fizemos um apanhado das nossas reivindicações para o campo. Mas, desta vez, vamos pedir a federalização do caso de José Cláudio e Maria do Espírito Santo. Também estamos buscando mais segurança. O nosso pedido é que sejam implantadas guaritas no assentamento. Nós sugerimos a instalação de um posto da Força Nacional lá dentro. Quando houve o atentado ao meu cachorro, a Força Nacional ficou dois dias lá em casa e o clima mudou. A presença constante do policiamento nos dará segurança.
 
Istoé - E a Comissão Pastoral da Terra? A sra. também procurou?

Laísa Santos -
Neste exato momento, estou numa reunião na Pastoral da Terra, que tem nos apoiado muito com companheirismo e orientação. Também tenho o apoio do CNS, que é o Conselho Nacional das Populações Extrativistas. Não tenho cargo no Conselho, mas a minha irmã era coordenadora e, por isso, mantenho esse contato. No CNS, participo de alguns projetos e recentemente estivemos na região de Marajó. 
Istoé - A sra. está com medo de morrer?

Laísa Santos -
Sim. Antes o ditado era: tanto tem, tanto vale; nada tem, nada vale. Mas hoje estamos vendo até mesmo pessoas de um nível social mais elevado que acabam mortas sem a devida proteção. 
Istoé - É uma referência à juíza Patrícia Acioli, morta em São Gonçalo?

Laísa Santos -
Isso mesmo. Quando eu olho para o nosso caso e vejo que estamos numa batalha acirrada, penso que não posso desanimar. Não vamos desistir, mas não somos diferentes de muitos que lutaram e não viram acontecer.
 
Istoé - Mas a sra. confia na proteção do governo?
Laísa Santos -
O governo deixa muito a desejar na questão agrária. É como se todos os outros temas tivessem prioridade para discussões e decisões de políticas públicas.
 
Istoé - Apesar das dificuldades, a sra. não parece disposta a desistir.

Laísa Santos -
De forma alguma. Acontece que, além de Maria ser minha irmã, nós éramos companheiras de lutas. Ela, no enfretamento e eu cá, na educação. Sou educadora na prática há dez anos. Trabalhamos o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos florestais. Tem uma frase do Chico Mendes da qual Maria gostava muito e nós a adotamos como linha de ação: “Queremos que a Amazônia seja preservada, mas queremos também que seja economicamente viável.”

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