A ciência revela o que se deve fazer para aumentar a força de vontade e a capacidade de autocontrole diante das tentações
Cilene Pereira e Mônica Tarantino
Uma simples recordação de nossa vida
cotidiana dá a dimensão do tamanho da batalha para mantermos nossas
metas e vencer as tentações. Como conservar a perseverança e acordar
mais cedo todos os dias para arranjar tempo para o exercício, se o
cansaço paralisa? De que maneira encontrar forças para dizer não ao doce
tentador que aparece na hora da sobremesa ou para ficar longe do
shopping – e salvar o cartão de crédito – quando o dia foi pesado e a
alma implora por um presentinho? É possível recusar o encontro com a
colega atraente do escritório ao se pensar que a namorada pode vir a
saber e isso virar um grande problema? Em um mundo no qual as
compensações por um dia a dia massacrante podem ser abundantes, fica
mesmo difícil resistir a elas. O resultado é conhecido: uma sociedade
cada vez mais obesa e dependente de remédios que aplaquem a ansiedade e a
depressão. Em busca de saídas eficazes para essa encruzilhada, a
ciência começa a voltar seu olhar para dois fatores decisivos nessa
questão: autocontrole e força de vontade. O primeiro é basicamente o
poder de impedir a manifestação de comportamentos prejudiciais e de
encontrar métodos que nos levem a alcançar os objetivos. O segundo é o
que nos faz persistir e ir adiante na decisão de resistir por um bem
maior. Mas o que é preciso fazer para tornar esses dois atributos algo
disponível e durável nas nossas vidas?
As respostas que estão emergindo da comunidade científica desvendam um panorama fascinante. Indicam que essas duas habilidades têm raízes na história da evolução humana, na genética, no ambiente – enfim, são componentes da personalidade de cada um muito mais complexos e sujeitos a influências do que se imaginava. Não é simplesmente uma questão de ter ou não força de vontade e autocontrole. Há mais peças nesse jogo. A primeira conclusão importante a esse respeito vem das pesquisas sobre o comportamento do cérebro
quando exposto a a situações nas quais é obrigado a colocar em ação o poder de autocontrole. Nessas circunstâncias, o que ocorre é uma batalha entre os centros responsáveis pelo processamento dos desejos e do impulso – localizados no sistema límbico – e os que colocam em prática a razão, abrigados no córtex pré-frontal. Um lado pressiona pela recompensa. O outro, pela ponderação sobre a oportunidade e os benefícios reais que o prêmio trará.
Vista assim, essa disputa pode parecer apenas mais uma tarefa do
cérebro, entre os milhares que realiza. Porém, ela simboliza um
ponto-chave da nossa evolução. As áreas relacionadas aos desejos, ao
prazer, foram as primeiras a se desenvolver, até porque se tratava de
uma questão de sobrevivência. Nos primórdios da nossa história, comer,
dormir, fazer sexo, conquistar um terreno só seu eram fundamentais para
viver mais e aumentar a prole – e o cérebro acabou encontrando um
caminho para tornar isso tudo um grande prazer.As respostas que estão emergindo da comunidade científica desvendam um panorama fascinante. Indicam que essas duas habilidades têm raízes na história da evolução humana, na genética, no ambiente – enfim, são componentes da personalidade de cada um muito mais complexos e sujeitos a influências do que se imaginava. Não é simplesmente uma questão de ter ou não força de vontade e autocontrole. Há mais peças nesse jogo. A primeira conclusão importante a esse respeito vem das pesquisas sobre o comportamento do cérebro
quando exposto a a situações nas quais é obrigado a colocar em ação o poder de autocontrole. Nessas circunstâncias, o que ocorre é uma batalha entre os centros responsáveis pelo processamento dos desejos e do impulso – localizados no sistema límbico – e os que colocam em prática a razão, abrigados no córtex pré-frontal. Um lado pressiona pela recompensa. O outro, pela ponderação sobre a oportunidade e os benefícios reais que o prêmio trará.
O grande problema é que até hoje dificilmente resistimos a todas as tentações, além do fato de uns cederem mais aos desejos do que outros. Investigações sobre o que ocorre no cérebro dos mais resistentes e no dos mais auto-complacentes dão parte da resposta de por que isso acontece. Um trabalho importantíssimo nesse tema realizado na California Institute of Techonolgy (EUA) revelou que, nas pessoas menos vulneráveis às tentações, uma área do córtex pré-frontal, a dorsolateral, é mais ativa. Boa parte das considerações profundas sobre os benefícios da ação a ser tomada é feita nessa região.
A informação promissora é que, segundo os cientistas, é possível estimular o funcionamento dessa espécie de bastião cerebral do bom-senso. Uma das maneiras é lembrar aos indivíduos os aspectos realmente positivos da decisão no momento em que ele está pensando se deve ou não se entregar a um desejo. Essa estratégia vale tanto para a hora de decidir entre o brigadeiro e a fruta (é necessário lembrar-se, insistentemente, do valor nutricional de um e de outro) quanto para a hora de ceder à tentação da mulher bonita à sua frente (vale mesmo a pena ir ao encontro sabendo que isso pode acarretar vários problemas futuros com a namorada, por exemplo?).
Além disso, os que tendem a ceder mais normalmente atribuem uma importância maior aos objetos da cobiça, segundo pesquisa das universidades americanas de Pittsburgh e do Texas. Em vez de entender o desejo como algo que pode esperar, um luxo, o encaram como uma necessidade. É o clássico “eu preciso”, que pode ser empregado tanto para a bolsa da vitrine, quando o armário está cheio de outras opções, quanto para o carro novo, quando o que se tem resolve perfeitamente a vida. Desses estudos, tira-se a lição de que conhecer nossos limites e as estratégias mentais que montamos para nos satisfazer a qualquer custo é um passo importante para segurar impulsos.
É preciso ficar atento ainda a outras armadilhas. Quando se está sob estresse, a tendência é deixar o impulso tomar conta. Uma revisão de estudos realizada na University of Southern California (EUA) deixa isso claro. “O estresse parece fazer com que as pessoas olhem apenas para o prazer que determinado ato proporcionará”, explicou Mara Mather, coordenadora da pesquisa. Sob tensão, busca-se desesperadamente apenas um conforto. E isso, obviamente, prejudica a capacidade de levar em consideração os resultados negativos da escolha. “A compulsão para ter uma recompensa fica mais forte e os indivíduos se tornam menos aptos a resistir”, disse a pesquisadora.
A partir dessa constatação, pode-se comparar força de vontade e autocontrole a um músculo. Se for exigido demais, dá sinais de fadiga. Por outro lado, se bem condicionado, garante um corpo sadio. E é exatamente esse o pensamento que prevalece hoje entre os cientistas. “É possível treinar tanto a força de vontade quanto o autocontrole”, disse à ISTOÉ Roy Baumeister, da Florida State University e um dos principais pesquisadores da área. “E qualquer tipo de exercício que quebre rotinas pode fortalecê-los.” O cientista sugere coisas como usar a mão contrária à habitual para escrever, escovar os dentes ou beber algo. “A essência do autocontrole é se sobrepor a uma resposta já esperada.”
Um ingrediente imprescindível na receita que começa a ser montada para nos ajudar a resistir às tentações é exercitar a capacidade de esperar pela recompensa ou de trocá-la por outra, menos prejudicial. Esquecer o benefício imediato e olhar para o futuro, tentando enxergar o que essa ação trará de resultado dias, semanas, meses, anos depois. “É preciso criar uma forte conexão com o futuro”, disse à ISTOÉ Hal Hershfield, da New York University’s Stern School of Business. “Assim é mais fácil avaliar como os atos de hoje afetarão o amanhã.”
O cardiologista Marcel Coloma, membro da Sociedade de Cardiologia do Rio de Janeiro, aplica a técnica de projetar o futuro para ajudar seus pacientes a deixar o cigarro. “Mostro a eles os ganhos a curto e a longo prazo. E os parabenizo a cada sucesso atingido”, diz. A nutricionista Elaine de Pádua, do Rio de Janeiro, também usa o elogio para incentivar as conquistas de seus pacientes. “Muitas mulheres chegam ao consultório com baixa autoestima. Seu resgate as estimula a seguir a meta de emagrecer.”
Colocar-se objetivos atingíveis e prever gratificações de fato positivas assim que forem alcançados é outra estratégia eficaz para fortalecer o “músculo” da força de vontade e do autocontrole. “Quando há luz no fim do túnel, as coisas ficam mais fáceis de ser alcançadas”, diz a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-Br, entidade voltada à pesquisa e prevenção do estresse. Tão importante quanto isso é acreditar nesses objetivos – parar de fumar, de comer demais, de ceder aos impulsos pelo sexo, por exemplo. “A força de vontade surge quando a pessoa se convence, sem sombra de dúvida, de que seu desejo é sua vontade real”, diz o endocrinologista Tércio Rocha, do Rio de Janeiro.
Outra ajuda importante é fugir de ambientes nos quais as tentações estejam perigosamente disponíveis. “No caso de quem deseja parar de fumar, por exemplo, a pessoa pode se ajudar eliminando situações que funcionam como gatilho, como o cafezinho”, orienta a psicóloga Ana Rossi. “Enfim, modificando hábitos e comportamentos”, ensina.
Da Universidade de Miami (EUA), onde trabalha como professor, o brasileiro Juliano Laran dá ainda outra recomendação vital para fazer crescer o autocontrole: a diversão. Ele chegou a essa conclusão após realizar um experimento no qual observou que os indivíduos com maior capacidade de se controlar encaravam as situações nas quais eram obrigados a se conter mais como uma oportunidade de diversão do que de chateação. “As pessoas tendem a acreditar que exercer o autocontrole é algo que dá trabalho”, explicou à ISTOÉ. “O problema é que, se interpretamos dessa forma, depois que terminamos de usá-lo queremos nos divertir”, disse. Ou seja, a busca por uma recompensa pelo esforço permanece. Porém, quando se inverte o pensamento, essa necessidade deixa de existir. “A diversão muda a percepção do esforço que estamos fazendo e não sentimos mais como se depois devêssemos relaxar e nos divertir, comendo e bebendo demais, por exemplo.”
Quanto mais gente adotar essas lições, melhor. Isso porque, de acordo com uma pesquisa realizada na University of Georgia (EUA), o autocontrole é contagioso. “Observar outras pessoas conseguindo manter o controle, a força de vontade, a motivação, faz o indivíduo querer fazer o mesmo”, disse à ISTOÉ Michelle vanDellen, autora do estudo, o primeiro do gênero, publicado na revista científica “Personality and Social Psychology Bulletin”. O fenômeno ocorre basicamente porque as pessoas tendem a imitar o comportamento de quem está ao redor. “Pensar em alguém que tem autocontrole para se exercitar todos os dias pode fazer você ficar mais comprometido com suas metas financeiras.”
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