12.08.2012

O beija-mão de Fux



STF


Luiz Fux teria se encontrado com figurões petistas para conquistar a vaga de ministro do STF. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Fora o beijo traidor de Judas relatado nos evangelhos de Mateus e Marcos, entrou para a história, como sinal de reverência e de subserviência, o cerimonial do “beija-mão” introduzido no ano 527 pela imperatriz bizantina Teodora, esposa de Justiniano I. A imperatriz, favorável ao aborto e contra a pena de morte à adúltera, virou santa da Igreja Ortodoxa. No seu rastro, os papas da Igreja Católica Apostólica Romana posicionaram-se como receptores do “beija-mão” e recebem visitantes que se inclinam e lançam um ósculo no anel pontifício.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro Luiz Fux, quando na sua terceira tentativa de obter uma cadeira vitalícia no Supremo Tribunal Federal (STF), buscou apoios variados e se submeteu ao “beija-mão”. É grande o elenco dos visitados por Fux. De José Dirceu a João Paulo Cunha. Sem falar em Antonio Palocci, Paulo Skaf, presidente da Fiesp, e João Pedro Stedile, do MST. Chegou ao ponto de buscar aproximação com a namorada de Dirceu, Evanise Santos. Segundo o deputado Cândido Vacarezza, Paulo Maluf, que responde a três ações no STF por lavagem de dinheiro da corrupção, intercedeu pelo magistrado. Fux só não buscou o apoio da torcida do Flamengo, pois nessas horas contam apenas os votos dos cartolas.
A conduta postulatória de Fux, na ocasião ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), serve para ilustrar como o lobby conta e nem sempre o mérito profissional representa o principal atributo para se chegar a uma cadeira na mais alta Corte. Não fosse primo do presidente Collor de Mello, o atual ministro Marco Aurélio, que nas últimas sessões propôs pena baixa e prescrita a Roberto Jefferson e, com relação ao segundo crime imputado, absolvição pela desconsideração ao voto condenatório do ministro Ayres Britto, não teria chegado ao STF como pouco conhecido juiz do trabalho. A então desembargadora Ellen Gracie havia sido vetada por Fernando Henrique Cardoso para o STJ, mas, após receber apoio do conterrâneo Nelson Jobim, fez um upgrade e foi indicada pelo mesmo FHC como ministra do Supremo. Se não era capacitada para um tribunal de hierarquia menor, como, num passe de mágica e em pouco tempo, Ellen Gracie acabou indicada para o órgão de cúpula da magistratura?
Fux, por escolha de Dilma Rousseff em fevereiro de 2011, chegou ao STF em março, quando a denúncia da ação penal apelidada de “mensalão” já havia sido recebida (agosto de 2007). O fato, aliás, contou com rumorosa audiência pública e total cobertura jornalística. Dirceu era, portanto, réu do “mensalão” quando Fux partiu para o “beija-mão”. Segundo o ministro, houve apenas um encontro. ­Dirceu ­­afirma terem sido duas visitas.
Sobre a visita ou visitas a Dirceu, Fux afirmou, sem corar, ter esquecido de que o ex-ministro era réu do “mensalão”. Com o deputado e também réu João Paulo Cunha, à época presidente da Câmara, o juiz esteve numa reunião para um café da manhã e se recusou a revelar o teor da conversa. É, no mínimo, estranho um ministro do STJ comparecer a esse tipo de reunião. Algo semelhante ao encontro do ministro Gilmar Mendes com representantes do partido Democratas após a conhecida reunião com Lula e Jobim.
Nos agendados encontros para o “beija-mão”, Fux admitiu que o tema “mensalão” foi mencionado. E restou claro que os apoiadores aguardavam do ministro um voto diferente do que deu. Sobre o processo, o magistrado, perante estrelas petistas, disse que “mataria no peito”. Na chave de leitura dos “mensaleiros” e “filomensaleiros”, o “matar no peito” seria o golaço da absolvição. Hoje interpretam a expressão como gol contra de um traíra. Fux agora ressalta com ênfase o que não disse quando do lobby: “Não troco consciência e independência por cargo”. E sentenciou: “A prova dos autos desmentia o discurso da falta de provas da responsabilidade de Dirceu e demais acusados”.
Sobre o “beija-mão”, recordo uma antiga conversa com o juiz Márcio José de Moraes. Perguntei se ele seria escolhido para ocupar uma vaga aberta no Supremo. Moraes era um jurista de mão-cheia, juiz independente que, em plena regime de exceção, havia, por corajosa sentença e como magistrado de primeiro grau, condenado a ditadura pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog. A resposta, que guardo até hoje e que contei e recontei aos meus filhos bacharéis em Direito: “Wálter, não tenho nenhuma chance de ir para o Supremo, pois me recuso a fazer campanha, lobby e pedir apoio para políticos. Se algum presidente da República achar que tenho mérito, que me escolha”.
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