3.02.2015

Trote: Violência e estupidez



RIO - O ano letivo em boa parte das universidades 
públicas começa nesta
ou na próxima segunda-feira. Para milhares de jovens 
que se preparam
para ingressar no ensino superior, a maior expectativa 
é com relação
ao trote. A jovem R. passou por isso há sete anos.
 A vida nova em uma
cidade diferente e a busca por uma autonomia fascinavam
 a adolescente,
 na época com 18 anos. Logo após o primeiro encontro 
de calouros
e veteranos, a nova turma foi convidada para uma 
festa, fora da
 tradicional universidade católica de São Paulo. 
As bebidas
alcoólicas transitavam de mão em mão. 
Um veterano, ligado ao
 grupo que coordenava os trotes, não deixava o
 copo de R.
 vazio. Alcoolizada, esta foi a última lembrança 
da jovem antes
de acordar, sozinha, em um terreno baldio.
— Já tinha tido um episódio parecido com o meu. Mesmo grupo,
 mesma estratégia. Só soube depois. O que mais me angustiou foi que
 falaram que a culpa também era minha porque eu tinha bebido.
Fui violentada, mas saí com fama de piranha — afirma a jovem,
que prefere não ter sua identidade exposta.
No dia seguinte, a jovem resolveu ir para a faculdade, mas se
recusou a se aproximar do veterano com quem esteve na noite
 anterior. A negação fez com que o trote fosse mais pesado.
Um balde com urina, cola e outras substâncias foi jogado em
cima da adolescente. Depois disso, ela abandonou a faculdade.
Episódios como esses continuam se repetindo. No início de
fevereiro, uma caloura teve sua perna queimada com ácido
durante trote na Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI)
 e um outro aluno foi ferido no olho. Ele corre o risco de ficar cego.
 A repercussão do caso fez com que a faculdade propusesse aos
 vereadores de Adamantina (SP) a criação de uma lei para proibir
 o trote na cidade. Também neste ano, no Mato Grosso do Sul,
 vários alunos novos, menores de idade, foram levados a um posto
de saúde após ingerirem alta quantidade de álcool e entrarem em coma.
Em São Paulo, os deputados estaduais elaboraram um CPI para
investigar uma série de episódios, em diversas instituições no estado.
— Nem quando trabalhei na Comissão da Verdade tive tanto problema
 como estou tendo nesta CPI. Os universitários acusados 
levam advogados
 de escritórios caríssimos, que fazem de tudo para seus clientes não prestarem
 esclarecimentos — afirma o deputado Adriano Diogo, que preside a CPI.
O relatório da comissão apontará um esquema de sedução, assédio e violência.
— Existe um circuito universitário que envolve muito dinheiro.
 São boates, ex-alunos das faculdades e as chamadas Atléticas
 que criam, juntos, um calendário de festas e atividades nessas cidades
 universitárias. É nesse esquema que brutalidades acontecem.
A violência nunca começa com violência. Começa com a sedução
 — diz Adriano Diogo.
O estudante Luiz Fernando Alves prestou depoimento na CPI e
relatou uma série de violações:
— Foram os piores dias da minha vida. Você era humilhado,
apanhava, ameaçado de morte. E por um povo que você nunca
imaginaria que faria isso. Era gente estudada, não era bandido.
 Na festa você apanhava, mijavam em você, levava socos e chutes.
 Saí cortado com vidro, com princípio de hipotermia, e desmaiei
pela faculdade. Sofri ameaça de morte para não denunciar.
Trotes violentos não são novidade. Por causa das redes sociais,
no entanto, eles estão também mais visíveis.
— Com a internet, conseguimos ter a chance de identificar as violações.
 O processo já chegou num estágio em que grupos de mulheres e de gays,
 principais alvos em trotes agressivos, já montam pontos de apoio
on-line para dar suporte para quem foi agredido ou assediado
— afirma a pedagoga Maria do Rosário Cavalcanti, especializada
em ensino superior pela UnB.
Muitas universidades têm buscado novas estratégias para coibir
 a violência. A USP, que teve uma série de casos em sua faculdade
de Medicina e está sendo investigada pela CPI, criou uma central
de telefone para calouros que queiram denunciar algum tipo de violência
 A Unicamp também criou um ponto de atendimento com
o mesmo objetivo. No Rio, UFF e Uerj possuem ações de
acolhimento de novos estudantes.
Os próprios alunos passaram a se mobilizar. Na Faculdade de
 Medicina da USP, após denúncias de mulheres que acusavam
 veteranos de estupro, foi formado o coletivo “Geni”. Neste ano,
 alunas do curso de Comunicação da UFRJ montaram uma
 página no Facebook cujo lema é “Mexeu com uma caloura,
 mexeu com todas as veteranas”. Na PUC de Sorocaba, surgiu
 o “Grupo de Apoio ao Primeiranista”, para ajudar no acolhimento
 aos novos alunos.
Há também situações em que o trote acontece, mas sem violência
ou constrangimento. Na semana passada, a Fundação Getúlio
Vargas (FGV), no Rio, deu início as suas aulas e as alunas Rana
 Carvalho, de 19 anos, e Nina Calvente, de 18, dizem não
 ter sentido constrangimento.
— Perguntaram se podiam nos pintar, se teria problema manchar a
 roupa, e se a gente queria participar das brincadeiras.
Topamos e foi divertido. — diz Rana.
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